A PALAVRA DO EDITOR

Tarsila do Amaral nasceu em 1/9/1886, em Capivari, SP. Pintora e protagonista do Movimento Modernista no Brasil, é reconhecida entre as grandes artistas do mundo. Filha de uma rica família de fazendeiros do 2º Império. sua mãe tocava piano e contava histórias dos romances que lia para as crianças e seu pai recitava versos em francês. Legítima representante da oligarquia, que passou por uma transformação radical na vida com a Semana de Arte Moderna, em 1922.

Os primeiros estudos se deram nos tradicionais colégios de São Paulo e foram concluídos no Colégio Sacre-Coeur, em Barcelona. Casou-se, aos 20 anos com o médico André Teixeira Pinto, mas o casamento acabou no ano seguinte com o nascimento da única filha Dulce. Voltou a morar com os pais até 1917, quando mudou-se para a capital e passou a estudar pintura com Pedro Alexandrino Borges, conceituado pintor. Em 1920 foi viver em Paris, com a filha, e frequentou a Academia Julien e estuduu na Academia de Emile Renard. Manteve contato com a vanguarda artística europeia e aderiu ao modernismo com a volta ao Brasil, em 1922. Foi apresentada por Anita Malfatti a Mario de Andrade, Oswald de Andrade e Menotti Del Pichia, que passaram a frequentar seu ateliê. Em seguida formaram o “Grupo dos Cinco”, que organizou a Semana de Arte Moderan, em 11-18 de fevereiro de 1922. No fim do ano, junto com Oswald de Andrade, embarcou para a Europa; coloca a filha num colégio interno e o casal passa a viajar pela Europa em lua de mel, estudos e contatos com artistas.

Passaram uma temporada em Paris e conheceu Constantin Brancuse, Blaise Cendrars, Erik Satie e Jean Cocteau entre outros. Aí frequentou diversas academias de pintura, mantendo contato com Picasso e amizade com Fernand Léger, o mestre do cubismo, que influenciou seu estilo. Já à vontade como artista e ciente do que “quer ser quando crescer”, escreve para os pais: “Sinto-me cada vez mais brasileira. Quero ser a pintora da minha terra. Como agradeço ter passado na fazenda a minha infância toda. As reminiscências desse tempo vão se tornando cada vez mais preciosas para mim. Quero ser, na arte, a caipirinha de São Paulo”. Em 1923 surge a primeira expressão de sua arte, no quando “A Negra”. O crítico Segio Milliet vê alí o prenúncio do movimento antropofágico, que surgiria 5 anos depois. O quadro impacta os artistas e intelectuais de Paris, com sua originadade e exuberância.

Em 1924, de volta à São Paulo, o casal fez uma viagem de “redescoberta do Brasil” junto com alguns modernistas e o poeta Blaise Cendrars. Era o que faltava para iniciar sua fase artística “Pau-Brasil”. São cores e temas tropicais; os bichos nacionais; a exuberância da fauna e da flora brasileira e simbolos da modernidade urbana (máquinas, trilhos etc.). Dois anos após, legalizou o casamento com Oswald e no mesmo ano realizou sua primeira exposição individual em Paris, na Galeria Percier. Em 1928, enquanto Oswald elaborava o “Manifesto Antropfágico”, ela pintou o “Abaporu”, quadro (de 85x73cm.) que tornou-se o símbolo do “Movimento Antropofágico” e hoje é sua obra mais conhecida e o quadro mais valioso da arte brasileira. O quadro foi um presente de aniversário ao marido, que, entusiasmado, viu ali um índio canibal. Ela, animada com a visão, procurou um dicionário de tupi-guarani e encontrou as palavras “aba” e “poru”, i.é, “homem que come carne humana”. Assim, foi batizado o quadro, que se tornou símbolo do Movimento Antropofágico, que “propunha a digestão de influências estrangeiras para que a arte nacional ganhasse uma feição mais brasileira”.

