PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

O HOMEM QUE FOI CORNO CINCO VEZES – João Peron de Lima

Essa estória foi verdadeira
Não existe brincadeira
Vou contar todo o caso
Sem um pingo de zoeira
O paraíba que foi corno
Cinco vezes em Cajazeira

Zé Mulato é o seu nome
Não tinha muito dinheiro
Aos vinte anos de idade
Era ainda rapaz solteiro
Mas ganhava seus trocados
Na vida de borracheiro

Mas com o passar do tempo
Veja só o que aconteceu
Pois uma linda morena
Em sua vida apareceu
Zé Mulato perguntou
Tu queres namorar com eu?

A moça disse quero
Me chamo Expedita
Zé Mulato assim disse
Em mim você acredita?
Sobre a terra não existe
Uma mulher mais bonita

E a partir daquele dia
Começaram a namorar
Zé Mulato um dia disse
Vou logo me desgraçar
Perguntei a Expedita
Se comigo quer casar

Zé Mulato assim disse
Estou muito apaixonado
Expedita te amo muito
Quero tu do meu lado
Se não casares comigo
Morrerei enforcado

Expedita disse: eu quero
Nem ao menos me lamento
Vamos marcar a data
Do nosso casamento
Só peço que nós case
Na Igreja de São Bento

Dentro de pouco tempo
Foi no mês de São João
Na Igreja de São Bento
O padre Costa Damião
Abençoou o casamento
Dando completa união

Zé Mulato com Expedita
Numa casa foi morar
Expedita em sua casa
Zé Mulato a trabalhar
Mulher sozinha em casa
Você sabe no que dá

Expedita estava em casa
Apareceu um vendedor
Dizendo moça me compre
Um liquidificador
Tem balde, panela e bacia
Pano de prato e coador

Me desculpe cidadão
Mas não tenho dinheiro
O vendedor disse, pois não
Me dê ao menos um cheiro
Que eu lhe dou de presente
O pau de bater tempero

Vendedor me acredite
Casei com quem me ama
Também não me atolo
Se houver pouca lama
Aumente a mercadoria
E venha pra minha cama

Moça, lhe dou um espelho
Um relógio bom de hora
Um tapete e duas panelas
Gostei muito da senhora
O pau com o rodo e tudo
Só ficam os cocos de fora

Moço tá bom, eu aceito
Pule pela janela
O vendedor quando pulou
Já caiu em cima dela
Expedita disse, cuidado!
Pra não quebrar a panela

Zé Mulato ao chegar
Ficou muito abismado
Com o tanto de coisa
Que a mulher tinha comprado
Expedita sem dinheiro
Zé ficou desconfiado

Expedita você diga
Como foi que tu comprou
Tu não tinha dinheiro
E aonde foi que tu arranjou
Todas as mercadorias
Me diga como pagou

Eu comprei com o dinheiro
Que é bastante perseguido
Ele está localizado
Num local bem escondido
E o troco do dinheiro
Dou sempre a meu marido

Não sei se entendeu tudo
Sei que nada quis falar
O almoço estava pronto
Zé Mulato foi almoçar
Depois da sua refeição
Zé voltou pra trabalhar

Expedita imaginava
Ninguém nada percebeu
Um vizinho fofoqueiro
Viu tudo que se assucedeu
Encontrou Zé no serviço
E contou o que aconteceu

Zé disse sou um corno
Mas dela não vou ter dó
Deu um tapa em Expedita
Uns enforcões no gogó
Jogou no meio da rua
Zé ficou morando só

Novamente foi trabalhar
Na vida de borracheiro
Mas um homem sem mulher
É um viajante sem dinheiro
É uma grande fazenda
Sem existir o vaqueiro

Numa noite Zé Mulato
Foi numa festa na avenida
Nesta festa namorou
Com sua prima Margarida
Zé disse estará no sangue
O grande amor da minha vida?

E a partir daquele dia
Começou um namoro
Margarida lhe dizia
Tu é pra mim um tesouro
No rio sou uma rapariga
No pasto tu és um touro

Zé Mulato falava
A uns amigos que tinha
Em breve vou me juntar
Com Margarida fofinha
O povo dizia: é com milho
Que vivem burro e galinha

Margarida era uma quenga
Bandida e trambiqueira
Embora muito bonita
E bastante interesseira
Foi a pior quenga que deu
Nas ruas da Cajazeira

Amanhã irei lhe perguntar
Se viver comigo aceita
Quando for morar comigo
Talvez ela me respeita
Mas já vai sabendo
Ou cai no pau ou se ajeita

Zé disse Margarida
Queres comigo se juntar?
Margarida disse, quero
Zé eu nasci pra te amar
Então junte as suas coisas
Vamos comigo morar

Menos de quatro meses
Disse não aguento mais
Começou a botar chifre
Com menino, velho e rapaz
Pedro, Paulo e Severino
Seu José, Antonio e Braz

Zé foi pra borracharia
Esqueceu de um pneu
Veio em casa pra pegar
Veja só o que aconteceu
Quando entrou dentro de casa
Viu a mulher com Cirineu

