A Ciência Econômica tem, pelo menos, dois defeitos: o primeiro é não ser uma ciência exata, embora hoje sejam utilizados inúmeros modelos de previsão para variáveis de interesse como crescimento econômico, desemprego, inflação, retornos de investimentos, etc. …. e câmbio. Há um leque de ofertas de modelos que nos ajudam a entender o comportamento de variáveis de interesse, em função de outras, dentre os quais os modelos de regressão linear e de séries temporais. Com tais modelos a gente pode estimar o impacto da variação de uma variável sobre outra. Tipo: se o dólar aumentar 10%, qual será o impacto nas exportações?
O segundo defeito, talvez uma decorrência do primeiro, é que os ajustes econômicos, quando algo dá errado, não acontecem na velocidade desejada, ou seja, é como se você tivesse na direção de um carro que vai contra um muro, sem capacidade de desviar a batida. Por exemplo: o governo Dilma pariu 13 milhões de desempregados a até hoje, cinco anos depois, só recuperamos 1 milhão de empregos. Daí, a Ciência Econômica, explica o que houve, mas as correções só depois do problema instalado. Ninguém, dado as condições do mercado, previu que o dólar chegaria a este patamar. Eu não vi um economista de esquerda publicar qualquer análise que apontasse para esse risco e por isso me incomoda um pouco as pessoas aproveitando o momento para culpar a política econômica. Sempre que alguém me manda uma gracinha nesse sentido eu pergunto: “e por que você não previu isso?”. Recentemente, Aloizio Mercadante destilou uma série de bobagens, mas não nunca publicou uma linha, anterior aos fatos, sugerindo que o câmbio poderia chegar nesse nível. Eu considero essa turma como profetas das causas acontecidas. Depois dos fatos vem “eu falei!”.
O dólar valorizado tem consequências positivas para a economia porque favorece o crescimento das exportações. Na composição do PIB a gente chama exportações líquidas, NX, à diferença entre o que é exportado e o que é importado. Se o Brasil exportar mais do que importar, NX>0 e o PIB aumenta. O impacto seria aumento no emprego para atender a demanda externa e beneficiaria a demanda interna. Vamos fazer um exercício: se US$ 1,00 = R$ 4,00, então com um dólar as empresas estrangeiras podem comprar o equivalente a R$ 4,00. Se US$ 1,00 = R$ 5,00, então com o mesmo dólar elas agora poderão comprar mais. Rudiger Dornbush, um macroeconomista alemão naturalizado americano, chamava a desvalorização da moeda local como “política de empobrecer a vizinhança”. É só olhar o capitulo 2 do seu livro Macroeconomia.
Nesse sentido, bota US$ 1,00 = R$ 10,00, não é mesmo? Calma! As coisas não são bem assim e Economia é como o “cobertor curto”. Nós temos produtos cuja matéria prima é importada e o aumento do dólar afeta a viabilidade desses mercados. O trigo do pãozinho vem, 80%, da Argentina e seu preço é dolarizado. Então, cada aumento no dólar vai aumentar custos de produção das padarias e por se tratar de um produto que se compra em unidades, embora seja vendido por peso, o consumidor nem percebe que o pãozinho aumentou, digamos, 20%. Quando os insumos de produção aumentam, o produtor repassa para o preço e isso gera aquilo que chamamos de inflação de custos. Assim, fica a primeira consequência nefasta da desvalorização da moeda.
Outra questão, com uma amplitude maior, é a dolarização de mercado de combustíveis. Um barril de petróleo tem, aproximadamente, 159 litros e no dia 06.03.2020, o mercado abriu com US$ 50,25, com máxima de US$ 50,45 e mínima de US$ 45,18, mas fechou em US$ 45,27, abaixo da média de US$ 47,82. Não preciso lembrar que este mercado é cartel e com isso, o lucro é maximizado em função do cartel e não dos produtores. Com isso a gente chega ao ponto crucial do preço do combustível no Brasil.
