A PALAVRA DO EDITOR

Hoje pela manhã me ligou o colunista fubânico Jessier Quirino, grande Poeta da Nação Nordestina.

Ligou-me pra contar que nesta terça-feira, 19, os ares de sua pacata Itabaiana, no interior paraibano, foram tomados pela zuada de um helicóptero que tinha vindo trazer vacina pro povo da cidade.

Jessier só não me disse, e eu me esqueci de perguntar, se era a vacina chinesa presenteada por João Doria.

Depois eu tiro esta dúvida com ele.

Pois o Poeta me informou que foi uma festa danada, uma movimentação intensa nas ruas, os matutos que estavam na feira espichando os olhos pro céu, apreciando o deslocamento do bichão pelos ares.

Como hoje em dia todo mundo tem um celular, o fato foi amplamente documentado, as pessoas apontando seus aparelhos pro céu pra registrarem aquele momento incomum.

Por fim, Jessier me disse que a cena o fez lembrar de uma crônica do meu livro A Prisão de São Benedito e Outras Histórias. E por isso ele tinha me ligado.

Confesso que fiquei feliz e ganhei o dia com essa lembrança evocada por nosso colunista.

Aliás, aproveito a oportunidade para fazer um reclame:

Todos os meus títulos podem ser adquiridos na página da Editora Bagaço, via internet, com segurança e tranquilidade. A entrega dos volumes será feita pelos correios.

Basta clicar aqui para acessar a página da editora.

Só pra me amostrar, quero dizer que todos os meus livros tem mais de uma edição. Este do São Benedito já vai na sexta!

Esta é a capa da primeira edição, lançada em 1982. Capa de autoria do meu saudoso amigo Natanael:

E, pra fechar a postagem, aqui está a crônica citada por Jessier, da qual ele se lembrou vendo o helicóptero nos céus de sua cidade.

Espero que gostem da leitura!

* * *

O AVIÃO DE PAULO AFONSO

Essa história sucedeu-se tem muitos anos passados. Mas eu me lembro dela perfeitamente, e gravei aquele dia na memória para o resto da vida. Um dia incrível, apocalíptico, incomum.

Era manhã de semana, o mercado funcionando normalmente. As donas de casa já haviam comprado a carne e a verdura do almoço. Minha mãe temperava o guisado, enquanto nós jogávamos ximbra na rua.

De repente, um barulho tomou conta dos céus e passou a matraquear o espaço, como se anunciando a chegada da Besta Fubana a comandar o fim do mundo. Era um barulho desconhecido naquelas paragens, monótono, ritmado, ensurdecedor. Muito alto para a Palmares silenciosa de então.

Olhamos para o céu e nada enxergamos. Só escutávamos o barulho. Num segundo, a rua já estava cheia, e acredito que não havia um só vivente dentro de casa. Em um instante, rápido e mágico, ele surgiu por cima dos telhados e nos encheu os olhos.

Um enorme helicóptero, com sua cauda metálica gradeada, a passear por sobre a cidade.

Uma visão impressionante para as crianças, preocupante para os adultos e aterradora para os velhos, a pensar na chegada do Juízo Final.

– É um avião sem asas!

O barbeiro Babel, navalha em punho, a correr pela rua junto com um freguês ensaboado, garantia ser uma invasão estrangeira, vingança dos alemães derrotados na Segunda Grande Guerra.

O engenho voava devagar e, a cada manobra, ia arrastando a população de um lado para outro. Às vezes ele parava no ar e dava um descanso para o povo. Os pescoços se espichavam, as mãos na testa para proteger os olhos do sol. Os dois ocupantes olhavam para baixo, mas não se conseguia decifrar suas feições.

Na Rua do Galo, algumas velhas puxavam um terço. Dona Ricardina, que morava na rua principal, aconselhava a vizinha:

– Num saia não. O Evangelho diz que quando os anjos chegarem tocando trombetas, quem tiver na rua, fique, quem tiver dentro de casa, num saia. Pode contar, que daqui a dez minutos vão vir os anjos. É o fim do mundo. Vamos rezar!

Mas os apavorados eram poucos, algumas velhas e beatas. Ajoelhados pelas calçadas, conclamavam a turba a rezar e se arrepender dos pecados. A maioria estava extasiada com as manobras do desconhecido engenho voador, olhos pregados no céu limpo e azul. Voando lentamente, o aparelho parecia um ímã, arrastando magneticamente a população de Palmares pelas ruas. Um rebuliço sem conta e sem tamanho.

