PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

Capa da 5ª edição de Zé Limeira, O Poeta do Absurdo, da autoria de Orlando Tejo

* * *

No sereno sertão da Palestina
Eu cantava num Dia de Finado
Uma vaca pastava no cercado
Um macaco comia uma menina
Um sargento chegava numa usina
Um moleque zarôi vendia pente
Um cavalo chinês trincava o dente
Uma zebra corria atrás dum frade
Quer saber quanto custa uma saudade
Tenha amor, queira bem e viva ausente.

Minha muié chama Bela
Quando eu vou chegando em casa
O galo canta na brasa,
Cai o texto da panela
Eu fico olhando para ela
Cheio de contentamento
O satanaz num jumento
Pra mordê a Mãe de Deus
Não mordeu ela nem eus
Diz o novo testamento

Eu vi uma gavetinha
Da casa de João Moisés
Mais de cem contos de réis
Só de ovo de galinha
Ela comeu uma tinha
Da carcassa de um jumento
Que bicho má, peçonhento
Lacrau e piôi de cobra
Não pode mais fazer obra,
Diz o novo testamento

Jesus nasceu em Belém,
Conseguiu sair dalí
Passou por Tamataí
Por Guarabira também
Nessa viagem de trem
Foi pará no Entroncamento
Não encontrando aposento
Dormiu na casa do cabo
Jantou cuscus com quiabo
Diz o novo testamento.

Já namorei uma Rosa
Que era nega cangaceira,
Gostava de fazê feira,
Tinha uma boca mimosa
Mas, por modo dessa prosa,
Escrevi pra Santa Rita…
Ronca o pombo na guarita,
Passa um poico no chiqueiro,
Diz o bode do terreiro:
Viva a moça mais bonita

Ainda não tinha visto
Beleza que nem a sua,
De cipó se faz balaio
A beleza continua
Sete-Estrelo, três Maria
Mãe do mato pai da lua

A beleza continua
De cipó se faz balaio
Padre-Nosso, Ave-Maria,
Me pegue senão eu caio
Tá desgraçado o vivente
Que não reza o mês de maio

No samba que nego dança
Tem cheiro de muçambê
Quem nunca viu venha vê
Limeira fazendo trança
Foi lá perto de Esperança
Que eu ví a truba passá
Cai aqui cai acolá
Sargento, cabo e dotô
Canta , canta, cantador
Que teu destino é cantar.

Eu não sei fazer o doce
Mas sei quando ele tá bom,
Moça que bota batom
Pra mim ela já danou-se
Lampião se atrapalhou-se
Ficou pra lá e pra cá,
Foi quando no Ceará
A guerra se arrebentou
Canta, canta, cantador
Que teu destino é cantar.

No tempo do Padre Eterno
Getúlio já governava ,
Prantava feijão e fava
Quando tinha bom inverno…
Naquele tempo moderno
São João viajou pra cá
Dom Pedro correu pra lá
Escanchado num trator
Canta, canta, cantador
Que teu destino é cantar.

A minha póica maluca
Brigou com setenta burro
Deu cento e noventa murro
Na cara de Zé de Duca
Dei-lhe um bofete na nuca
Que derrubei seu chapéu
Vai chegando São Miguel
Montando numa cadela
Escrevi o nome dela
Com o leve do azul do céu.

Eu me chamo Zé Limeira
Cantador do meu sertão
O sino de Salomão
Tocando na laranjeira
Crepusco de fim-de-feira
Museu de São Rafael
O juiz prendeu o réu
Depois fechou a cancela
Escrevi o nome dela
Com o leve do azul do céu.

Quando Abel matou Caim
No Rio Grande do Sul
Deu-lhe um quilo de beiju
Com as beradas de capim
Nisso chegou São Joaquim
Que já vinha do quartel
Cumode prender Abel
Dois pedaços de costela
Escrevi o nome dela
Com o leve do azul do céu.

12 pensou em “ZÉ LIMEIRA, O POETA DO ABSURDO

  1. Lá no Campo das Princesa
    Seu Berto capou um gato
    Pôs os óvo num sapato
    Deu de presente a Xico
    Espalhou-se o fuxico
    Pras bandas da encruzilhada
    Pensaram que fosse piada
    Ou apenas brincadeira
    Xico foi vender ba feira
    As bola presenteada

    Quem comprou foi um doutor
    Um jurista renomado
    Um famoso advogado
    Acadêmico de valor
    Dizem que presenteou
    Uma grande autoridade
    Professor de faculdade
    Chamado de Assuêro
    Que ficou muito cabrêro
    Mas ‘chei’ de felicidade

    Em viagem pra Natal
    Assuero, elegante
    Levou para Violante
    Sua prenda natural
    Deu-se então um temporal
    Que alagou tudo por perto
    O errado ficou certo
    Violante mandou recado
    E num bilhete educado
    Devolveu os óvo a Berto

  2. Esse Xico é fantástico. São poucos que possuem essa magnifica capacidade de criar, interpretar.

    Se Berto botou um ovo
    Valter Portela chocou
    Quando Xico aprovou
    A libertação de Kosovo
    Tinha neve no sertão
    Que Souto fotografou
    Correndo atrás da galinha
    Fugindo por todo canto
    Quem estava era Dalinha
    Conversando com Crisanto

  3. Do ovo que o Valter chocou
    Surgiu um galo bonito
    Parecido com o Carlito
    Logo cedo ele voou
    Antes, porém, fez cocô
    Na cacunda de Crisanto
    Ele danou-se no pranto
    Foi reclamar a Garcia
    Num canto, Guzzo se ria
    Enrolado em seu manto

  4. Com a devida desculpa a todos por ter-me valudo da licenciosidace poética para ‘baboseirar’ meus versinhos, envio meu abraço a Berto, Dr Zé Paulo, Assuero, Violante, Valter Portela, Carlito, Crisanto, Alexandre Garcia e Guzzo.

  5. Xico Bizerra é gênio. Como Zé Limeira. Uma boa parelha. E sob a Batuta de Berto. Tudo certo. Viva. Há braços lisboetas.

  6. Imenso poeta Xico Bizerra, você não imagina a alegria que me deu, ao incluir meu nome nesta glosa engraçadíssima….rsrsrs.
    Grande abraço!

    Mesmo já tendo visto,
    Gato vivo e gato morto,
    Eu juro por Jesus Cristo
    Nunca vi bolas mortas.

    Poeta Xico Bizerra
    é homem que mata e cura.

    A prenda natural
    que Assuero elegante
    levava para Violante,
    diante de um temporal,
    com a força do “vodu”,
    voltou ao lugar de origem,
    como praga de urubu.

    Mas ao abrir o pacote,
    dei um grito de repente.
    Não sabia o que era aquilo.
    Pensei que fosse “vodu”,
    coisa de algum impostor.
    Ou praga de urubu..

    No meio do aguaceiro
    O meu presente sumiu…

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