DEU NO JORNAL

Roberto Motta

Uma fumaça toma conta do país. Ela dificulta a respiração, turva a visão e torna impossível enxergar o futuro. A fumaça não vem das florestas. É o Direito que queima.

Não sou jurista. Sou engenheiro e jornalista. Sou também cidadão, eleitor, pagador de impostos e responsável por uma família. Minha profissão exige que eu entenda e explique o que acontece. Nunca foi tão difícil.

Peço a ajuda de amigos juristas. Tenho muitos, em escritórios de advocacia, na Magistratura, no Ministério Público e em universidades. Eles, generosamente, tentam ajudar. Vou resumir o que entendo, como cidadão.

A ordem jurídica não pode ser um conjunto de regras aleatórias e desconectadas, criadas por diferentes pessoas em diferentes momentos, cada regra presa ao contexto político, ideológico e econômico de sua época.

A ordem jurídica deveria ser a sistematização de princípios naturais, de regras observáveis que regem nosso comportamento pessoal e social, e que foram determinadas originalmente por nosso Criador. É tarefa difícil e imprecisa identificar essas regras naturais e codificá-las em leis e regulamentos.

Esse modo de pensar o Direito se chama jusnaturalismo. Segundo essa visão, leis não devem ser uma criação artificial e voluntariosa, mas a formalização dos princípios da nossa natureza, como definida pelo Criador. Exemplos dessas regras, encontráveis em quase todas as culturas, são a proibição do assassinato, o respeito à propriedade privada e a instituição do casamento.

O oposto disso é o juspositivismo ou positivismo jurídico, a absurda ideia de que alguns iluminados devem ter o poder de criar regras arbitrárias, sem coerência, sem lógica e muitas vezes contrárias às leis naturais, às quais todos nós devemos obedecer simplesmente porque são leis criadas pelo Estado.

Mas uma lei que exige da propriedade uma “função social”, sob pena de confisco pelo Estado, não se sobrepõe ao direito natural à propriedade. Uma lei que dá liberdade a assassinos não torna o homicídio menos hediondo. Legislação que trata indivíduos de formas diferentes – melhor ou pior – de acordo com sua etnia ou gênero fere o princípio da igualdade diante de Deus e da lei.

O positivismo jurídico, anabolizado pelo ativismo judicial, saiu de controle. Magistrados, insatisfeitos com seu papel de julgar a aplicação das leis, passaram a produzir legislação. Qualquer desejo volátil, obsessão ideológica ou rancor íntimo pode ser instantaneamente transformado em leis aplicáveis a milhões de pessoas. São leis que podem voltar no tempo, começando a valer anos antes de sua concepção, ou ser ligadas e desligadas, como se fossem a luz de um salão, para que interesses sejam momentaneamente atendidos. Ordens judiciais são emitidas em segredo e divulgá-las se torna um novo crime. Formalidades antes consideradas essenciais, sem as quais processos seríssimos foram jogados na lata do lixo, agora são ignoradas.

O positivismo jurídico invade a vida pública e privada. Ninguém se sente seguro. Liberdade, propriedade e vida dependem do humor do dia. Foi reinstituído o crime de lesa-majestade. Sonham com a volta de jagunços.

Queima o Direito. A fumaça sufoca.

Agora tentam transformar policiamento em questão jurídica. Em breve, cada policial precisará manter ao seu lado um advogado, para certificar-se de que não está violando alguma das infinitas leis e regras, reais ou imaginárias, criadas para preservar o direito sagrado que os criminosos têm de cometer crimes.

Nesse incêndio assombroso viraram cinzas o devido processo legal, o princípio do juiz natural, a inércia do Judiciário, a independência do Ministério Público, a separação dos poderes, a proibição de censura, o direito à ampla defesa, o princípio fundamental de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer qualquer coisa senão em virtude de lei e aquele que diz que não existe crime sem lei anterior que o defina.

As chamas dessa queimada ardem tão alto que queimaram os satélites da Starlink.

