MARCELO BERTOLUCI - DANDO PITACOS

Difícil imaginar um assunto mais frequente nos dias de hoje que Donald Trump. O novo presidente parece decidido a ter o monopólio dos noticiários. Deixando de lado as opiniões pré-formadas, que são muitas, podemos dizer que até agora Trump tem um grande acerto e um grande erro.

O acerto de Trump é estar acabando com a guerra na Ucrânia. Ainda existe muita gente, incluíndo jornalistas e comentaristas de TV, que acredita (ou finge que acredita) que a história do mundo começou em fevereiro de 2022 e que a guerra começou porque o Putin um dia acordou sem nada para fazer e disse “Sabe de uma coisa? Vou invadir a Ucrânia.”

Os leitores aqui do JBF são mais inteligentes que isso, claro. Eles sabem que esta guerra começou lá em 2010 quando a Ucrânia elegeu o presidente Viktor Yanukovich em uma eleição muito polarizada e que mostrou um país claramente dividido, geograficamente falando, entre os pró-ocidente e os pró-Rússia. Em 2014 uma revolução derrubou Yanukovich e colocou no poder todos os políticos pró-ocidente que haviam sido derrotados nas urnas. Quando uma revolução vence rapidamente, derruba o governo e coloca outro no lugar, isso é um indício claro de que essa “revolução” não tem nada de povo, porque o povo é desorganizado e tende à anarquia.

No caso da Ucrânia, um dos organizadores foi justamente aquele que virou presidente no lugar do deposto Yanukovich: Petro Poroshenko, um típico oligarca bilionário, que disse em uma entrevista ao Washington Post: “Desde o início, eu fui um dos organizadores da revolução. Meu canal de TV, o Channel 5, teve uma participação tremendamente importante.” A revolução se espalhou pelas redes sociais e pelos estudantes universitários, comprovando mais uma vez na história uma frase que Janer Cristaldo gostava de repetir: “A revolução se faz com os jovens. São estúpidos e entusiasmados.”

Os entusiasmados estudantes do oeste da Ucrânia foram vistos com simpatia pela Europa Ocidental e com satisfação pelos políticos da OTAN. Poroshenko virou presidente em uma eleição onde os eleitores do leste do país foram impedidos de votar para evitar que votassem errado. O novo governo pró-europeu apressou-se em romper os compromissos assumidos desde a dissolução da União Soviética e passou a falar em fazer parte da OTAN, ao mesmo tempo em que entrava em atrito com o governo regional da Criméia, que acabou sendo ocupada pelo exército russo.

A Criméia, é bom lembrar, pertence à Rússia desde 1783. Antes disso, foi povoada por tártaros, otomanos, gregos, armênios e polovetsianos, mas nunca por ucranianos. Na Constituição ucraniana de 1996, ela tem o nome oficial de República Autônoma da Criméia. Desde o século 19 a Criméia é um local estratégico para a Rússia, sede de uma importante base naval que dá acesso ao Mar Negro e ao Mediterrâneo. Achar que a Rússia abriria mão da Criméia faz tanto sentido quanto achar que os Estados Unidos poderiam fechar Pearl Harbor e abrir mão do Havaí.

A ocupação da Criméia foi a desculpa para os senhores da guerra repetirem o que já haviam feito na Coréia, Vietnam, Afeganistão, Iraque, Líbia e tantos outros: criar uma guerra em país alheio sacrificando vidas alheias. Nos EUA, os políticos neoconservadores nunca esconderam que o objetivo da guerra era enfraquecer a Rússia militar e economicamente, objetivo que já foi em grande parte alcançado.

Em resumo, essa é hoje uma guerra que nenhum dos lados pode ganhar. Um lado, a Rússia, sofreria uma grave e imprevisível crise política se o enorme custo (econômico e em vidas perdidas) de repente desse em nada. O outro lado, que não é a Ucrânia e sim a OTAN, não pode intensificar mais sua atuação sem perder a desculpa de que está só “ajudando a Ucrânia a se defender”.

Trump está enxergando o óbvio: não há sentido em continuar gastando bilhões para manter uma guerra impossível de ganhar, e é ingênuo acreditar que a Rússia irá desistir dos territórios que conquistou, onde boa parte da população é pró-Rússia. A atual proposta de cessar-fogo deve se transformar em um acordo para parar a guerra do jeito que está. E, como diziam os antigos, “um acordo ruim ainda é melhor que uma guerra boa”.

***

E o erro? O erro, claro, está nessa história maluca de “tarifas”, que é outro nome para imposto. As idéias de Trump se alinham com um “nacionalismo” típico do século 19 (na América Latina, sempre atrasada, há quem pense assim até hoje) que vê em todo país estrangeiro um inimigo e defende o isolamento econômico do país, disfarçado em expressões vazias como “soberania” e “mercado interno”.