A partir de 2002 a ANP – Agência Nacional de Petróleo passou a divulgar a composição do preço do combustível no Brasil. A tabela seguinte, extrai da ANP e diz respeito ao mês de novembro de 2019. Ela está distribuída por região, mas vou reproduzir os dados do Brasil:
O preço do óleo diesel era R$ 1,95 e o preço de venda é R$ 3,71, ou seja, a variação percentual entre ambos os preços é, nada mais nada menos, que 89,88%. Os tributos federais são PIS/Pasep, Confins e CIDE (Contribuição de Intervença de Domínio Econômico). Tributo estadual é ICMS cuja política varia por estado. O ICMS é 1,60 vezes maior do que os tributos federais. A margem de distribuição e custo de transportes é a ponta da corrupção. A Transpetro fazia esse papel e Sérgio Machado arrecadou muito dinheiro para canalhas como Renan Calheiros, Sarney e Jucá. Então, em termos simples, nós temos um aumento de 47,3% entre o preço do produto e o que é pago pelo consumidor. O Dessa forma, se o governo zerar os tributos federais e os estaduais zerassem o ICMS o preço do diesel seria vendido por menos de R$ 2,80. Ainda a margem de apertar os custos de margem bruta de revenda.
Ao longo do governo Dilma, principalmente em 2014 com a eleição, visando conter a inflação (se o preço do combustível aumenta, o resto acompanha), houve um jogo entre o preço do produto extraído e o produto refinado. Era como se o governo subsidiasse o mercado para manter preço. Ficamos mais de um ano com preço interno superior ao externo tudo para que não fosse repassado. De qualquer forma, a carga tributária sobre combustível precisa ser revista e a maior culpa disso é dos governos estaduais.
Olá, Maurício.
Esse Dornbush viajou legal na desvalorização. Eu pago mais caro para comprar as coisas do meu vizinho, meu vizinho paga mais barato para comprar as minhas coisas, e ele diz que foi o vizinho que empobreceu!
Quanto ao diesel, que muita gente fala com aquelas expressões de “ítem estratégico”, “segurança nacional” e etc. Nunca entendi porque o coitado que precisa do carro para trabalhar e vê o combustível pesar no orçamento, é obrigado a usar gasolina no seu uno ou celta, mas quem tem muita grana pode usar diesel na sua pajero, amarok ou Audi Q7. Não deveria ser o contrário?
Marcelo, meu caro, Dornbush foi um dos grandes macroeconomistas em meados dos anos 1990. O livro dele Macroeconomia, era usado em vários cursos de economia. Estudei por ele. Era muito técnico. Depois Mankiw fez uma espécie de gibi e a linguagem ficou até melhor, mas atualmente, a preferência é por Blanchar. Eu não conheço um macroeconomista que não trate do efeito da desvalorização de uma moeda sobre as economias vizinhas.Usei o exemplo do diesel, para não botar os demais senão a tabela não caberia. Eu não entendo porquê não se vende álcool direto da usina aos postos.. aliás, eu entendo, mas não aceito.
Maurício, vc já sabe que eu não tenho nenhum currículo de economia, eu estudei eletrônica e processamento de dados. Nunca li nenhum dos livros que são lidos nas faculdades de economia.
E, cá entre nós, se forem todos do tipo do tal Dornbush, acho que não perdi nada.
Estes caras citam algum caso que funcionou? “A moeda do país X desvalorizou continuamente entre 19xx e 19yy, e neste período as exportações aumentaram, o pib aumentou, a renda per capita aumentou”. Gostaria mesmo de saber.
Usina proibida de vender etanol direto para o posto e diesel proibido para carro de pobre mas permitido para SUV de rico estão na mesma categoria de “entendo mas não aceito”, junto com “político aumenta seu próprio salário” e mais algumas.
Perfeito Marcelo, como eu disse no texto um dos defeitos da Economia é não ser ciência exata. A política macroenômica de cada país, em geral, prioriza algum fundamento. Paises bem estruturados abrangem um espectro maior como crescimento econômico, emprego, ciclos econômicos, etc. O Brasil se pautou a combater a inflação. Isso mostra que fomos frágeis em vários momentos. Não temos sustentabilidade pra avançarmos em outras direções. Óbvio que não é interessante uma política que desvaloriza a moeda por tanto tempo. Se você voltar ao tempo de Simozen vai ver que ele promovia minidesvalorizacão que era uma forma de fazer a moeda oscilar dentro de um intervalo. Mais recentemente passaram a chamar isso de banda.
Sobre seu último comentário, acho que é isso que cada colunista do JBF tenta: criticar desigualdade e injustiça. Como analista eu foco em propostas em busca de viabilidade. Se tem, ótimo! Eu apoio e defendo.