Em 1929, teve sua primeria exposição no Brasil, Rio de Janeiro. Não foi um ano favorável para as artes ou para qualquer coisa. A crise mundial 1929 abalou a economia e sua família perdeu a fazenda. Para piorar, no ano seguinte Oswald decide separar-se para casar com Patricia Galvão, a conhecida Pagu. Tais perdas deixaram-na bastante abalada, fazendo com que se entregasse ainda mais ao trabalho artístico. Em 1930 assumiu o cargo de conservadora da Pinacoteca de São Paulo, e deu inicio à organização da coleção do primeiro museu de arte paulista. Mas, não pode dar continuidiade, devido a queda de Julio Pretes e o advento da ditadura Vargas. Em 1931 vendeu alguns quadros e viajou pela União Soviética com o novo marido, o psiquiatra Osório César. Na volta, passou nova temporada em Paris e decidiu “assumir a causa social”, digamos assim para não complicar. Sem dinhiero, trabalhou como pintora de portas e paredes e conseguiu dinheiro para retornar ao Brasil.

Aqui, envolta com a causa social e ligada aos intelectuis de esquerda, foi presa, acusada de subversão. Em 1933, inicia uma fase de temática social, demonstrada nos quadros “Operários” e “Segunda Classe”. Inicia, também, novo relacionamento com o escritor Luis Martins, com quem se casou após serparar-se de Osório. A partir dos anos 1940, passou a consolidar seu estilo com base em fases anteriores. Participou das 1ª e 2ª Bienais de São Paulo e ganhou uma retrospectiva no Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 1960. Em seguida, foi tema de uma sala especial na Bienal de São Paulo de 1963 e no ano seguinte, apresentou-se na 32ª Bienal de Veneza. Sua apreciação pelos críticos sempre foi superlativa. Para Joaquim Inojosa “se a música da nossa raça -índole e costumes- deve sua divulgação lá fora a Villa-Lobos, a pintura renderá esta homenagem a Tarsila do Amaral”. Mário da Silva Brito, achava “Tarsila, um capítulo da história da pintura brasileira. Um monumento criativo do modernismo. Uma vida dentro da arte”.

Em 1966, já separada de Luis Martins, passou a sentir dores na coluna, submeteu-se a uma cirurgia e, devido a erro médico, ficou paralítica, tendo que se virar como cadeirante. Pouco depois, ficou desesperada com a morte da única filha e passou a se interessar pelo espiritismo. Com o dinheiro obtido com a venda dos quadros, ajudou a instituição mantida por Chico Xavier, de quem tornou-se amiga; trocaram correspondência e visitas. Faleceu em 17/1/1973, aos 84 anos, e foi sepultada no Cemitério da Consolação.

Duas alentadas biografias contam sua trajetória. Uma foi realizada por sua prima Aracy Amaral – Tarsila: sua obra e seu tempo -, resultado da pesquisa de tese de doutorado, publicada em 1975. Outra foi escrita por Nádia Battela Gotlib –Tarsila do Amaral, a modernista -, lançada em 2003 pela Editora SENAC , um livro de arte. Ambos contam com várias reedições. Sua memória ficou foi preservada, também, na peça teatral Tarsila, escrita por Adelaide Amaral, encenada em 2003 e publicada em livro em 2004. Foi homenageada, em 2008, pela União Astronômica Internacional com seu nome dado a uma cratera do planeta Mercúrio. No mesmo ano, foi lançado o Catálogo Raisonné Tarsila do Amaral, contemplando toda sua obra em 3 volumes, realizado pela Base 7 Projetos Culturais e publicado numa parceria entre a Petrobrás e a Pinacoteca do Estado do Estado de São Paulo. Toda sua obra pode ser vista, também, em seu site oficial (clique aqui para acessar)

Agora, em 2022, com o centenário da Semana de Arte Moderna, São Paulo é devedor de um tributo especial a sua grande artista. Imagino que os “responsáves” pela Cultura estão atentos, pensando e, talvez, já fazendo o que deve ser feito no Centenário do Movimento Modernista, planejado e realizado pelo “Grupo dos Cinco”(Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Menotti Del Pichia), onde 40% eram mulheres: Tarsila do Amaral e Anita Malfatti. Sua indusão agora no Memorial marca o início das devidas comemorações que certamente virâo.

