JOSÉ RAMOS - ENXUGANDOGELO

Milho verde apropriado para a canjica

Começa o mês de junho e a gente já consegue ouvir, longe, os sons das zabumbas, das sanfonas, dos foguetes e dos ensaios das quadrilhas juninas. É a confirmação da tradição cultural de um país que, ainda que enfrentando uma pandemia, ousa se divertir. Mês joanino, de Santo Antônio, São João e São Pedro; e junino dos trinta dias do mês de junho.

No meu Ceará, tradicionalmente e neste ano, a agricultura familiar recebeu a bênção divina das chuvas (muita água em alguns lugares, mas nada que atrapalhe) e tem a colheita assegurada. A fartura. O arroz, o feijão, a mandioca e o milho.

Canjica de milho verde decorada com canela em pó

A primeira colheita do milho preserva e mantém a tradição de uma culinária rica que leva alegria às mesas das famílias dos muitos agricultores. Tão logo a boneca vira sabugo, e a espiga fica completa, vem a primeira colheita – e a garantia do milho cozido ou assado; da pamonha e da canjica.

No próximo sábado, 13, dia consagrado à Santo Antônio, as primeiras fogueiras são acesas e as tradições culturais e folclóricas ganham nova pintura – mas, sempre mantendo a tradição trazida, ensinada e perpetuada pelos nossos antepassados.

Aprendi com os avós que, 17 dias após o “amadurecimento” do milho, as espigas já estão prontas para “virar” – por algum tempo, na posição que brota, a espiga apanha sol, e seca. É chegada a hora de “virar” a espiga para secar na outra posição. É a cultura da roça que nenhuma escola ensina.

Para aprender, tem que viver no meio e sentir prazer em fazer o que faz: pôr alimento na mesa.

Maçã do amor

Quase sempre no início da segunda semana do mês de junho, muitas Igrejas realizam (ou, “realizavam”) seus preparativos para render homenagens ao santo padroeiro. Entre esses preparativos, por tradição, são realizados os folguedos – em Fortaleza e de resto no Ceará, são conhecidos como “quermesses” – que duram cerca de 30 dias.

Os folguedos antigos reuniam os jovens enamorados e aqueles que pretendiam namorar. Os rapazes, roupas simples, mas sempre bem vestidos; as moças, acompanhadas das mães ou tias, primeiro assistiam a Santa Missa. Depois, “ganhavam” uma pequena folga das mães e se permitiam namorar.

Carrossel, roda gigante, tiro ao alvo, laça cigarros, pescaria, eram algumas das diversões apresentadas durante os folguedos, tudo permitido e organizado pela paróquia. Ao final de cada noite, o leilão de prendas domésticas – o “frango assado” ainda era uma grande novidade nos anos 50 e 60. Os valores arrecadados, descontados os custos e as despesas, eram em benefício da paróquia.

A “maçã do amor” era uma tradição. O rapaz juntava dinheiro durante toda a semana, para oferecer, à noite, aquela gostosura à namorada. Os dois mordiam a maçã, juntos. Pena que ainda não existia a “selfie”.

Barraca com vendedora da maçã do amor

Faz tempo que, festança junina que representa tradição e respeito, não pode4m faltar alguns itens como cacho de pitombas, caldo de cana com pastel, pipoca, algodão doce e, principalmente, rolete de cana.

Nos folguedos nordestinos, a cana caiana da qual é feito o rolete, é parte da cultura das coisas importantes. Ainda hoje, a cana de açúcar é uma das maiores riquezas do Brasil, produzindo, entre outras coisas, o açúcar, o metanol e principalmente o álcool.

Desde os primórdios, os engenhos fazem a riqueza de muitos “senhores”, gerando empregos e desenvolvimento. Mas, também de forma tradicional, jamais deixará de existir o trabalho escravo no plantio, no cuidado durante a lavoura e no corte da cana de açúcar.

Cana caiana

Vale registrar que, no caso específico do “rolete de cana”, ele é vendido em vários lugares, incluindo praias, estádios de jogos de futebol e até faz a alegria de crianças em festas de aniversários.

Roletes de cana caiana

9 pensou em “A CANJICA, A MAÇÃ DO AMOR E O ROLETE DE CANA

  1. Boas recordações da minha cidade. Meu pai plantava milho e minha se responsabilizava peja canjica, pela pamonha, etc. Pena que estamos assim: acossados por essa praga.

    • Professor Maurício: mas, precisamos acreditar que isso vai passar. Não há mal que dure para sempre (ainda mais, sendo chinês!) nem bem que nunca acabe.

      • PRA RECORDAR O PASSADO
        EU NÃO FAÇO MAIS APELO
        ZÉ RAMOS NA DOMINGUEIRA
        EU TENHO PRAZER EM VÊ-LO
        TRAZENDO RECORDAÇÃO
        DAS COISAS DO MEU SERTÃO
        E VAI ENXUGANDO GELO

    • Vixe! É de dar água na boca, de lamber os os beiçu, sêo Zé Ramos! Tô aperreado! Minha querida, amada, idolatrada sogra pediu uma grana para ela poder entrar na Academia de Ginástica. Dei o dinheiro? Que nada! Fiz melhor; arrumei um trabalho de servente de pedreiro para a véia, mas na hora da entrevista ela foi reprovada pela idade, em virtude do COVID-19.

      • Danousse siô! Eita lasqueira disgramada, vixe Maria! Logo “Sogra”, que o desconjuramento tem valia de três gerações?! Hômi, se arrume e se avexe prumode arresolver logo isso!

    • Valter, eu também tava pensando assim, visse. E aí butei os miolos pra funcionar e eles me trouxeram uma resposta, que pode inté num ser a de todo mundo, mas é a minha: histeria, como? Se fosse apenas no Brasil, vá lá! Mas lugares evoluídos e limpos (em termos de saneamento básico) como Canadá, Austrália, Finlândia, Escócia – e, lá não tem Bolsonaro, nem Rodrigo Maia, nem Alcolumbre, e muito menos Lula, PT ou STF. E aí eu passei a espiar diferente, principalmente depois que fiquei sem alguns amigos do dia a dia. Histeria é o escambau, visse! Pelos menos os governadores do nordeste brasileiro, não pensam assim. Tanto que querem dinheiro e mais dinheiro. Fui!

  2. Zé Ramos, meus parabéns mais uma vez pela belíssima crônica. Aliás li duma tacada só as tuas últimas dez publicadas! Me enriqueci de histórias da infância interiorana com nossas avós e avôs.

    Estão maravilhosas!

    O estilo de escrever é curioso, né não? Tu contas tuas histórias quase igual às minhas, mas a gente tem estilo próprio, me disse uma fã de nós dois. A empatia e apatia a ciência não explica…

    Fiquei lisonjeado. Agradeci-lhe em nosso nome e lhe disse que continuasse a nos admirar porque o reconhecimento é uma satisfação à alma!

    Forte abraço grande amigo e grande cronista!

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