PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

Zé Adalberto glosando o mote:

Pra que tanta riqueza se a pessoa
Nada leva daqui pra sepultura?

Muitas vezes, sozinho, eu pergunto:
Pra que tanta riqueza, se depois
Que o caixão encostar e couber dois
O amigo melhor não quer ir junto?
Pra que cara fragrância se o defunto
Não exige perfume da “natura”?
Mesmo a alma é cheirosa quando é pura
Mas o cheiro do corpo ainda enjoa.
Pra que tanta riqueza se a pessoa
Nada leva daqui pra sepultura?

Pra que casa cercada por muralha?
Se a cova é cercada pelo pranto.
Se pra Deus, todos têm do mesmo tanto
Tanto faz a fortuna ou a migalha.
Pra que roupa de marca, se a mortalha
Não requer estilista na costura?
Se o cadáver que a veste não procura
Nem saber se a costura ficou boa
Pra que tanta riqueza se a pessoa
Nada leva daqui pra sepultura?

Pra que eu me esconder detrás de um pão
Se a miséria não bate em minha porta?
Pra que eu me cansar regando horta
Se amanhã ou depois já é verão
Pra que eu confiar no coração
Sem saber quanto tempo à vida dura
Se a ferida da alma não tem cura
Quando é a ganância que a magoa
Pra que tanta riqueza se a pessoa
Nada leva daqui pra sepultura?

Não sou dono de ônibus nem de trem
Mas enquanto eu puder me locomovo
Pra que eu invejar um carro novo
Se o transporte final nem rodas tem?
Nem me avisa dizendo quando vem
Mas só anda na minha captura
Bem abaixo da sua cobertura
Ele tem quatro asas, mas não voa
Pra que tanta riqueza se a pessoa
Nada leva daqui pra sepultura?

Pra que eu inventar de ser afoito
Se eu não tenho coragem pra vencer?
Pra que eu comprar queijo sem poder
Se na mesa tem pão, ovo e biscoito?
Pra que eu colocar um trinta e oito
Entupido de bala na cintura
Se a razão é a arma mais segura?
Ter sossego é melhor que ter coroa
Pra que tanta riqueza se a pessoa
Nada leva daqui pra sepultura?

Pra que eu toda hora dar balanço
No que tenho ou andar atrás de bingo?
Pra que tanta hora extra no domingo
Se Deus fez esse dia pro descanso?
Pra que eu trabalhar igual boi manso
Se a chibata do dono me tortura?
Pra que eu reclamar da minha altura
Se o que a mão não alcança, Deus me doa?
Pra que tanta riqueza se a pessoa
Nada leva daqui pra sepultura?

Pra que eu com dois olhos na barriga
Se os da cara já são suficientes?
Pra que eu invejar os meus parentes
Se já sei que o retorno é uma intriga?
A formiga que evita ser formiga
Cria asas, se torna tanajura
Cresce a bunda demais, cria gordura
Fica muito pesada e cai à toa
Pra que tanta riqueza se a pessoa
Nada leva daqui pra sepultura?

Deus me dando o arroz e o pilão
È preciso que eu saiba despolpá-lo
Pra depois de cozido eu mastigá-lo
Sem roubar o suor do meu irmão.
Eu confesso que vivo na fartura
Se tiver feijão preto e rapadura
Encho tanto a barriga, chega zoa
Pra que tanta riqueza se a pessoa
Nada leva daqui pra sepultura?

Pra que eu ter mansão no litoral
Se um rancho está bom num pé de serra
Se eu fizer prédio alto aqui na Terra
Lá no Céu, vai faltar material
Meu ensino maior foi o Mobral
Os meus livros têm sido a Escritura.
Pra que eu aprender literatura
Se a palavra de Deus me aperfeiçoa?
Pra que tanta riqueza se a pessoa
Nada leva daqui pra sepultura?

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