CÍCERO TAVARES - CRÔNICA E COMENTÁRIOS

Beco da Fome, bairro da Boa Vista, Recife

Nos idos de dois mil, um maluco beleza de nome Eduardo, conhecido popularmente no meio da baixa roda por Dudu, teve a “brilhante” ideia de abrir um bar no Beco da Fome, Centro do Recife, para agregar a escória da sociedade que buscava as noites para extravasar seus demônios boiolais.

O Balaka Bar ficava no único pedaço mau iluminado do beco. No entorno viam-se entulhos e sacos de lixos suspeitos jogados nos corredores pelos moradores dos apartamentos. Os frequentadores do bar pouco se lixavam por aquela desordem social. O que queriam mesmo era se divertirem, fumarem seus baseados sossegados, contemplarem a noite e viajarem nos seus imaginários esputiniques em busca dos raios cósmicos de Carl Sagan.

Quando a noite chegava com seus mistérios Dudu já se encontrava no bar esperando os frequentadores neuróticos habitués. Aos poucos iam chegando a nata da escumalha: as putas do pedaço com suas maquiagens exageradas de pó de arroz, os veados, as sapatonas, os enrustidos, os dissimulados e todos os baitolas que frequentavam as escolas e universidades pajubás.

Por ter um porte atlético “marombado”, com dorso e bíceps bem trabalhados, Dudu era cobiçado pelas viúvas e madames solitárias do pedaço, cujos maridos saiam à noite à cata de parceiros ou parceiras para satisfazerem seus instintos sexuais selvagens, que tinham acanho em confessar às esposas ou amantes.

Nos seis anos de vivência com o bar, Dudu enfrentou um assédio moral infernal, ao ponto de ver muitos veados e barangas se digladiarem dentro do bar disputando seus dotes “marombásticos.” A cada final de semana os buruçus tomavam proporções gigantescas ao ponto de Dudu ficar temeroso com a fúria sexual das tribufus e dos baitolas, que queriam porque queriam que ele se lhes tornasse amante.

Temeroso e já pensando em fechar o Balaka Bar, determinado sábado Dudu amanheceu com o orifício virado para lua, e, assim que abriu o bar encontrou, à direita do balcão interno, cem paus, um dinheirão para época, e, à noite, em meio a uma tempestade de assédio de veados e barangas, quando fechou o bar à uma hora da madrugada, encontrou ao lado do vazo sanitário um pacote de dinheiro “sacado” do Banco do Brasil, o equivalente hoje a mais de sessenta mil paus enrolados em várias ligas, dentro de uma sacola colorida da MESBLA S/A, toda melada de bosta.

Certamente o bêbado foi cagar e deixou cair das calças quando a baixou para arriar o “barro.” Passado mais de uma semana com o dinheiro debaixo do balcão esperando que alguém reivindicasse e nada, Dudu pegou a bufunfa, reformou um apartamento pequeno que havia comprado na Boa Vista, montou uma lan house no lugar do bar e nunca mais quis saber do balaka.

– Meu irmão, administrar bar onde só tem maluco é negócio de doido – repete Dudu, com a experiência de um caixeiro-viajante de Taperoá.

6 pensou em “BALAKA BAR

  1. Mui prezado Amigo Cícero.

    Como sempre, em poucas linhas o amigo sempre sintetiza o ambiente,
    os tipos inusitados, os gays e lésbicas, as putas mal cheirosa que disputam
    com a ralé a primazia de dominar o pedaço.

    Sorte do seu personagem, pois assim , depois de descrever o ambiente
    , como o fez belamente, o dono e disputado Dudu não ficou com
    remorso ao aproveitar o precioso achado, para reformar o local e
    dar uma limpeza geral na escumalha parasita.

    Certamente ele ganhou um presente e soube aproveita-lo, para quem
    acredita, a divina providência premia a todos, todos terão uma nova
    oportunidade, Falo por experiência própria e acreditem funciona.

    Grande abraço ao amigo do coração.

    • D.Matt, me sinto orgulhoso por um comentário seu a uma coisinha que escrevo para o JBF, o reduto, segundo o editor Luiz Berto, dos desassombrados e doidos de jogar pedra, mas, poética.

      Isso é ótimo porque estimula o debate e aproxima os amigos, mesmo estando distante.

      A saudade morre nesse recanto quando a gente ler comentários que os amigos escrevem.

      É por isso que o poetaço Xico Bizerra diz: a melhor satisfação é quando lemos comentários sinceros dos amigos que nos leem!

      Forte abraço amigo do coração.

      E Feliz Novo Natal!

    • Obrigado ótimo colunista Adônis Oliveira que de mim só diferencia na coragem de dizer na cara e com palavras realísticas contra os canalhas da política.

      O prazer de ler o seu comentário é o mesmo que me dar quando leu sua coluna aos domingos fartíssimas de informações que talvez eu não encontrasse o conteúdo numa enciclopédia de história.

      Forte abraço e Feliz Natal Novo!

  2. Cícero retrata com realismo ímpar, um pedaço do boêmio e decadente bairro da Boa Vista.
    A proliferação de biroscas se intensificou bastante no beco da fome (Batismo popular de onde se encontrava refeições, lanches e bebidas a preços baixos), era o paraíso dos ecléticos esfomeados e “lisos” do pedaço.

    Onde mais se poderia encontrar uma macaxeira com charque ou guisado (embora, pra lá de suspeitos), por módicos 2 reais???
    Era onde me refastelava em minha época de estudante, após um hot dog na “cascatinha” e um rolé nas lojas americanas.
    Belle Époque!
    Parabéns.

  3. Marcos Cavalcanti, é de um prazer inimaginável ler um comentário seu às minhas historinhas publicada aqui no JBF.

    Mas uma vez lhe repito: o grande responsável por essa besteira de me convidar para escrever essas coisinhas da vida real foi nosso estimado Editor Luiz Berto.

    Por causa dele me tornei escrevinhador dessas bobagens cotidianas, formei o maior número de amigos do coração, mesmo à distância e, melhor ainda, aprendi a escrever “crônicas” para os amigos leem, coisa inimaginável há (5) anos atrás.

    Obrigado amigo do coração; Obrigado Berto.

    Feliz Novo Natal ao nobre amigo e família.

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