MAURÍCIO ASSUERO - PARE, OLHE E ESCUTE

O Artigo 207 da Constituição Federal fala da autonomia da universidade. Diz o seguinte:

Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

§ 1º É facultado às universidades admitir professores, técnicos e cientistas estrangeiros, na forma da lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 11, de 1996)

§ 2º O disposto neste artigo aplica-se às instituições de pesquisa científica e tecnológica. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 11, de 1996)

Evidentemente que nenhuma universidade pública federal tem autonomia financeira, visto que seus recursos orçamentários são repassados pelo MEC. Autonomia era de cada uma delas gerassem suas próprias receitas e com elas bancassem seus custos. Mas, pelo que assegura esse artigo, a universidade pode criar ou extinguir cursos, bastando para isso um projeto pedagógico aprovado no âmbito do colegiado do curso, do centro e finalmente a aprovação do Conselho Universitário, que se abrevia CONSUNI ou invés de CU.

Na UFRN, um professor pleiteou um curso, “Construção do Reino de Deus”, para alunos de medicina. Imediatamente, houve uma gritaria geral por aí afora, inclusive por parte dos alunos do curso e aí eu volto a falar que a universidade é autônoma e se quiser criar esse curso mediante a aprovação das competências internas, paciência. Que se crie, se oferte e veja se tem demanda de aluno. A UFABC criou um curso chamado Afroentomatemática que não serve pra porra nenhuma a não ser gerar emprego para o professor que ministra que vai arrumar alunos para fazer um mestrado e depois passar num concurso público para ensinar essa bosta a outros alunos que no futuro farão concursos para ensinar essa bosta. Os caras tratam Matemática como se fosse uma questão de cor, de etnia e não de cérebro. Duvido que isso traga um milímetro de contribuição para a educação brasileira, pra tornar nossos estudantes capazes de colocar o Brasil numa colocação melhor no exame do PISA.

O curso foi aprovado, alunos se matricularam – eu acredito – e ponto final. No meu entender dinheiro público jogado fora, mas tem um órgão superior da instituição que disse sim para isso e ponto final. De modo igual, Universidade de Brasília criou um curso “O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil”. Seria importante olhar se essa bosta tem oferta regularmente, mas como disse antes, respeita-se a autonomia da universidade. Se existe um palerma pra ensinar e outros pra assistir, paciência. O problema é que isso acaba retirando dinheiro de coisas prioritárias dentro da própria universidade.

Fazem esse tipo de coisa e depois ficam publicando pesquisas com dados de empregos de universitários formados que não conseguem ganhar um salário decente. Os caras formam analfabetos funcionais, com currículos totalmente defasados da realidade, conteúdos que não preparam para o mercado de trabalho e ainda culpam o mercado por isso, além de ensinar o aluno a ter ódio da iniciativa privada que é quem gera emprego de verdade. Os alunos saem da universidade com um diploma e zero de experiência prática. Falta integração com o mercado. “Ah! Tem o estágio obrigatório!”. Já algum tempo uma aluna me pediu uma carta de recomendação pra um estágio no Banco do Brasil. Fiz destacando seu potencial, colocando que ela tinha sido uma boa aluna no curso de Matemática Financeira, etc. Ela ficou no estágio e um dia entrei na minha agência e lá estava ela de colete do BB orientando pessoas no uso do caixa rápido. Total dissociação com o que ela aprendeu.

Eu ensino Matemática Financeira abordando as coisas que vivi como bancário. Nenhum problema é retirado de livro. Tudo é fruto da engenharia que eu fazia para renegociar dívidas. Numa das minhas turmas tinha um doutorando em matemática que tirou 3,5 na primeira prova e sumiu do curso. Um dia recebi um folheto de um consórcio com uma oferta do consorciado pagar a parcela com 25% de desconto até a data do sorteio. Botei na prova e pedi para analisar a situação de quem era sorteado no primeiro mês, no trigésimo e penúltimo. Recebo proposta de parcelar fatura de cartão de crédito e peço pra o aluno calcular o custo efetivo. Faz. Se tu fizer estás no caminho certo. Minhas aulas são práticas. Excessivamente práticas porque eu uso Excel e HP 12C e o aluno que não souber isso, vai ter problema no mercado.