11 pensou em “AS BRASILEIRAS: Tarsila do Amaral

  1. Caro Colunista

    Mais uma grande mulher retratada no Memorial. Sua vida daria um belo filme. Melhor, uma série dado a sua intensidade. produtividade e contribuições às artes e cultura brasileira.

    • Cara Miriam

      Você já deve ter percebido minhas reclamações quanto a falta de filmes no Brasil sobre nossos nomes memoráveis. Pois bem, no caso de Tarsila do Amaral você reiterou esta necessidade. Assim, agradeço seu apoio neste pleito

  2. Mestre Brito. Agora você me derrubou com os dois punhos e fui a
    nocaute de vez.
    Tarsila sempre foi a minha pintora brasileira preferida. Bem brasileira, com muita
    personalidade e acho que a sua obra retrata bem a qualidade e posição
    de superior qualidade da mulher brasileira, ao mostrar o Brasil real, com suas
    formas bem delineadas, suas cores brasileiras e um talento superior, que
    demonstra o seu conhecimento e vivência com os pintores como Picasso o
    qual apesar de muito admirado por ela, em nada copiou do seu estilo
    na sua magna obra. Cito como exemplo o ABAPORU que é super
    moderno e avançado, mas não copia ninguém e é merecidamente reconhecido
    como a pintura máxima da arte brasileira, que infelizmente o Brasil
    sem memória e amor ao brasileirismo deixou que fosse adquirido por
    um estrangeiro e hoje é avaliado como o quadro mais valioso feito
    por um pintor brasileiro, mais valioso do que os excelentes quadros
    do nosso grande Cândido Portinari.
    Obrigado por esta magnífica aula de arte, mestre.
    Seu aluno. d.matt

    • D.MATT

      Tiro o chapéu para o grande amigo do coração e comentarista pela bela passagem original ao texto do mestre JOSÉ DOMINGOS BRITO:

      “mostrar o Brasil real, com suas formas bem delineadas, suas cores brasileiras e um talento superior, que demonstra o seu conhecimento e vivência com os pintores como Picasso, o qual, apesar de muito admirado por ela, em nada copiou do seu estilo na sua magna obra!”

      TARSILA DO AMARAL, além de muito bonita, tinha estilo próprio e personalidade!

      • Caríssimo Amigo Cicero.
        Você entendeu muito bem o que eu quis enfatizar com o meu comentário, pois tem muitos “artistas ” que adoram Picasso e procuram sempre que possivel “roubar ” um pouco do seu grande talento. A nossa Tarsila, apesar de
        modernista sempre teve estilo próprio e inimitável,
        haja vista a sua magna obra ABAPORU , uma obra de
        tal expressão pictórica que muitos ” entendedores ”
        selvagens não entenderam, nem a obra de arte, como
        também a mensagem nela contida.
        Toda a sua obra é facilmente reconhecida, não só pelo
        estilo próprio, com acabamento primoroso, bem delineado
        como por suas cores sempre precisas e harmoniosas.
        Um abraço caro amigo.

  3. Mestre Brito:

    Sua minibiografia dessa grande mulher e pintora genial se superou pela precisão e qualidade das informações descritas no texto.

    Onde estiver TARSILA DO AMARAL está muito feliz por perceber que alguém aqui na Terra lhe está cuidando bem da sua história e dando a verdadeira importância que ela teve no MOVIMENTO MODERNISTA de 1922, onde foi vaiada por um bando de selvagem que não entendia porra nenhuma de pintura.

    Parabéns Mestre mais uma vez pelo texto!

  4. Caros amigos Cícero e D. Matt

    Grato pelos acréscimos e reconhecimento da nossa grande artista. ´É o que digo sempre: Lidar com leitores qualificados tem suas recompensas.
    Aproveito o ânimo de vocês para propor um “movimento” de repatriação da obra Abaporu, que se encontra na Argentina, para o Museu do MASP, em São Paulo. Vamos procurar algum ricaço para que banque esse resgate.
    O que acham?
    Aproveitemos a data do centenário da Semana de Arte Moderna, em 2022 para trazermos pra cá sua obra prima.

