VIOLANTE PIMENTEL - CENAS DO CAMINHO

Adriano, meu saudoso irmão, funcionário da Petrobrás, estava morando em Maceió, (Década de 60) e Tereza, a esposa, só tinha a filha Adriane, de seis meses.

Fui com minha mãe e Bernardo meu irmão caçula, de trem, de Nova-Cruz para Recife e lá pegamos um ônibus para Maceió (AL), na ânsia de conhecermos a 1ª neta da minha mãe e minha 1ª sobrinha.

Passamos quinze dias na casa de Adriano e Tereza, para matar a saudade, e curtir a filhinha deles.

Voltamos de ônibus até Recife e ali tomamos o trem de volta para Nova-Cruz. Na altura de João Pessoa, Seu Júlio, um ferroviário amigo de meus pais, seguiu viagem nesse trem e ao nos ver, se dirigiu à minha mãe muito comovido, e falou:

– Que pena, Dona Lia, a velhinha ter morrido!

Surpresa, minha mãe perguntou:

– Quem?

– Dona Júlia, sua sogra! Respondeu o homem.

Ficamos mudas, diante da triste notícia. Seu Júlio se desculpou, ao ver que nós ainda não sabíamos do ocorrido. Dona Júlia era minha avó paterna, a quem eu era muito apegada, a ponto de dormir com ela todas as noites. As casas eram vizinhas. Ela na cama e eu na rede. Meu avô, Seu Bezerra, já havia morrido.

Daí em diante, a viagem foi um mar de lágrimas e tristeza.

Nesse tempo, Nova-Cruz não tinha luz elétrica nem água encanada, e, muito menos, telefone.

Chegamos à Estação Ferroviária por volta das oito horas da noite. Encontramos a nos esperar, Francisco (meu pai) e Eulina (minha tia). Os dois de luto: Meu pai com um fumo preto no bolso da camisa (um quadrado de tecido preto que os homens usavam em sinal de luto), e a minha tia de vestido preto. Há quatro dias, minha avó Júlia havia sido sepultada.

A notícia da morte da minha avó Júlia marcou, para sempre, a alegria da nossa viagem a Maceió. Foi uma noite de tristeza e choro. Toda a alegria que vivemos durante nossa permanência em Maceió, em visita ao meu saudoso irmão Adriano, esposa Tereza e minha sobrinha Adriane, que estava com seis meses, de repente desapareceu.

Sentimos uma pena horrível de não termos participado do funeral da minha querida avó Júlia, que morreu de repente, de um edema pulmonar, aos 73 anos.

Foi um retorno muito triste.

Faça chuva ou faça sol, a cor do luto foi, por muito tempo, a preta. A tradição que perdurou por décadas dizia que, para estar adequado ao contexto fúnebre, a cor preta deveria ser usada nas vestimentas quando alguém morria. Atualmente deixado de lado, mas não completamente, o costume teve início em uma das famílias mais influentes da história – a realeza britânica.

Usamos luto durante seis meses. Mas a saudade permanece até hoje.

Pois bem. Os velórios do Ocidente tem o preto como predominância nos visuais. Embora Holywood ainda pareça tentar preservar esse costume, as vestimentas pretas não são mais o “uniforme dos cemitérios”, principalmente no Brasil. A cor preta é a que mais absorve calor. Permanecer por horas, sob o sol e em um país tropical, é uma tarefa que exige esforço. Somado à tristeza pela perda de um ente querido, o desconforto do luto é imenso.

A história do luto começou com a rainha Vitória, uma das monarcas de maior importância da história do Reino Unido, que viveu de 1819 a 1901. Durante esse tempo, a Inglaterra vivia a difusão do Romantismo, movimento artístico e social que, entre as pautas, defendia a revalorização da estética.

Em 1861, a morte do amado marido da rainha Vitória , o príncipe Albert, surpreendeu o mundo. Com apenas 42 anos, Albert estava doente há duas semanas antes de finalmente dar seu último suspiro. Sua viúva permaneceria no trono por mais cinquenta anos, e sua morte empurrou a rainha para uma dor tão intensa que mudou o curso do mundo. Pelo resto de seu reinado, até 1901, a Inglaterra e muitos outros lugares adotaram práticas funerárias e de morte incomuns, todas influenciadas pelo luto público de Victoria pelo falecido príncipe Albert. Graças à rainha Vitória, a dor e o luto tornaram-se bastante na moda.

Embora a rainha Vitória usasse vestidos de luto pretos pelo resto de sua vida após a morte de Albert, a maioria das pessoas não usava crepe por tanto tempo. No entanto, havia certos protocolos que tinham que ser seguidos para trajes de luto.

