FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES - SEM OXENTES NEM MAIS OU MENOS

De uma amiga carioca recebi, semana passada, pelos correios, um presente cultural dezoito quilates: a REVISTA BRASILEIRA da Academia Brasileira de Letras, Ano II, No.116, julho/setembro de 2023. Excelentemente editada, o número trouxe alguns textos que, de bate pronto, chamou logo a minha atenção. E o primeiro deles foi o do fubânico imortal pernambucano José Paulo Cavalcanti Filho, com reflexões sobre Cantorias, a merecer nota máxima, se possível acima de 10. O primeiro item do seu estudo merece ser neste JBF reproduzido, com as devidas bênçãos do Luiz Berto, comandante geral fubânico:

“Nenhum personagem representa melhor o Nordeste. O cantador é seu rosto e sua voz. A resistência, a cultura (levemente inculta), a astúcia – que, segundo mestre Ariano Suassuna, é a ‘coragem dos pobres’. Para Carlos Drummond de Andrade ‘o verdadeiro profissional de poesia, no Brasil, é o poeta popular’. Sílvio Romero, fundador da Academia Brasileira de Letras, foi mais longe. Comparando a poesia clássica de seu tempo a ‘banho morno em bacia com sabonete simples e esponja’, enquanto dos cantadores é ‘água farta, rio que corre, mar que estronda’. E num discurso que lá fez em 1913, ‘Se vocês querem poesia, mas poesia de verdade, entrem no povo, metam-se por aí, por esses rincões, passem uma noite no rancho, à beira do fogo, entre violeiros, ouvindo trovas de desafio’”.

E o notável jurista pernambucano, um para lá de especialista na vida e obra do poeta luso Fernando Pessoa, de nome completo Fernando Antônio Nogueira Pessoa, com seus trocentos heterônimos, termina sua análise citando o cearense Geraldo Amâncio Pereira, de Cedro-CE, que opinou sobre a relação entre a ciência do Brasil oficial e os cantadores de nossa região:

“O mundo se encontra bastante avançado
A ciência alcança progresso sem soma
Na grande pesquisa que fez no genoma
Todo corpo humano já foi mapeado.
No mapeamento foi tudo contado
Oitenta mil genes se pode contar.
A ciência faz chover e molhar
Faz clone de ovelha, faz cópia completa
Duvido a ciência fazer um poeta
Cantando galopes na beira do mar.”

E o sempre estimado Zé Paulinho termina seu texto dizendo: “Eu também duvido.”

E me vi extasiado exclamando: E quem é doido para não duvidar?

O segundo texto me fez compreender mais significativamente o existencial de todo pensante conscientemente solidário com os anseios sociais planetários. É de de um biólogo e jornalista moçambicano nascido na Beira. em 1955, autor de muitos livros esplendidamente sedutores, de prosa arretada e poesia de fôlego: Mia Couto. Seu texto Escrever tem um porquê? merece ser lido em todas as salas de aula do Ensino Médio brasileiro, favorecendo uma enxergância binoculizadora para todos aqueles que sonham edificar uma boa caminhada escritural pela vida afora. Para quem nunca leu Mia Couto, seus livros foram editados pela Companhia Das Letras, o mais recente, 2023, intitulado AS PEQUENAS DOENÇAS DA ETERNIDADE, ainda não por mim recebido, mas já bastante comentado positivamente nos meios literários.

O último texto por mim lido, que recomendo com entusiasmo, intitula-se O Brasil não cabe no Brazil e é da autoria do Joaquim Falcão, que deixou saudades na Fundação Joaquim Nabuco, quando lá dirigiu uma das suas áreas mais representativas, ele atualmente ocupando a Cadeira 3 da ABL, cujo patrono é Artur de Oliveira. No seu trabalho, ele revela uma opinião da reitora da Sorbonne, Hélène Ahrwweiler, que certa feita nos visitava, sobre se aqui existia racismo: “Considero o Brasil racista. Assim como os Estados Unidos. Mas com uma diferença. A política de superação do racismo do Brasil tem sido a da igualdade através da integração das raças. A dos Estados Unidos, a igualdade através da política que hoje, diríamos, é a das cotas de separação.” E Joaquim Falcão termina seu texto com uma quase profética estratégia social: “A miscigenação no Brasil é um dos caminhos que temos para fazer o elogio das diferenças. E assim sermos todos iguais.”

Os outros textos, eu os deixo para os leitores fubânicos deitarem e rolarem de satisfação intelectual, buscando apoiar iniciativas que possibilitem a divulgação da Revista da Academia Brasileira de Letras em um site específico da Internet, todo mundo tendo acesso sem qualquer ônus. Favorecendo uma inadiável desmediocrização geral de toda nossa gente.

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