Pelo menos dois casos de mulheres nos dias e que pariram no susto foram registrados naquela manhã louca. Inúmeros os feijões queimados nas panelas de barro, pois as donas de casa se igualavam aos meninos e aos homens na suarenta corrida pelo rastro do avião sem asas. As pessoas se atropelavam, gritavam, subiam e desciam ladeiras, davam topadas nas pedras soltas do calçamento, sempre de olhos no aparelho. A esta altura, o piloto parecia se divertir, voando exatamente por sobre o traçado das ruas. O comércio fechou e todas as atividades rotineiras da cidade foram paralisadas. Salvo os velhos a rezar, ninguém ficou em casa.

O helicóptero pegou o rumo da Rua da Rodagem e seguiu em direção à Usina 13 de Maio. Ficou parado em cima do campo de futebol, enquanto a população tomava de assalto o gramado. Foi perdendo altura aos poucos, e o povo, adivinhando sua intenção, ia abrindo a roda e dando espaço para o pouso. Ao incrível barulho veio se juntar o vento provocado pelas hélices. Tocou de leve na grama. Os ferros, vivos e negros, junto com a maravilhosa visão do motor aparente, compunham um quadro impressionante.

Pousado, visto de perto, recém-chegado do céu, o aparelho ficava realçado em seu encanto. Místico, profético, apocalíptico, ali estava ele ainda rugindo.

A hélice foi diminuindo a velocidade, o povo ia fechando a roda. Os dois ocupantes pareciam assustados e preocupados. Uma camioneta da usina se aproximou com dois funcionários graduados. Houve uma ligeira conferência sob as hélices em funcionamento. A camioneta se afastou, e o ronco do pássaro se alteou. A este sinal, a roda se alargou novamente. Parecia se impando de força, e o povo recuou assustado. Alteou-se devagar e novamente ganhou os ares. Com pouco, estava lá em cima. Novamente a correria no rastro.

O helicóptero dirigiu-se à usina, e lá começou novamente a perder altura. Frustrada, a multidão o viu desaparecer por trás dos imensos muros da indústria. Sumiu e, com pouco, desligou os motores. Do lado de fora, a multidão, calada e quieta, prestava atenção no silêncio e aguardava.

Um funcionário da usina explicava para alguns de que se tratava: tinham vindo inspecionar as linhas de transmissão que chegavam a Palmares para trazer a energia elétrica da Cachoeira de Paulo Afonso. E, então, o engenho foi imediatamente batizado: o Avião de Paulo Afonso.

Devagar, em procissão, a população foi voltando à cidade, entre comentários e conversas. Era tanta gente que levantava poeira no arruado sem calçamento da usina.

Almoçou-se tarde naquele dia. Mas, ao seu final, a vida tinha voltado à normalidade.

4 pensou em “TÁ CHEGANDO VACINA ATÉ EM ITABAIANA

  1. “Um dia incrível, apocalíptico, incomum” são esse conto e o seu autor!
    Visualizei cada cena com riqueza de detalhes. 👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏

  2. Lí, re-Lí e Tri-lí . Este texto magnificamente demonstrativo da qualidade
    descritiva do escritor, é apenas uma prova, uma simples prova de dar água na boca em todos os leitores , de como se escreve ” de verdade ” sem presopopéia,
    procurando apenas ” mostrar ” aquilo que ficou guardado na cabeça de
    autor e trazer para nós uma ” provinha ” de como narrar um fato embutido na
    memória, aquela memória farta, grávida de substantivos e adjetivos inesquecíveis.
    Este texto, é apenas um tira gosto do meu livro favorito do escritor e proseador
    Berto. Todo o texto do livro não me sai da cuca já tão cheia de estórias mil e
    já o decorei inúmeras vezes e li tudo, lí a capa, o nome da editora, o magnífico prefácio do mestre Orlando Tejo, que por si só
    já dava valia a tão jubilado enredo.
    Dá uma vontade porreta de entrar livro à dentro e compartilhar parte das
    aventuras e safadezas com os personagens ainda vivos na minha memória.
    Que gente:
    Maria cu de apito, Pentelho de burro, Cueca engomada Cheira peido…..
    preciso continuar ????
    Abração Berto, obrigado por ter escrito esta maravilha.

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