JOSÉ DOMINGOS BRITO - MEMORIAL

Leolinda Figueiredo Daltro nasceu em Salvador, BA, em 14/7/1859. Professora, escritora, política, indigenista, pioneira na luta pela emancipação das mulheres com direito ao voto e pioneira no reconhecimento do indígena como elemento constituinte da nação e sua integração na sociedade. Atuou na fundação do PRF-Partido Republicano Feminista e batalhou por um sistema de alfabetização laica dirigido aos índios. Era uma “antropóloga amadora”.

Casou-se ainda jovem, teve 2 filhos, mas logo separou-se do marido e pasou a estudar a fim se tornar professora. Aos 24 anos, casou-se de novo, teve mais 3 filhos e mudou-se para o Rio de Janeiro. Pouco depois separou-se de novo ou ficou viúva, não se sabe ao certo. Porém, sabe-se que criou os filhos sozinha na condição de professora. No Rio, tornou-se próxima de Quintino Bocaiúva e amiga pessoal de Orsina da Fonseca, esposa do presidente Hermes da Fonseca.

Como professora, passou a se interessar pelos índios e defendia sua incorporação à sociedade através da alfabetização laica. Em 1896 iniciou um ambicioso projeto de percorrer o País levando suas ideias. Deixou os filhos com parentes e partiu em direção à São Paulo, onde encontrou, inclusive apoio financeiro, da elite paulista: a família Prado. Prosseguiu viagem até o Triângulo Mineiro e seguiu para os sertões de Goiás, chegando até o Maranhão e Pará. Em 1902, procurou o Instituto Histórico Brasileiro, de Goiás, para propor a criação de uma associação civil de amparo aos indígenas, mas foi impedida de participar da reunião sob a alegação de que era mulher.

De volta ao Rio de Janeiro, fundou o Grêmio Patriótico Leolinda Daltro, para defender a catequisação dos índios sem a interferência da Igreja. Com esta “bandeira”, passou a participar cde movimentos cívicos, ganhou notoriedade na imprensa e o tema dividia a opinião pública. Nessa época foi muito criticada e rdicularizada com suas ideias referentes à educação indígena. De qualquer modo, o Governo criou o Serviço de Proteção ao Índio-SPI, em 1910, mas ela não foi convidada para a cerimônia de fundação. Mesmo assim, ela comemorou esta pequena vitória no cuidado com os índios.

A partir daí passou a lutar pela conquista do direito ao voto da mulher e requereu seu alistamento eleitoral. Coma a recusa do pedido, fundou em 1910 o Partido Republicano Feminino para integrar as mulheres no movimento sufragista. Para isso contou com a participação da poeta Gilka Machado e colaboração de sua amiga, a primeira dama Orsina da Fonseca. Lembremos que o movimento sufragista das mulheres só tomou corpo 12 anos depois com Bertha Lutz e a criação da FBPF-Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, e que o direito ao voto das mulheres (alfabetizadas e assalariadas) deu-se apenas em 1932, com o governo Vargas, e que o direito ao voto de todas as pessoas alfabetizadas e maiores de 18 anos, deu-se apenas em 1946.

Com sua experiência de professora, assumiu a direção da “Escola de Ciências, Artes e Profissões Orsina da Fonseca” e passou a atuar junto com as amigas Gilka e Orsina em defesa da igualdade entre os sexos, contando com apoio de alguns intelectuais, entre estes o famoso jornalista Carlos de Laet. Em 1919, lançou-se candidata à Intendência Municipal (atual prefeito) numa campanha simbólica argumentando: “Como mulher que sou, com um sentido superior de altruísmo, tenho me preocupado com a necessidade de minorar o sofrimento humano e de se atingir uma melhor distribuição da Justiça.” No ano seguinte registrou suas andanças pelos sertões e experiências com os índios e publicou o livro Da catequese dos índios do Brasil (notícias e documentos para a história) 1896-1911 pela tipografia da Escola Orsina da Fonseca. Em 1911, João do Rio publicou uma crônica citando sua coragem: “O Brazil é dos índios. E tanto o Brazil é dos índios, que, ao pensar em symbolizar o Brazil, logo os desenhistas pintam um jovem índio de casaca, claque alto e tanga emplumada… Como nunca tive a coragem civilisadora da professora Daltro, só consigo aproximar-me dos authenticos proprietários deste paiz quando por cá aparece alguma caravana de sujeitos de nariz esborrachado, a pedir ao Papae Grande instrumentos agrários. Essas caravanas são conduzidas por jesuítas dedicados”.