Cirineu deu um pulo
Quase que ia pegando
Pulou pela janela
Caiu no chão embolando
Saiu na rua correndo
Com a calça levantando

A coitada da Margarida
Zé quase que lhe arrasa
Deu uma pisa que ficou
Vermelha como brasa
Deu um chute na bunda
E jogou fora de casa

O que eu fiz de tão ruim
Só recebo castigo
Foram tantas as coisas
Que aconteceram comigo
Minha mulher me traindo
Com meu melhor amigo

Mas de agora pra frente
Eu só vou trabalhar
Não quero mais uma mulher
Em minha vida pra atentar
Vou passar oito meses
Sem com ninguém namorar

Mas um homem sem mulher
É um coração sem destino
São três anos de seca
No sertão nordestino
E a mulher sem coração
Quando aborta um menino

Um certo domingo a tarde
Zé foi para uma praça
Sentou lá numa mesa
E tomava uma cachaça
Uma mulher lhe sorria
Com sorriso cheio de graça

Zé puxou sua cadeira
Sentou bem perto dela
Perguntou qual o seu nome
Ela lhe disse é Estela
Zé disse eu nunca vi
Uma morena tão bela

Nesse momento eu estou
Com a faca, pão e o queijo
Estela disse vamos ver
Mate esse meu desejo
Zé não contou conversa
Em seguida deu-lhe um beijo

Nosso namoro hoje vai
Até que o dia amanheça
Noivaram na segunda
Casaram logo na terça
A lua de mel foi na quarta
Quinta, chifre na cabeça.

Reclamava Zé, dizendo
Ô que azar tão profundo
Mais uma vez tô sendo corno
Em menos de um segundo
Com certeza fui o corno
Mais ligeiro do mundo

Estela ficou sabendo
Que Zé só batia de pau
Triste da que escapava
Ia direto pro hospital
Na sexta-feira a tarde
Estela viajou pra Natal

Agora sim tenho certeza
Se o meu grande Deus quiser
E a sorte não me negar
Enquanto vida eu tiver
Posso viver cem anos
Não fico com uma mulher

Onde estiver a verdade
Derrubando toda mentira
No sertão, quando há seca
Pobre come macambira
Se um homem não quer mulher
De outras formas se vira

Zé Mulato no serviço
Como sempre trabalhando
Por volta das cinco horas
Os pneus remendando
De repente passa na rua
Um viado se rebolando

Zé disse meu Deus do céu
Se ainda estou lembrando
O juramento que eu fiz
Há certo tempo passado
Foi de não querer mulher
Não botei no meio viado

O cidadão me desculpe
Porque vou lhe perguntar
Eu lhe achei tão bonito
Quer comigo namorar?
Se aceita meu convite
Em minha casa vou levar

Borracheiro eu botei fé
Nesse seu assunto bonito
Hoje estou pra namorar
Até mesmo com defunto
Para encurtar a estória
Passaram a morar junto

Zé Mulato foi trabalhar
Bastante despreocupado
Mas quem nasce pra ser corno
Vem com o destino traçado
Um carioca em sua casa
Deu cantada em seu viado

Falava assim o carioca
Vamos comigo embora
Garanto que sua vida
Ligeiro ela melhora
Se quer ir não perca tempo
Se ajeite e vamos embora

Moço vou nesse instante
Odeio aquele borracheiro
Meu homem só vive liso
Não me entrega o dinheiro
E o meu sonho é conhecer
O grande Rio de Janeiro

Quando Zé chegou em casa
O povo deu-lhe a informação
Que o viado com o carioca
Fugiram no caminhão
Não tem nenhum problema
Por isso não fico na mão

O homem sem querer mulher
Veja só o que ele inventa
Zé Mulato foi à feira
Pagou lá cento e cinqüenta
Comprou e trouxe pra casa
Uma franga de jumenta

Muita gente reclamava
As pessoas dizia assim
Zé, cria vergonha na cara
Pegue esse animal e dê fim
Zé Mulato dizia por quê?
A ela só dou milho e capim

No jornal estava escrito
Uma atitude nojenta
Em Cajazeira tem um caso
O povo todo lamenta
Um cidadão vive junto
Com uma pobre jumenta

Um rapaz perguntou a Zé
Se gostava mesmo dela
Se a jumenta era melhor
Do que Graça e Estela
E perguntou se a jumenta
Dava coice na canela

É um animal manso
Comigo nunca foi brabo
Quando chego perto dela
De amor, todo me babo
Quando passo a mão na bunda
Ela já levanta o rabo

Zé estava conversando
À tarde, com um fofoqueiro
De repente vem passando
Por ali um carroceiro
Quem puxava a carroça
Era logo um jegue inteiro

O jumento deu um pulo
A carroça voou de lado
Pulou a cerca de arame
E ficou todo rasgado
Pegou a jumenta do Zé
Subiu e ficou montado

Zé chorava assim dizendo
É triste o meu sofrimento
Até hoje não levei sorte
Em nenhum casamento
Hoje estou sendo corno
Até da porra de um jumento

Quem duvidar do poeta
Pensar que é brincadeira
Se alguém estiver pensando
Que eu converso besteira
Procure Zé e pergunte
Nas ruas de Cajazeira.

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