CARLOS EDUARDO SANTOS - CRÔNICAS CHEIAS DE GRAÇA

Esta criança, a partir dos cinco anos, ouviu o ruído das sirenas nos treinamentos de combate da II Guerra Mundial, no Recife. Sofreu a angústia de seus pais diante das perspectivas de o conflito se alastrar ainda mais. Estávamos em 1943. Foto Brivaldo Stúdio, Recife.

Sei perfeitamente que o inimigo atual, por ser invisível, é mais apavorante do que aquele com o qual me deparei aos cinco anos de idade, ao conviver com uma difícil guerra psicológica, muito mais preocupante, pois eu mal entendia os porquês da vida, o que é diferente hoje, 80 anos depois.

Lembro-me, sem que pudesse entender, na época, por que meus pais haviam saído de sua casinha nova, na Vila dos Remédios e foram passar certo tempo espremidos na casa de meu tio Sebastião. Ele morava na Av. Manuel Borba, junto ao Hotel Central, prédio que acolhia os oficiais da IV Frota Americana do Pacífico, fundeada no Porto de nossa cidade.

O Hotel Central foi construído a partir de uma iniciativa do empresário greco-suíço, Constantin Sfezzo, sendo inaugurado em 1928. Na época da Guerra já havia deixado de ser prédio de apartamentos para funcionar como hotel. Ficou lotado de oficiais da marinha americana.

D. Alice e Seu Arthur foram para o centro da cidade, a fim de atender ao espírito de família. Previa-se um bombardeio à cidade. Todos deveriam lutar, orando juntos.

O blackout (interrupção total de energia) torar-se-ia uma palavra tão costumeira que até um famoso cantor brasileiro ganhou o novo apelido. O famoso Otávio Henrique de Oliveira, também conhecido como General da Banda, se tornou Blecaute.

A II Guerra Mundial atingira nossas águas territoriais. Vivia-se, para nós brasileiros, na verdade, duas guerras. Uma lá na Itália e a outra, aquela do pavor, atacando os que estavam no Recife e nada tinha a ver com os inimigos do Eixo: Alemanha, Japão e Itália. Uma terminaria em 1945, a outra ficaria para sempre em nossas memórias.

Durante as madrugadas papai sintonizava em Ondas Curtas o velho “Colibri” e ouvíamos Luis Jatobá narrando na BBC de Londres, os bombardeios sobre a Grã Bretanha. Isto jamais me saiu da mente.

Minhas tias compreendiam que a guerra chegara ao Recife. Para o fundo mar já haviam ido 13 navios brasileiros, torpedeados em águas do Nordeste. Fora da Barra, muitos outros encouraçados da marinha americana, permaneciam fundeados para guarnecer nossos portos.

Modelo de Fortaleza Voadora, os B-17, que protegiam nossos navios mercantes, acabando com os ataques dos submarinos alemãs. A guerra no Recife chegara pelo mar

Nessa época estava se iniciando a construção do Hospital de Piedade, a pavimentação da antiga Estrada da Imbiribeira e a remodelação do Aeroporto Militar do Ibura. A nova pista facilitaria os pousos e decolagens das tropas norte-americanas, que iam para Dakar. Recife era o ponto de abastecimento.

A criança que eu era, naquele episódio, não sabia o porquê de tantos homens vestidos de branco, num só edifício. Mas, além daqueles, que eram oficiais, havia os de menor patente, que nos dias de folga inundavam as ruas. buscavam os bares e mulheres.

A guerra chegara. Nossos navios estavam sendo bombardeados por submarinos alemãs mesmo sem Declaração de Guerra. Entre 1942 e 1945 foram a pique os navios: Taubaté, Osório, Lages, Antonico, Buarque, Olinda, Cabedelo, Arabutã, Cairu, Parnaíba, Gonçalves Dias, Alegrete, Paracuri, Pedrinhas, Arara, Apalóide, Brasilóide, Tamandaé, Barbacena e Itagiba, a maioria cargueiros e navios-tanque. Total: 1.081 mortos.

No Recife, soldados do IV Exército Brasileiro participavam de exercícios de combate. Os feixes de luz dos holofotes cruzavam o céu à procura do nada. Os alemãs continuavam chegando pelo ar e sim pelo fundo do mar, utilizando seus infernais submarinos U-85, que atacavam como o atual Covid-19, à socapa.

Quando a sirene era ouvida, ao anoitecer, na casa de minhas tias, sabia-se ser sinal de que todas as casas do Recife deveriam permanecer de luzes apagadas. A Tramways desligava tudo até que terminassem os exercícios de defesa.

A cidade ficava totalmente às escuras. Era algo apavorante ouvir a sirena assobiando e se permanecer sob a luz de velas e candeeiros. Terrível era guerra psicológica.

Os tempos se passaram. Ocorreram apenas o terrível pavor. Mas dos bombardeios o Recife escapou. Relembrando aqueles dias, nada menos que 84 junhos se passaram. Agora adulto, recordo outra guerra psicológica, também silenciosa.

Quando pensávamos que a III Guerra Mundial seria entre países, como sempre se previu, com destruição provocada por bombas de hidrogênio despejadas de aviões não tripulados, eis que nos deparamos com o invisível inimigo.

Agressores sem pátria. Minúsculos vírus que formaram vários exércitos e atacam indistintamente pessoas idosas e jovens e em vários quadrantes do mundo.