6 pensou em “UM FUMO PRETO

  1. Bom dia minha querida Violante. História comovente de família envolta em um ensinamento de história que pouca gente conhece. Sua sabença, tanto da vida, quanto da história me ensina muito.

    Abraços

    • Obrigada pelo comentário gentil, querido cronista Roque Nunes!
      A dor da perda é horrível. Mas cada pessoa reage de um jeito. Há pessoas que abafam sua dor e não conseguem externá-la através de lágrimas. É a pior forma de sofrer. Outras não conseguem segurar o pranto, o que, de certa forma, alivia a dor que consome o coração. A forma de externar os sentimentos varia de pessoa para pessoa. A dor da perda de um ente querido é uma só. Mas Deus dá a todos o consolo necessário, e o Senhor Tempo coloca as coisas no seu devido lugar. Caso contrário, o mundo seria um imenso hospício. Ninguém escapa da dor da perda.

      Um grande abraço e um excelente final de semana, com saúde, alegria e Paz!

  2. Violante,

    Uma crônica impressionante por abordar um tema relativo a morte. O seu corajoso texto descreve a sua dor pela perda da sua avó paterna Dona Julia, a quem era muito aproximada, e conta de forma didática a história do luto.

    A vida é um ciclo e cada uma das suas etapas deve ser compreendida. E saber encarar a morte talvez seja uma das mais complexas. Afinal, o que será que acontece depois? Para quem fica, entender como lidar com a morte é sinônimo de luto, de tristeza e de superação.

    O luto acontece com todos, o que varia é a intensidade com que os sentimentos são vivenciados. Para alguns, o tempo de luto parece eterno, para outros, é apenas mais uma fase da vida que o tempo irá resolver.

    Compartilho com a prezada amiga um poema sobre perdas da escritora, jornalista, professora e pintora Cecília Meireles (1901-1964), considerada uma das mais importantes poetisas do Brasil.

    Assovio

    Ninguém abra a sua porta
    para ver que aconteceu:
    saímos de braço dado,
    a noite escura mais eu.

    Ela não sabe o meu rumo,
    eu não lhe pergunto o seu:
    não posso perder mais nada,
    se o que houve já se perdeu.

    Vou pelo braço da noite,
    levando tudo que é meu:
    — a dor que os homens me deram,
    e a canção que Deus me deu.

    Desejo um final de semana com paz, saúde e essa inspiração de sempre!

    Aristeu

    • Obrigada pelo gratificante comentário, prezado poeta Aristeu!
      Gostei imensamente de suas sábias palavras.
      Obrigada por compartilhar comigo o belíssimo e, ao mesmo tempo, triste poema, da grande escritora, jornalista, poetisa e pintora Cecília Meireles, (1901-1964).

      Desejo a você um final de semana com muita saúde, inspiração, alegria e Paz!

  3. Cara Violante,

    O tema de sua oportuna crônica me leva de volta aos anos de 1930, quando passei uns tempos na casa das irmãs de mamãe, justamente na época em que ocorreu o falecimento de minha avó materna, Maria Cordeiro de Carvalho.

    Menino de 7anos fixei para sempre as imagens do ambiente familiar do casarão da Boa Vista, onde residia a Família. Carvalho. Todas as minhas tias se empenhavam em confeccionar vestidos pretos para a Missa de 7º Dia, em diante.

    Meu tio Sebastião adquiriu uma peça de tecido, que daria para produzir vestidos longos e roupas e casa, para toda a família.

    Como não indaguei, na época, porque era ainda uma criança, fiquei sem entender aquele costume de se manter os parentes mais próximos vestindo roupas pretas até os próximos seis meses, quando o luto ia sendo “aliviado” e se permitia que parte das roupas fossem costurdas com duas cores.

    Porém o luto-fechado demorava um ano completo.

    Um outro fato “sui generis” ficou-me na memória: minha tia Maria, quando enviuvou, ficou vestindo preto até o faleimento.

    Sua crônica, portanto, me foi benéfica porque acrescentou o que eu não sabia e levou-me ao conhecimento histórico das origens do hábito e eu aproveito aquela máximna de Isaac Newton:

    “O que sabemos é uma gota e o que não sabemos é um oceano.”

    Cordialmente,

    Calos Eduardo.

  4. Obrigada pela gentileza do comentário, prezado Escritor Carlos Eduardo Carvalho dos Santos!
    Ninguém escapa da dor da perda. Elas nos marcam como ferro em brasa. E as cicatrizes nos acompanham por toda nossa vida.
    As suas palavras endossaram as minhas e enriqueceram o meu texto.
    Ainda criança, você perdeu sua avó e vivenciou o sofrimento dos seus tios, com a dor da separação. Essas lembranças, guardamos na memória e no coração. E a saudade é eterna!

    Um grande abraço e um final de semana pleno de saúde e Paz!

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