CORRESPONDÊNCIA RECEBIDA

Meu caríssimo Berto

Lendo suas recordações de encontros, que devem ter sido memoráveis, com o Orlando Tejo e sua verve, encontro citações várias de suas pelejas com o vate, em torno de um tabuleiro de gamão, menções estas que me fazem recordar um acontecido por cá, nesta véia e combalida Paraíba de guerra, envolvendo uma alta autoridade policialesca conterrânea, alguns estudantes sem-vergonha nas caras e um “investigadô” de polícia, recém transferido para, talvez, mais importante delegacia de polícia que tínhamos em nossa Capital, naqueles tempos – a Delegacia de Investigações e Capturas.

Situada em uma das mais importantes ruas da cidade, naqueles tempos – a rua Duque de Caxias, era próxima da sede social do Esporte Clube Cabo Branco, onde, como era prática naqueles tempos, reunia-se a “jeunesse dorèe” e as nem tanto, médicos, procuradores e ocupantes de boas posições nas repartições públicas sediadas nas cercanias para, fugindo das suas obrigações “trabalhistas” conviver um dolcefarniente permissivo, que ia do cafezinho ao jogo de sinuca ou gamão, este tendo como uma de suas estrelas o delegado titular da unidade policial já mencionada, Dr. Ivan Pereira de Oliveira, conhecido nas rodas pagãs por Ivan Palé.

Era sua prática, passar na especializada logo no início do expediente – só à tarde, pois afinal ninguém é de ferro para trabalhar tanto, como dizia Ascenso, onde no seu longo afazer assinava a documentação de praxe – ofícios, relatórios, laudos e outros mais, que dois diligentes acadêmicos de Direito, contratados como Escreventes, preparavam e logo se dirigia ao seu salão imperial, onde pontificava no gamão.

Certo dia, aproveitando a chegada desse novo investigado, transferido do alto sertão para a Capital, graças à sua eficiência investigatória servindo a um político de peso, esses gaiatos prepararam um mandado de prisão contra o Advogado Ivan Pereira de Oliveira, vulgo “Ivan Palé”, acusado de lenocínio e proxetenismo e enfiaram esse documento no meio do expediente a ser assinado, o que foi feito, sem dúvidas algumas.

Cumprida a missão escrevinhatória, o Dr. Ivan dirigiu-se ao seu escritório social, para cumprir o agradável desiderato de massacrar seus oponentes em um tabuleiro, como era seu fazer.

Os eficientes escrivães, deixaram passar algum tempo e chamaram então o “sêo” Biu e o mandaram então cumprir o mandado. Como ele era novo na cidade, foram-lhe dadas as instruções adequadas de como agir, inclusive quanto o momento, que segundo os escrivães, seria adequado ali naquele clube, onde o criminoso passava as tardes exibindo seu desdém e poder, que lhes permitiam fazer pouco da polícia.

Dada a ordem, lá sai o “sêo” Biu, com o tresoitão na cintura, para cumpri-la.

Lá chegando, foi logo perguntando ao porteiro se o tal de Dr. Ivan estava por ali.

Suspeitando de alguma trêta, pois já conhecia o rebanho, o porteiro apontou para o indicado e autorizou o cumprimento da missão, subrepticiamente, avisando aos muitos outros da galera que estava em curso uma mutreta, coisa muito comum naquele ambiente..

Com toda a empáfia de sua autoridade, “sêo” Biu aproximou-se do criminoso, bateu em seu ombro e bradou: “O sinhô é o doutô Ivan Pereira de Oliveira?”

Sim, respondeu Ivan.

“Sêo” Biu retruca, exibindo o mandado: “o sinhô está preso. Me acompanhe”.

Ivan pegando o documento, lê, e brada, em tom que todo o salão do clube ouviu:

“Oxente, eu não assinei isto não!”

Segundo os presentes, “sêo” Biu, mesmo com o indigitado se identificando como o signatário daquela ordem, exigiu e o levou até à Delegacia, para desmanchar o “imbróglio”.

E, Ivan entrou na história do Esporte Clube Cabo Branco e em alguns anais da imprensa policial como o delegado que mandou prender a si mesmo.

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