Só os imbecis não enxergam que o aluno sai da universidade sem conhecimento de práticas de mercados. Se o cara está ali para fazer mestrado e doutorado e depois ficar como professor, tudo bem. Mas, o cara que estuda para arranjar um trabalho, não vai conseguir se o interesse do mercado está distante do conhecimento adquirido na universidade. No mundo inteiro se fala da indústria 4.0 e esta é calcada em STEM+C (Science, Technology, Engineering, Mathematics + Computation). Mas, há quem acredite que trabalhos como A Folia dos Cus Prolapsados (dissertação), Cai de boca no meu bucetão (monografia) ou Banheiros Públicos: Os bastidores das práticas sexuais (dissertação), dentre outras, são meios para se desenvolver a indústria 4.0.

Volto a dizer: é de competência das universidades o que vai ser ofertado como curso e como disciplina. Agora, tem gente que faz pesquisas nas redes: “você é contra ou favor de ensinar religião na escola?”. Essas pessoas são as mesmas que defendem a linguagem neutra, a politização do ensino, a doutrinação do aluno. Ora, se ensinam política por que não ensinar religião, ética? Eu, orgulhosamente, digo: minha proposta como educador é ensinar o aluno a pensar. As escolhas que ele fizer depois disso são de sua inteira responsabilidade. Vou continuar transmitindo conhecimento para que o aluno decida se quer ir para a academia ou para o mercado.

8 pensou em “AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA

  1. Caro Maurício
    Veteraníssimo, como me julgo e não ex-professor em virtude de aposentadoria, que considero justa e merecida, após quase 30 anos de batente, aos quais juntei mais alguns tempos de serviço público, em outras áreas, para formar uma cartela de quase 40 anos, acompanhei, de perto, o florescer dessa política, fundada, segundo considero, em dois motivos principais: acolher alunos profissionais e professores simpáticos à causa, que hoje assola as II EE’s estatais, conduzindo-as ao abismo que bem conheces.

  2. Maurício.

    Excelente artigo. De uma luminosidade igual ao sol do meio dia em pleno deserto. Mas, nesse artigo da Constituição citado por você, o meio universitário finge acreditar que “autonomia” é sinônimo de “soberania”. Daí, criam essas bobagens para servir de cabide de emprego e formar um bando de inúteis. A universidade seria pública, de fato, se a sociedade, aquela que é convidada a pagar salário para os servidores dela, pudessem opinar sobre a criação, ou não dessas bobagens. Se deixar somente com as gildas universitárias, todas elas lotadas de incompetentes que não sabem ensinar, não sabem pesquisar, não sabem fazer uma extensão, qualquer bosta que criarem, será aprovada, afinal é necessário arrumar uma boquinha para um “cumpanhêro”.
    No mais, parabéns pelo excelente texto.

    • Roque, obrigado. Você tocou num ponto crucial: a participação da sociedade. Não há. A decisão é tomada e pronto. A sociedade que aguente.

  3. Meu prezado Mauricio:
    Um testemunho de nossa formação paulofreiriana: quando trabalhava na General Motors, na década de 70, tivemos um Engenheiro recém formado (seguramente graduado pela Faculdade de Engenharia das Aspúlias) que estava adaptando especificações da G.M. americana para o ambiente brasileiro, que usa o sistema métrico. Em uma das especificações sobre trocadores de calor questionei ao ilustre colega que a temperatura que estava na especificação em português deveria constar claramente “Graus Celsius” ou “Graus Centígrados”, e que os números originais deveriam ser adequados. Sua resposta: “Isso não é importante, porque graus são graus”.
    E la nave vá.

    • Caramba!!! Com coisas assim a gente vê que os nossos profissionais vão caindo “degraus”. No meu tempo de matemática tinha uma turma que ficada esperando “cola”…eu dizia que quando visse uma obra com o nome deles, mudaria de calçada.

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