Editorial Gazeta do Povo
Os dados mais recentes (de 2018) do Índice Nacional de Alfabetismo Funcional mostravam um país onde quase 30% dos universitários não são capazes de interpretar bem um texto, nem de resolver problemas matemáticos usando porcentagens ou proporções; e onde apenas outros 30% conseguiam elaborar textos complexos ou ler gráficos e tabelas. Qualquer gestor racional, em um país com este perfil, reforçaria conteúdos básicos no ensino médio, de modo a sanar essas deficiências graves nos alunos que saem dessa etapa rumo ao ensino superior. Mas os ideólogos que tomam conta do Ministério da Educação e do Conselho Nacional de Educação podem ser tudo, menos gestores racionais.
Na quinta-feira passada, dia 11, o CNE aprovou uma resolução sobre os itinerários formativos do chamado “Novo Ensino Médio”, aprovado em 2017, no governo Michel Temer, e reformado em 2024, já sob o governo Lula. Os itinerários formativos correspondem a 20% da carga horária – os outros 80% serão preenchidos pelas disciplinas tradicionais – e são de livre escolha do estudante, que opta entre Linguagens e suas Tecnologias, Matemática e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias, Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, e Formação Técnica e Profissional. A ideia dos itinerários formativos é permitir ao aluno aprofundar seus conhecimentos na área que for de seu interesse; mas, em vez de aprofundamento real, esse estudante receberá doses cavalares de “wokismo”, graças à SEB, que elaborou a resolução, e ao CNE, que a aprovou.
Um jovem com inclinação para as ciências exatas, por exemplo, e que escolha Matemática e suas Tecnologias como itinerário formativo, não receberá um aprofundamento em álgebra, trigonometria, funções e conteúdos semelhantes; mas aprenderá como “desenvolver soluções para desafios econômicos, ambientais e culturais, promovendo a equidade e o desenvolvimento sustentável”. Já o estudante que opte por Linguagens e suas Tecnologias, em vez do contato mais forte com os clássicos da literatura brasileira e mundial, ou da formação para ler e escrever textos mais robustos, sairá do ensino médio sabendo tudo sobre como “reconhecer, valorizar e fruir manifestações artísticas, discursivas e culturais como expressões identitárias e históricas […] evidenciando as contribuições de grupos historicamente marginalizados na construção de performances narrativas e das artes, promovendo a diversidade, a equidade e os Direitos Humanos”, sem falar na capacidade de “reconhecer as manifestações da cultura corporal de movimento e os sentidos e significados do corpo humano e das práticas corporais”.
Em resumo, o objetivo não é entregar ao aluno um conhecimento mais aprofundado na área que ele escolheu de acordo com suas aptidões e preferências, e que era a ideia inicial por trás dos itinerários formativos. Os ideólogos a cargo da educação brasileira resolveram que os estudantes passarão um quinto de seu tempo na escola “reconhecendo e atuando para superar as barreiras culturais, econômicas, políticas e sociais que diminuem ou impedem o protagonismo das mulheres, da população negra e quilombola, das populações do campo, das águas e das florestas, dos povos originários, da população LGBTQIAPN+ e das pessoas com deficiência desconstruindo visões machistas, capacitistas, homofóbicas, racistas e eurocêntricas”, como diz o documento.
O resultado? Uma legião de justiceiros sociais que continuará tendo sérias dificuldades para enfrentar uma prova simples de Cálculo I no primeiro semestre da faculdade de Engenharia. Ou, como afirmou nos termos mais diretos possíveis a conselheira Ilona Becskeházy, única a votar contra a resolução, “uma sacanagem”, especialmente para com os estudantes mais pobres. Isso porque os colégios particulares de elite continuarão proporcionando aos seus alunos aqueles conteúdos necessários para fazer bem a transição entre o ensino médio e o superior; mas o jovem que faz o ensino médio na escola pública, onde professores e diretores estão mais sujeitos à pressão dos escalões superiores da burocracia educacional, terão bloqueado o seu acesso a esses conteúdos, substituídos por ideologia identitária.
Se esses estudantes chegarem à faculdade tendo sido privados do aprofundamento a que tinham direito quando escolheram determinado itinerário formativo, encontrarão barreiras que podem desestimulá-los e até mesmo levá-los à evasão. E, ao abandonar o ensino superior, eles terão perdido uma grande chance de desenvolvimento pessoal e profissional – não por culpa própria, ou por causa de alguma limitação pessoal intransponível, mas única e exclusivamente graças a militantes encastelados no topo de uma pirâmide decisória, sem comprometimento algum com a educação real.
Trocar conteúdos muito necessários por militância woke no ensino médio é um crime contra a educação daqueles jovens brasileiros que mais precisam de capacitação para proporcionar ascensão social a si mesmos e suas famílias. A sociedade civil não pode assistir inerte a essa demolição de uma oportunidade de reverter parte das mazelas educacionais brasileiras. Entidades e ONGs realmente comprometidas com o ensino de qualidade precisam se manifestar contra este absurdo, mostrando como ele aprofundará um abismo social já existente entre estudantes ricos e pobres. Os representantes da população no Congresso podem dar sua contribuição, já que resoluções do CNE podem ser suspensas por um projeto de decreto legislativo (PDL). E, acima de tudo, o episódio deve servir como alerta para a enorme influência que conselhos sem representatividade popular, escolhidos por panelinhas, têm sobre atividades essenciais, como educação e saúde.