JOSÉ DOMINGOS BRITO - MEMORIAL

Olívia Guedes Penteado nasceu em Campinas, SP, em 12/3/1872. Escritora e mecenas dos artistas da Semana de Arte Moderna de 1922. Integrante da aristocracia paulista, foi apelidada de “Nossa Senhora do Brasil”, pelos modernistas. Batalhou pelo voto feminino, promoveu a eleição da 1ª mulher deputada federal (Carlota Pereira de Queiroz) e participou ativamente da Revolução Constitucionalista de 1932, em São Paulo.

Filha de José Guedes de Souza e Carolina Álvares Guedes, casou-se com seu primo Ignácio Penteado, irmão do conde Álvares Penteado, em 1888, e foi viver em Paris, onde fez de sua casa um importante ponto de encontro cultural e conheceu aluguns dos protagonistas do movimento modernista brasileiro, que por lá “flanavam”. Antes de conhecer os modernistas costumava receber os poetas parnasianos, tais como Olavo Bilac e Alberto de Oliveira. Em 1923, ao ficar viúva, voltou a viver em São Paulo e reuniu a nata da intelectualidade paulista em sua casa. Em seguida, criou o “Salão de Arte Moderna”, instituindo o “Modernismo” na cultura brasileira. Na condição de colaboradora da revista “Contemporânea”, veículo lisboeta de divulgação dos modernistas portugueses, tornou-se correspondente da revista no Brasil.

Em São Paulo sua mansão -ocupando a esquina das ruas Duque de Caxias e Conselheiro Nébias (onde hoje fica o Hotel Comodoro)- foi projetada por Ramos de Azevedo e foi reformada incluindo um pavilhão para abrigar as obras de arte. A pintura do teto foi refeita por Lasar Segal, tendo em vista uma melhor adequação com as “artes modernas”. Contava com uma bela coleção de obras de arte, incluindo o fantástico Le Polichinelle lisant “Le Populaire”, de Picasso; a escultura “Négresse Blonde”, de Brancusi e obras de Delanay, Foujita, Cézanne, Degas, Marie Laurencin, Brecheret, Portinari, Di Cavalcanti e Tarsila do Amaral entre outras

As reuniões semanais reunia uma plêiade de artistas e escritores daqui e de fora. Em 18/2/1924 o “Correio Paulistano” noticiou: “A sociedade paulista, que tem em D. Olívia Guedes Penteado uma das figuras de mais fino relevo e mais aristocrática tradição, festejou anteontem o notável escritor francês Blaise Cendrars, que teve na fidalga residência da Rua Conselheiro Nébias um acolhimento de excepcional elegância e de inexcedível fidalguia e intelectualidade”. Tais encontros e reuniões incluía também o chá das terças-feiras e os grandes jantares nos salões de décor clássico frequentados pela elite paulistana, incluindo, é claro, os protagonistas da Semana de Arte Moderna.

Blaise Cendrars ficou amigo dos modernistas e veio outras vezes à São Paulo. Numa dessas viagens juntou-se a um grupo de paulistas para visitar as cidades históricas de Minas Gerais. Participaram da excursão: ela, Mário e Oswald de Andrade e seu filho Noné, René Thiollier e Tarsila do Amaral. O poeta francês ficou encantado com as obras de Aleijadinho e Dona Olívia ficou indignada com o estado de abandono das igrejas. De volta à São Paulo, ela decidiu criar a “Sociedade dos Amigos dos Monumentos Históricos do Brasil”, cujos estatutos foram redigidos pelo poeta em um “chá das cinco” e logo foram inscritos não apenas os que viajaram à Minas, bem como Carlos de Campos, recém-empossado presidente do Estado e outras personalidades presentes na solenidade do chá.

Esse turismo cultural, promovido por ela, denominado por Mario de Andrade “viagens de descobrimento do Brasil”, alcançou o carnaval do Rio de Janeiro e chegou até à Amazônia, em 1927, numa viagem de navio subindo o rio Solimões até Iquitos, no Peru. Estas excursões ficaram registradas nas poesias de Oswald de Andrade (Pau Brasil), Mário de Andrade (Noturno de Belo Horizonte) e em pinturas de Tarsila do Amaral. Mas nem só de arte vivia a aristocracia paulista. Na Revolta Paulista de 1924, ou segunda revolta tenentista, São Paulo foi tomada por canhões e o poeta Cendrars, que participara da I Guerra Mundial, onde perdeu um braço, deu-lhe orientações como proteger a casa e sua coleção.

Em 1932 passou a integrar o Instituto Geográfico e Histórico de São Paulo e no mesmo ano participou da Revolução Constitucionalista de 1932, ajudando os feridos e as famílias dos combatentes na condição de Diretora do Departamento de Assistência Civil. Prestou substancial ajuda ao movimento doando valiosas joias à “Campanha de Ouro para o Brasil”, necessária à manutenção das frentes de combate. Por essa época estimulou e patrocinou a candidatura de Carlota Pereira de Queiroz, a primeira mulher a se eleger deputada no Brasil. Foi uma mulher à frente de seu tempo e transitou bem entre dois séculos e duas estéticas. Faleceu em 9/6/1934 de apendicite. Foi sepultada no Cemitério da Consolação e seu túmulo conta com uma escultura – O Sepultamento – feita por Victor Brecheret. O filho de seu genro, Goffredo da Silva Telles Jr., lembra que ao levar o caixão embandeirado ao carro dos bombeiros “sentimos um movimento do povo, uma aproximação compacta de gente, em torno de nós (…) E então vimos o total inesperado. O povo silenciosamente se assenhorou do esquife embandeirado. Homens desconhecidos, segurando as alças do féretro, puseram se a caminho. E o levaram, na força de seus braços, pelas ruas de São Paulo”.

Foi descrita com uma mulher sensível, bela, boa e de uma elegância soberana. Seu retrato (106 x 135 cm.) foi pintado, em 1911, por Henri Gervex e encontra-se exposto na Pinacoteca do Estado. Em 2002 o Museu de Arte Brasileira, da FAAP-Fundação Armando Alvares Penteado, realizou a exposição “No tempo dos modernistas: Dona Olívia Penteado, Senhora das Artes” e lançou o livro homônimo, organizado por Denise Mattar e Aracy A. Amaral.

Um belo relato de sua trajetória e época, que pode ser visto clicando aqui.

6 pensou em “AS BRASILEIRAS: Olívia Penteado

  1. Obrigado, mestre Brito, por mais esse relato bibliográfico coerente de Olívia Penteado!

    Será que Érico Veríssimo se inspirou nela ao colocar o nome da personagem Olívia no seu romance mais popular: “Olhai os Lírios do Campo?”

    Determinação, coragem e talento não lhe faltam!

    A Semana de Arte Moderna foi uma ruptura nos alicerces do arcaísmo literário luso.

    Ótimo domingo para o mestre.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *