O artista Charles Bronson
O escritor Fernando de Castro Lobo, (por coincidência pai do grande cantor e compositor Edu Lobo), escreveu notas para um dos meus livros biográficos, uma das quais se tornou, para mim, estrutural. E costumo repeti-la:
Recordar não é querer que o tempo volte. É mais comparar as horas de ontem e achar graça no contraste das comparações. Há qualquer coisa no ar do Recife que distribui um tônico maravilhoso que dá de graça uma longevidade alegre aos pernambucanos como o historiador Carlos Eduardo.
Agora mesmo, vivendo os dias dos meus 88 anos, comprovo que o ar do Recife tem mesmo o gás de encantador saudosismo. Vivi tempos que os jovens de hoje mal podem imaginar.
Como os bancários dos anos 50 poderiam enfrentar as estradas e os ares, sendo responsáveis por sacos enormes, abarrotados de dinheiro? Pois é! Não constava nas leis trabalhistas. Mas acontecia.
Assaltos? Só se via nos filmes de Hollywood. Quando Charles Bronson era um implacável agente da lei.
E como as coisas não eram como hoje, quando um simples toque digital se transfere milhões de um lugar para outro, naqueles tempos os funcionários do Banco do Brasil tinham que acompanhar carregamentos de somas enormes armazenadas em precários sacos de juta, de uma Agência para a outra.
Havia também transporte de numerário em moedas, através de navios, cuja carga chegava até a Agência do Recife conduzida por carroças de tração manual.
Lembro-me que certa vez, para acompanhar o transporte de quatro sacos, fui chamado para uma viagem ao Rio de Janeiro, juntamente com os colegas Marcondes Ferraz e Geraldo de Souza.
Fui orientado por meu chefe, Carlos Emílio Schuler, para só usar o armamento que eu iria portar – um revólver calibre 38 – se houvesse extrema necessidade e mesmo assim, atirando para cima. Fui para a casa preocupado. Agora não portaria uma pistola de brinquedo era um revólver de verdade.
Aos 25 anos, já casado e pai de dois filhos, eu que nunca havia sequer pegado numa arma, vi-me diante da transformação em realidade as minhas brincadeiras de criança, quando me passava por caubói e dava tiros sob o som da boca. Agora seria eu um defensor do dinheiro. A coisa ficara séria!
Na Tesouraria do Banco nos esperava João Pires de Menezes, com os documentos para assinar e receber os revólveres, cartucheiras, as chaves dos cadeados e quatro sacos contendo o dinheiro. Senti-me um Charles Bronson de verdade. Um agente da lei. Tudo agora era “de verdade”.
No aeroporto acompanhamos a pé os carregadores, que num carrinho levaram os sacos para o bagageiro do “Constellation” da Panair do Brasil.
Depois que todos os passageiros embarcaram e a porta de bagagens se fechou entramos no avião. Fomos à cabine para entregar as armas ao Comandante Milcíades, atendendo às normas da Panair.
Senti certo alívio ao me livrar daquela máquina de matar. Mas, ao mesmo tempo, desprotegido. Nosso destino era a Capital da República, nessa época, o Rio de Janeiro. Teríamos bom tempo para conversa.
Sentei-me ao lado de Seu Geraldo e pensei em tudo quanto seria ruim. Eu agora era corresponsável por uma porrada de dinheiro, estava desarmado, ali poderiam estar alguns bandidos disfarçados de “gente boa”, mas portando metralhadoras para nos render. E pensei mais: se desse um defeito no avião os mecânicos estavam lá embaixo.
Mas me lembrei do artista de Hollywood que eu representava nas brincadeirinhas da minha infância. Eu tinha que encarnar, naquele instante, o corajoso astro dos filmes que eu assistia no Cine Eldorado.
Notando meu discreto nervosismo, Seu Geraldo começou a conversar para me relaxar e indagou:
– Carlinhos, você já atirou alguma vez?
– Já Seu Geraldo! Mas, eu era criança, representava Charles Bronson, os tiros eram “de boca” e o revólver de madeira.

Nos dias atuais, nem se defender o cidadão pode, e
os bandidos estão no poder.