JOSÉ RAMOS - ENXUGANDOGELO

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Sempre gostei de “suspense”. Li não sei quantos livros de Agatha Christie, e fiz do detetive Hércule Poirot um dos meus ídolos em quase todos os romances da escritora. Por gostar da forma como ele investiga as ações e as suspeições, sem correr riscos e sem desconfiar de ninguém, mas, suspeitando de todos ao mesmo tempo. Claro que o mérito é da criação da Agatha.

Nos anos 60/70 eu trocava qualquer ocupação para ver um filme de Alfred Hitchcock – para mim, o mestre do suspense. Vi várias vezes o filme “Cortina Rasgada”, dirigido pelo Hitchcock, e pouco me importo se alguns especialistas tecem críticas à fita. À mim, me bastava o suspense que provocava.

A cena da fuga num ônibus eu acho genial, pelo suspense que causa a cada momento que o veículo se aproxima de “uma barreira policial”.

Protagonistas do filme Cortina Rasgada

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Um jogo de futebol entre dois clubes considerados grandes (da elite), foi realizado numa tarde de domingo. Digamos, um Fluminense x Flamengo. Apelidado popularmente de Fla x Flu.

Durante uma semana inteira, os dois elencos treinaram em preparativos finais para a programada decisão da tarde dominical. Lances de real perigo para ambos os lados, mas a má pontaria dos jogadores na hora das conclusões em gol, nunca tiveram êxito. O jogo terminou sem gols. 0 a 0.

A decisão vai acontecer na tarde do próximo domingo, podendo acontecer até depois da cobranças de cinco penalidades máximas para cada equipe, caso o jogo termine sem vencedor no tempo normal.

Os elencos folgaram na segunda-feira. Se reapresentaram na manhã da terça-feira, para o reinício dos treinamentos com vistas à decisão. Treinos em dois expedientes. Repetem na quarta-feira, novamente em dois períodos. Na quinta-feira, apenas no período da tarde e, na sexta-feira, novamente em dois períodos, sendo que, na parte da tarde, o “treino apronto” para o jogo da tarde de domingo.

Concentração em hotéis de luxo a partir da noite de sexta-feira e descanso total durante o dia de sábado. Na manhã de domingo, após o café da manhã, a preleção do Técnico e a preparação psicológica. Revisão médica. Todos estão aptos para entrar em campo em busca do resultado que lhes garanta a vitória e o título. Mais uma chance para o título – que pode ser a “última chance” para alguns veteranos que já pensam em aposentadoria.

Lances de perigo para as duas defesas. Ninguém marca gol, graças aos bons desempenhos dos goleiros. Tempo normal esgotado. Mais 30 minutos de prorrogação. Mais 3 minutos de acréscimo. O placar não é movimentado e a decisão será através da cobrança de penalidades máximas. Cinco cobranças para cada time.

O time de uniforme branco converteu quatro cobranças e desperdiçou uma. O time de uniforme vermelho desperdiçou a primeira cobrança e o capitão vai cobrar a quinta e última penalidade. Se converter, garante o empate e a continuação das cobranças.

Jogador se prepara para cobrar a quinta penalidade

Tudo pronto. Estádio em silêncio e os torcedores do time de vermelho, contritos, rogam à Deus pelo acerto do batedor. É a última chance depois de dois jogos difíceis, muito disputados e duas semanas de treinamentos intensivos.

O árbitro autoriza a cobrança. O goleiro adversário “catimba” e se movimenta de um lado para outro. O capitão toma distância. Parte para a bola e desfere um verdadeiro petardo. A bola vai de encontro ao travessão vertical e se oferece para a defesa do goleiro. Era a última chance. Foi desperdiçada e o título fica para o time de uniforme branco.

Às vezes, aquela que parece ser apenas a primeira chance, poderá ter sido a última. A tensão vivida durante as duas semanas de preparativos não poderia ter sido desconsiderada.

Era aquela a última chance.

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A tensão se torna cada vez maior. A deflagração da guerra pode acontecer a qualquer minuto, até com um sorriso. Desde que seja entendido como irônico.

Os homens nunca se entendem, por um único motivo. Eles decidem pela guerra, mas não vão ao “front” nem pegam em armas. São medrosos e muito inteligentes para isso – decidem a guerra mas não guerreiam.

As embaixadas representativas recebem orientação para que todos os cidadãos civis que vivem na cidade motivo da “briga” deixem tudo que lhe pertence por conquista e saiam dali sem demora. A tensão cresce mais ainda. A Embaixada não tem condições de atender a todos. Não há transporte aéreo. Foi tudo embargado pela possibilidade de bombardeio aéreo. Melhor não arriscar.

Naquele dia, só o transporte ferroviário será possível. O comboio único tem saída marcada para as 13 horas. Seis vagões e pelo menos 30 mil fugitivos que, em poucos minutos serão refugiados – vão para outra cidade, provavelmente onde será possível embarcar em voo aéreo.

Como transportar 30 mil fugitivos em seis vagões?

Trem descarrilhado no transporte de fugitivos

Para muitos entre os 30 mil, aquela será a “última chance”. Não há como correr o risco de desperdiçá-la. Todos se dirigem à gare e a algazarra entre mulheres e crianças é muito grande.

O trem está chegando. Empurrões. Pisoteamento. Choro de crianças e lamento de idosos. As portas dos vagões se abrem e, por onde entram apenas duas pessoas, duzentos lutam para entrar. Alguns esquecem que conduzem crianças e, quando lembram, voltam para apanhá-las. Em fração de segundos os vagões estão superlotados.

Ninguém quer perder aquela que pode ser a “última chance”.

O trem dá sinal de partida. Não há tempo a perder, pois a viagem até a fronteira será longa e perigosa por conta da possibilidade de bombas.

As portas se fecham e, com certeza, dos mais de 30 mil que se aglomeravam, pouco mais de 3 mil conseguiram embarcar, aproveitando aquela que, com certeza será a última chance de sair daquele inferno.

A noite chega. Tudo escuro e a via férrea iluminada apenas pelo farol do trem. A linha férrea fora atingida por uma bomba e o comboio com seis vagões sofre um pavoroso acidente. Incontáveis os óbitos.

Seria aquela fuga, a “última chance”?

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