4 pensou em “A FUMAÇA DO MAU DIREITO: POSITIVISMO JURÍDICO SAIU DO CONTROLE

  1. Caro Roberto Motta.

    Sou advogado,e compartilho de sua indignação com o panorama jurídico atual. Inclusive já tive ocasião de manifestar minha opinião aqui neste espaço e em alguns de meus recursos jurídicos. Contudo, peço vênia para discordar, em alguns aspectos, de seu brilhante texto e, desde já, me desculpo caso não tenha entendido seu raciocínio:

    O juspositivismo não é uma ideia, segundo a qual, um grupo de iluminados pode criar, ao seu talante, as regras que vão governar a sociedade, muitas vezes contrariando o direito natural.

    Direito positivo é, tão somente, o assentamento por escrito, em forma de leis, daqueles conceitos oriundos do direito natural ou de situações concretas, já ocorridas, ou em vias de ocorrer.

    Um exemplo: crimes cibernéticos não faziam parte do direito natural ou positivo, até que a evolução tecnológica criou as condições para sua ocorrência. Assim, foi necessário se debruçar sobre esta realidade e criar os meios legais para evitá-los ou puni-los.

    Assim, o direito positivo, ou seja, as leis escritas, são necessárias à qualquer sociedade organizada, pois constituem uma fonte verificável daquilo que se deve fazer ou deixar de fazer.

    Dito isso, convém se lembrar das lições do grande jurista Miguel Reale e sua teoria tridimensional do direito, “fato, valor e norma”. Explicando: após a ocorrência de um fato, faz-se uma valoração, uma análise, daquela ocorrência e a partir das conclusões, cria-se uma lei de modo a coibir ou incentivar sua repetição. Eis aí o cerne da questão: a tal valoração deveria ser feita segundo os ditames da moral, da ética e da justiça. (direito natural).

    O assunto é extenso e não cabe aqui neste espaço de comentário. Quero apenas deixar claro que o grande mal de nosso tempo é o ativismo judicial, que viola as mesmas regras assentadas pelo direito positivo, como, por exemplo, o sistema acusatório e a presunção de inocência.

    De minha parte, tento, como advogado, lutar contra isso, com todos os riscos inerentes.

    Espero ter contribuído, um abraço.

  2. Pingback: O ATIVISMO JUDICIAL É O GRANDE MAL | JORNAL DA BESTA FUBANA

  3. Eu uso suas palavras para me contextualizar como cidadão, apenas acrescento que sou um avô que sente que os netos, daqui a 60 anos, estarão ainda vivendo uma realidade política sem ética e moral semelhante a atual.
    E de direito entendo tanto quanto muitos entendem de liberdade. Mas sei ler e interpretar e comentarei a partir de um fato: excluir alguém das redes sociais.
    Ora, o pressuposto básico é que não existe prisão perpétua em nosso país. Isso até o criminoso mais iletrado sabe.
    Proibir o uso das redes sob risco de punições (qual seria o crime? Igual a punição de um pai por desobediência?) é de tamanho absurdo que é o mesmo que proibir para sempre alguém de escrever cartas porque escreveu uma carta falando da corrupção de uma pessoa ou porque propagou uma fofoca que corre solta na praça da Matriz. E pior, vir junto a proibição de os correios receberem qualquer carta desta pessoa.
    Banir alguém das redes sociais é o mesmo que proibir alguém de beber a partir de algum dia porque cometeu algum ilícito sob efeito do álcool.
    É como se o juiz estivesse decretando sentenças para todos os futuros crimes, quando eu penso que um processo deve sempre ser sobre um fato consumado. Hoje, está normalizado que tentativa já é crime, ou seja, basta pensar para ser punido.
    Fico a pensar na aplicação das normas atuais de certos juizes supremos a artistas famosos que defendem ditaduras, proibindo-os de escrever ou publicar suas obras.
    Que bom seria se a fumaça que cobre o Brasil fosse de fogo que gerasse árvores fortes e flores viçosas, mas parece ser de madeira podre. E quando passar, nada haverá mudado.
    Fico a pensar como se estabelece o valor monetário de uma punição, existe uma tabela no Código Civil? A fumaça perturba a respiração e pode esconder muitos podres.

  4. Pingback: A FUMAÇA | JORNAL DA BESTA FUBANA

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