Mais tarde ela declarou que estava feliz e que podia morrer vitoriosa na luta pela emancipação política da mulher pelo fato de alcançarem o direito ao voto em 1932. Com mais de 70 anos, ainda participou da luta feminista na década de 1930, integrando a “Aliança Nacional de Mulheres” e veio a falecer num acidente de automóvel em 4/5/1935. A revista “Mulher”, da FBPF noticiou que “teve ela que lutar contra a pior das armas de que se serviam os adversários da mulher: o ridículo. Talvez isto a houvesse magoado profundamente tanto que se afastou das lides feministas. Mas a sua obra patriótica não parou aí: dedicou-se à obra da alfabetização no meio desses milhões de analfabetos, nela consumindo a sua velhice”.

Em junho de 1935, a revista “Ilustração Brasileira” também publicou seu necrológio. A lembrança de seu legado e a merecida honra que lhe foi atribuída muito mais tarde, em 2003, quando a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro aprovou a Resolução nº 233, instituindo o “Diploma Mulher Cidadã Leolinda de Figueiredo Daltro”, outorgado todo ano a 10 mulheres por seu destaque na vida pública e na defesa dos direitos femininos. Procurei alguma biografia sua na Internet e não encontrei. Achei apenas alguns estudos acadêmicos, dissertações e teses sobre sua vida e legado e outros verbetes que me ajudaram a compor esta síntese biográfica. Infelizmente ainda não despertou o interesse das feministas ou historiadores numa biografia mais completa.

8 pensou em “AS BRASILEIRAS: Leolinda Daltro

  1. Pois é Mestre, razões para isso não faltam. Afinal trata-se da comemoração simultânea do centenário do modernismo e do bicentenário da Independência.
    Grato pelo estímulo, digo, empurrão.

  2. Como sempre, caro professor, recebemos aulas dominicais que oferecem detalhes quase ocultos de figuras que se sobressairam em nossa História, agora ampliadas pelo prestígio de sua notável coluna.

    Meu Brito, receba aquele abração.

    Carlos Eduardo

  3. Carlão
    Receba meu redobrado abraço e grato pelos efusivos elogios à esta simplória contribuição ao conhecimento do genuíno povo brasileiro.

    Você é um cabra bom, como se diz por aí no meu Nordeste.

  4. Caro Brito,

    Excelente explanação de Leolinda Daltro, a grande professora que era uma revolucionária àquele época.

    Impressionante como as mulheres tinham um espírito de luta, ocupando o espaço de professora, mãe e visionária.

    Essas mulheres lutaram por um país mais digno. Por isso merecem nossos louvores.

    Meus parabéns!

  5. Cícero
    “Descobri” um dado relevantíssimo para comemorarmos neste ano o Centenário do Feminismo no Brasil. Não vejo menção alguma sobre esta importante efeméride neste ano de 2022.
    Faça-se muito sobre o centenário da modernidade (Semana de Arte Moderna de 1922) e sobre o Bicentenário da Independência. Mas ninguém fala que em 1922 deu-se a fundação da FBPF-Federação Brasileira do Progresso Feminino, cuja protagonista foi Bertha Lutz, que já foi nossa homenageada em 2019.
    Pois bem, Leolinda Daltro é parte dessa história anos antes de dona Bertha. Ela foi uma da precursoras do feminismo entre nós.
    Vamos festejar este centenário. Conto com sua participação

  6. Cara Miriam

    Um depoimento como este, vindo de uma historiadora, me enche de alegria e estímulo para continuar o garimpo na feitura do Memorial, que não é só do Centenário da Modernidade e do
    bicentenário da Independência do Brasil. É também do Centenário do Feminismo no País, com a fundação da FBPF-Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, fundada em 1922.

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