  5. O Brasil deixar que uma obra de arte raríssima e louvada internacionalmente ,
    fosse para o exterior foi um acinte à cultura brasileira.
    Na época em que um argentino comprou o quadro por meros um milhão de
    dólares, não sei onde estavam os nossos ministros da cultura petistas ou
    esquerdistas que não fizeram nenhum movimento e
    não tomaram nenhuma providência ou iniciativa de modo a conservar
    no nosso país , um simbolo da arte brasileira.
    A credito que HOJE , os argentinos não venderiam esse quadro famoso nem por
    10 ou mesmo 20 milhões de dólares.
    Acredito que os argentinos somente venderiam esse quadro através
    de um leilão internacional que saberia valorizar o quadro.
    A onde estão os milionários brasileiros ? O Brasil só serve para
    enriquecer e não são capazes de dar nada em troca.
    Já tivemos brasileiros peitudos e grandes empreendedores como
    o famoso ASSIS CHATEAUBRIAND. Esse sim tinha peito e graças principalmente a ele temos hoje o grande museu do MASP em São Paulo com obras
    de grandes pintores internacionais e cotados com prestigio em todo mundo.

    • D. Matt Cícero, Berto

      MRA
      MOVIMENTO DE REPATRIAÇÃO DO ABAPORU

      Você diz que “O Brasil deixar que uma obra de arte raríssima e louvada internacionalmente fosse para o exterior foi um acinte à cultura brasileira”.

      E estás coberto de razão. Não apareceu um brasileiro disposto e em condições de impedir isto. Mas, disseste “O Brasil” e não um ricaço qualquer. Querendo ou não você se referiu ao Governo Brasileiro e responsabilizou-o por este deslize, este pecado capital contra a cultura brasileira.

      Estou de pleno. acordo. Se vamos culpar alguém, tem que ser o dono, quem banca, promove, administra a cultura.

      Sua visão fez eclodir um “movimento”, que poderíamos lançá-lo aqui no JBF, contando não só com a aquiescência do Berto, mas com seu envolvimento. Acredito que podemos contar também com, Cícero, e posso convidar o nobre colunista José Paulo Cavalcanti para assessorar legalmente o MRA e providenciar os apetrechos jurídicos que forem necessários à empreitada.

      Atravessamos um momento crucial e propício ao sucesso da empreitada; visto sob diversos aspectos:

      1- Estamos em consonância com o momento político. O MRA é um movimento “conservador”; quer preservar e promover as qualidades de seu povo; mostrar, exibir o que é seu; exaltar a nacionalidade…

      2- O Governo criou o lema, fartamente publicitado, “Brasil acima de tudo”. Pois bem, o resgate do Abaporu representa isto. Um País que pode deter sua Arte em seu território

      3- Neste exato momento, a Cultura passa por um grande perrengue. Perdeu o status de Ministério e tornou-se uma secretaria, que chegou a ser comandada por um filhote de Goebels. Agora passa por uma reformulação sob a direção de uma artista bem intencionada, disposta a apaziguar o mundo das artes e cultura. Abraçar esta “causa”, a repatriação da obra, seria uma ótima bandeira que poderiam levantar.

      3- A Argentina atravessa uma crise econômica tamanha, que pode fazer com que o preço do quadro baixe para bem menos do que o estipulado nos leilões internacionais Ou seja, o momento é agora; é oportuno em todos os sentidos para termos de volta o Abaporu .

      Façamos um Abaixo-Assinado, com apoio do Governo, instituições e empresas para trazer o Abaporu para o MASP, a casa de Tarsila;, a nossa casa de cutura, aberta a visitação de todo mundo.

      Um abraço a todos

      Brito .
      .
      , .

  6. Esse foi o melhor de todos. Tarcila do Amaral, espírita, esquerda e ex de muitos artistas e intelectuais. Certamente uma mulher especial 😉

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