Já vivi, também, um terceiro momento apavorante: o boato de que a represa de Tapacurá, a maior de Pernambuco, havia se rompido e iria arrasar o Recife. Foram quatro horas de infernal desembesto e apavoramento. As pessoas enlouquecidas correndo pelas ruas feita baratas tontas. Tragédia psicológica que felizmente só durou algumas horas. A Imprensa deu edição-extra. Um livro foi publicado com os depoimentos.

8 pensou em “TRÊS GUERRAS PSICOLÓGICAS

  1. DuduSantos,
    Aqui da tela de meu computador dá para enquadrar a criança que fostes e o amigo de Sancho que és. Gostei dos dois. Fico daqui com meus infernais submarinos U-85 prontos para torpedear quem ousar contestar que és um sujeito possuidor de munição histórica para bombardear, a cada crônica, nosso imaginário. Beijo grande em vosso coração.

  2. Sancho amigo,

    Vou sempre estar renovando minha munição histórica, a fim de continuar me defendendo do seu imaginário.

    Bom Domingo!

  3. Lembrei do meu saudoso Tio Ivo que, mesmo sendo filho de italianos, se tornou militar da FEB e foi um dos brasileiros que participaram da tomada do Monte Castello, na Itália, de seus pais. Meu tio contava os acontecimentos da guerra com muita perfeição. E eu gostava muito de suas explicações, pois além de explicar ele colecionava revistas da guerra. Nem só de coisas boas vivemos. E agora estamos lutando contra um inimigo invisível. Mas, venceremos!

  4. Caro Deco.

    Continuei vivendo minha infância e adolescência sob forte influência das memórias da guerra, sobretudo porque os filmes americanos eram a propaganda constante.

    Fiquei com horror a japonês.

    Anos depois, divorciado, por curiosidade, faturei uma japonesinha e voltei a gostar daquele povo. Ela fazia tudo com a máxima seriedade, inclusive o banho, claro!… Kkkk.

    Mas, com o tempo fui entendendo que a Bombas Atômicas despejadas nas cidades japonesas foram uma das causas influentes do término da Guerra.

    Na década de 80 escrevi um livro onde inseri um capítulo sobre um rapaz que morava no interior e foi como voluntário para a Itália. Voltou herói e condecorado. Mas, aos 50 anos, começou a sofrer as memórias da guerra. Psiquiatras, remédios, o diacho. Nada deu certo depois que ele entrou na fase da maturidade intensa.

    Jader Bezerra Barbosa, ao retornar casou-se com sua antiga namorada, Elza Moura Barbosa, filha do ex-Prefeito de Belo Jardim – Pedro Moura Jr., fundador de Acumuladores Moura S.A., fabricante das Baterias Moura e irmã do ex-governador de Pernambuco, José Mendonça Bezerra Filho.

    Ele só dormia amarrado na cama porque em alguns sonhos se acordava gritando e queria enforcar a mulher. Elzinha, que suportou isso até a morte dele, aos 53 anos,

    Fico feliz em saber que o tema tocou sua memória.

    Um abração.

  5. Boa matéria e boa recordações, que também podem ser minhas pois sou dessa mesma época, nascido em 1937.
    Vivi essas experiências ou essas vivências, pois bem lembro de passeata que circulou na rua onde morávamos, para punir alguns italianos e suas famílias já abrasileiradas, pois muitos desses oriundi já eram casados com brasileiras e tinham seus filhos nascidos por cá.
    Da janela de minha casa, vi meu pai, junto com outros residentes, dentre os quais dois coronéis da Polícia Militar da Paraíba, enfrentando, de arma em punho, a turba que pouco antes ateara fogo a uma fabriqueta de colchões de propriedade de um desses italianos.
    Permita-me apenas pequenos reparos.
    A chamada “patrulha da costa”, medida protecionista de nossas águas territoriais era realizada pela FAB usando preferentemente pequenos bombardeiros chamados Ventura (PV – 1) e também os PBY – Catalina, que por serem anfíbios, se adequavam melhor em certas áreas de nosso País, como Amazônia (onde continuaram a servir por bom tempo, após a guerra).
    Os B 17 – Boeing, pelo seu porte e capacidade de carga, não se adequavam a esse serviço de proteção a comboios marítimos, notadamente busca e destruição de U Boats, pois seu porte e estrutura operacional dificultavam trabalho dessa natureza.
    No chamado ‘mar de fora’ ou mar alto, a proteção aos comboios cabia às forças tarefa navais, com seus destróieres, corvetas e porta-aviões, missão que nosso caso foi cumprida pela esquadra do atlântico sul. integrada por navios das marinha americana e brasileira.

  6. Caro Costa.

    Grato pelo seu reparo. Nota-se que estudou com cuidado o tema.

    Enriqueci, assim, meus arquivos.

    Um grande abraço e continuamos fubânicos, dando pequenas aulas de História Brasileira Contemporânea.

    Copiei.

  7. É sempre bom termos oportunidades como estas, notadamente quando já estamos na descida da ladeira.
    Às vezes, certas coisas, fatos ou acontecências nos dão um certo banzo, por estarem agora apenas em lembranças que se tornam cada vez mais fugazes.
    Abraços

  8. Obrigado caro Arael.

    Sua leitura me estimula a novas incursões. Poucos percebem que nossas gerações sofreram muito com acontecimentos mundiais, inclusive a Guerra Fria; e no âmbito nacional, a Tomada de Poder em 1964. Agora o que se vê é essa guerra sem armas, que nos obriga a permanecer em trincheiras domésticas, feito uns frescos medrosos. Mas, quem é besta é prego que dá a cabeça para o martelo bater.

    Um abração.

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