JOSÉ RAMOS - ENXUGANDOGELO

Disco de vinil do passado

Esta pequena crônica é dedicada a esse genial PENINHA, que nos brinda com lembranças musicais maravilhosas e domínio (e com total conhecimento)

Num passado que ainda está bem ali, as tardes dos sábados eram diferentes. Pelo menos na minha casa.

A sala de entrada da casa era p único compartimento que tinha o piso calçado com tacos de madeira. Eu, rapazola e ansioso para ir à rua jogar “gol-a-gol” (jogado entre dois jogadores, com bola de meia, sempre na rua e num terreno arenoso – ganhava a partida quem fizesse 10 gols primeiro), só era liberado pela Santa Mãe, após terminar de encerar aquele cômodo com cêra Parquetina. Uma luta que acontecia “obrigatoriamente” toda tarde de sábado.

Passar um pano molhado para retirar a poeira, esperar secar, e, de gatinhos, passar cêra no cômodo todo. Depois, encerar com a enceradeira manual (não possuíamos enceradeira elétrica). Terminada a tarefa, a Mãe era chamada para aprovar, ou não. Aí sim, era liberado para a rua.

O mundo mudou?

Não. As pessoas mudaram. Agora as mães saem para trabalhar e os filhos não desgrudam dos celulares. Não têm mais deveres da escola para fazer, tampouco conhecem o “gol-a-gol”! As portas se escancaram para as obras dos milhões de diabos que acabam quase sempre na Avenida Paulista em dias coloridos.

Uma gripe, por mais leve que fosse, prendia o adolescente em casa. Estudar, mesmo que ficasse livre da tarefa do enceramento da sala.

Mas, como toda regra tem exceção, aquele castigo também tinha o lado bom. Ouvir música do disco long-play tocado na radiola Philco:

“Índia seus cabelos nos ombros caídos,
Negros como a noite que não tem luar,
Seus lábios de rosa para mim sorrindo
E a doce meiguice desse seu olhar.
Índia da pele morena,
Sua boca pequena
Eu quero beijar.

Índia, sangue tupi,
Tem o cheiro da flor,
Vem, que eu quero te dar,
Todo meu grande amor.”

Quanta saudade que a tarefa obrigatória nos faz. Quanta falta sinto hoje da aprovação, ou não, da realização da tarefa – e eu daria tudo que tenho ou que nunca tive para poder ouvir mais uma vez os vinis nas tardes de sábados.

8 pensou em “TARDES DE SÁBADOS DE ANTIGAMENTE

  1. Zé Ramos, todas as suas colunas trazem um lirismo tão bom que transformam sua prosa numa espécie de poema corrido.
    A velha radiola Philips, vermelha, duas tampas que na verdade eram as caixas de som, que papai comprou com a ajuda financeira do meu irmão mais velho (menino que começou a trabalhar aos oito anos e ainda hoje, aos sessenta e um, continua sem morrer por isso), pois bem, a velha radiola todas as manhãs dos domingos, depois da missa e do Som Brasil, me dava a oportunidade de virar “di-djei“.
    Aí, nessa reminiscência que você nos trouxe, a minha saudade vem de Ataulfo Alves cantando “eu daria tudo que eu tivesse pra voltar aos dias de criança, eu nem sei pra quê que a gente cresce, se não sai da gente essa lembrança”.
    E de papai, sentado saudável em sua cadeira de balanço em fios azuis, dando-me as ordens para trocar o LP confiando que eu sabia agradar seu gosto.

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  3. Jesus, me sinto privilegiado pelo generoso comentário, e, mais ainda, por, pretensiosamente, achar que faço algo bom.

  4. ” Saudade palavra triste quando se perde um grande amor
    Na estrada longa da vida eu vou chorando a minha dor
    Igual a uma borboleta vagando triste por sobre a flor
    Teu nome sempre em meus lábios irei chamando por onde for
    Você nem sequer se lembra de ouvir a voz deste sofredor
    Que implora por teus carinhos, só um pouquinho do teu amor

    Meu primeiro amor
    Tão cedo acabou só a dor restou neste peito meu
    Meu primeiro amor
    Foi como uma flor que desabrochou e logo morreu
    Nesta solidão
    Sem ter alegria o que me alivia são meus tristes ais
    São prantos de dor
    Que dos olhos caem
    É porque bem sei quem eu tanto amei
    Não verei jamais ”

    Música : Meu primeiro amor ( Lejania )
    Compositor : Hermínio Giménez
    Versão : José Fortuna / Pinheirinho Júnior
    Intérpretes : Cascatinha e Inhana

    Essa música foi o lado B do 78 rotações lançado em julho de 1952
    o lado A foi o sucesso ” Índia ”
    Fui conhecer essas músicas por volta de 1960, quando eu tinha meus saudosos onze anos.
    Nessa época eu fazia o primeiro ano do ginasial na parte da manhã e depois da escola ia trabalhar numa farmácia e, nos primeiros pagamentos que recebi comprei o primeiro Lp, que guardo até hoje, do cantor mexicano
    Miguel Aceves Mejia e o Lp ” Cascatinha e Inhana cantando para você ”
    datado de 1955 com 8 músicas, quatro de cada lado, que eram as seguintes : Lado A : 1) Solidão – 2) Queira-me muito – 3) Iracema – 4) Meu primeiro amor.
    Lado B : 1) Desilusão – 2) Assunción – 3) Recordando – 4 ) Índia
    O problema é que eu comprava discos e não tinha onde tocar e as vezes
    um cunhado emprestava a ” picape ” que eu plugava no rádio e aí conseguia ouvir os discos. Só em 1965 eu consegui comprar uma vitrolinha
    Philips que parecia uma maleta mas, quando se abria, a tampa era a caixa de som e a outra parte era o toca-discos.
    Zé, obrigado pelo ” genial ” mas, não sou nenhum gênio.
    Gênio é aquele que nos dá sabedoria para preservarmos as boas coisas
    que passam pela nossa existência e que sabemos passar para outras gerações.
    Obrigado Zé Ramos
    Um grande abraço

  5. Parabéns pela belíssima crônica, dedicada ao genial colunista Peninha, querido Escritor José Ramos! Adorei! Peninha merece!
    Texto emocionante, que me transportou para um ambiente, onde também fui criada.
    A cera Parquetina, deu pra sentir o cheiro. E a ilustração da vitrola é de arrepiar.
    Um banho de lirismo e saudade.
    Um tempo em que Pai e Mãe eram os timoneiros da vida dos filhos, e o respeito e obediência existiam.
    Uma época bem diferente da atual, em que a cibernética, faca de dois gumes, substituiu os valores morais e costumes, prejudicando as relações familiares.
    Ouvir os discos de vinil, no sábado à tarde, era o que havia de melhor! Dava até pra dançar! Era uma festa para nossos ouvidos!

    Grande abraço!

    • Violante, você e Peninha merecem todas as homenagens e todas as boas músicas das nossas antigas tardes de sábado.

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