Noite no Egito. O céu claro e profundo
Fulgura. A rua é triste. A Lua Cheia
Está sinistra, e sobre a paz do mundo
A alma dos Faraós anda e vagueia.
Os mastins negros vão ladrando à lua…
O Cairo é de uma formosura arcaica.
No ângulo mais recôndito da rua
Passa cantando uma mulher hebraica.
O Egito é sempre assim quando anoitece!
Às vezes, das pirâmides o quedo
E atro perfil, exposto ao luar, parece
Uma sombria interjeição de medo!
Como um contraste àqueles misereres,
Num quiosque em festa a alegre turba grita,
E dentro dançam homens e mulheres
Numa aglomeração cosmopolita.
Tonto do vinho, um saltimbanco da Ásia,
Convulso e roto, no apogeu da fúria,
Executando evoluções de razia
Solta um brado epilético de injúria!
Em derredor duma ampla mesa preta
— Última nota do conúbio infando —
Veem-se dez jogadores de roleta
Fumando, discutindo, conversando.
Resplandece a celeste superfície.
Dorme soturna a natureza sábia…
Embaixo, na mais próxima planície,
Pasta um cavalo esplêndido da Arábia.
Vaga no espaço um silfo solitário.
Troam kinnors! Depois tudo é tranquilo…
Apenas, como um velho stradivário,
Soluça toda a noite a água do Nilo!
Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos, Cruz do Espírito Santo, Paraíba (1884-1914)