As tarifas de importação produzem dois efeitos óbvios, nenhum deles positivo: Em primeiro lugar, reduzem a concorrência, ou seja, permitem aos produtores “protegidos” aumentar seus preços ou diminuir a qualidade de seus produtos, já que o consumidor fica sem opção. O segundo é tirar dinheiro da mão do cidadão e colocar na mão do governo, o que nunca dá um bom resultado. E o discurso de “não estamos taxando o consumidor, estamos taxando as empresas estrangeiras” mão cola mais, especialmente depois da famosa “taxa das blusinhas”.

Além disso, o governo Trump está caindo em uma contradição que costumava acontecer só em países do terceiro mundo (incluindo nós mesmos, claro): o de alegar que as tarifas, além de “proteger o mercado interno”, vão ajudar na política fiscal e ajudarão a baixar impostos – na verdade, já houve comentários sobre “abolir o imposto de renda”. Acontece que tarifas de importação não podem fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Se o objetivo é fechar o mercado, então as importações serão bastante reduzidas e a arrecadação será mínima. Se, ao contrário, a arrecadação das tarifas for significativa, é porque elas não estão cumprindo o papel de reduzir as importações. Na prática, a coisa se resume a trocar um imposto por outro.

Para piorar, estamos em um mundo onde as redes sociais exigem respostas populistas e rápidas dos governantes, e já estamos vendo uma corrida para ver “quem taxa mais”. O Canadá já falou até em cortar a venda de eletricidade para os EUA. Na prática, o que os políticos fazem é dizer “Já que o governo de um outro país está prejudicando os seus cidadãos, nós vamos prejudicar os nossos também.”

No século 19, o grande economista Fréderic Bastiat disse “Quando as mercadorias param de cruzar as fronteiras, os soldados começam.” Tomara que o mundo não chegue a esse ponto.

2 pensou em “TRUMP: UM ERRO E UM ACERTO

  1. Caro Marcelo, quanto ao acerto, na minha opinião, há muitos argumentos corretos, lembrando que a “revolução” da Ucrânia foi financiada pelos Globalistas, junto da USAID americana, UE e OTAN, que enxergaram na mudança uma oportunidade de atingir a Rússia em sua vizinhança.

    Quanto ao erro, os EUA estão caminhando para uma recessão brava, pois neste século lida com um déficit na sua balança de pagamentos que cresce a números assustadores.

    Hoje para um PIB de 20 e tantos tri de dólares, há uma dívida de quase 40. O país paga só de taxa de juros muito mais do que o orçamento da defesa.

    O Brasil é um dos poucos países que tem déficit na Balança comercial com os EUA.

    Quanto à taxas, todos os países que comercializam com os EUA cobram taxas de importação muito maiores que a cobrada pelos americanos, o que fez com que a indústria saísse do país. Trump simplesmente quer equilibrar esta equação.

    O país é altamente dependente de produtos de fora, semi condutores, e terras raras são dois exemplos que atingem o pais e são estratégicos.

    Trump tem uma máquina pública inchada, ineficaz e corrupta, como já está sendo demostrado pelo Musk no seu DODGE.

    Quanto ao protagonismo do Trump, é natural que a maior potência econômica, militar, política e social do mundo volte a dar as cartas depois de governos pífios de Russen Obama e Biden, que foram levados pelo Deep State corrupto e dominado por gente como Soros e Gates.

    • Se tarifas de importação consertassem alguma coisa, todo país seria uma potência, porque todo político vive com comichão de “proteger o mercado”. Aliás, o Brasil seria uma potência, porque desde Dom João VI é um dos países mais fechados do mundo.

      O resultado, como sabemos, foi o contrário. Séculos de “proteção” criaram no Brasil empresários que ficam mais tempo em Brasília bajulando deputados do que em suas empresas trabalhando. (fui diretor de Entidade de Classe por uns dez anos, vi isso pessoalmente)

      Como disse Cowperthwaite, primeiro-ministro de Hong Kong, “Uma indústria pequena, se for protegida, tende a permanecer fraca para sempre, e nunca se torna grande nem eficiente”.

      O déficit dos EUA, como de quase todos os países, não foi causado pela balança comercial, foi causado pelo governo gastar mais do que arrecada. Trump está certo em tentar consertar isso, embora eu ache que ele e Musk poderiam ser menos midiáticos e mais racionais.

      Mas o caso das tarifas só serve para obrigar o povo a pagar mais caro por produtos ruins.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *