Não é mais surpresa ver, ouvir ou ler notícias sobre corrupção aqui no Brasil. Em outros países também existem corruptos, mas a diferença é que eles são punidos, algumas vezes com bastante rigor. O aproveitamento do dinheiro público vem de inúmeras formas diferentes e é fruto da ação de profissionais ditos “dignos” de confiança e ilibada reputação.
Como sou da área de educação, com experiência também em projetos de pesquisas, muito me chocou a notícia de que um pesquisador da Fiocruz – uma respeitada instituição no campo das pesquisas – simplesmente utilizou R$ 310 mil para viajar, juntamente com sua esposa, para França, Portugal e Estados Unidos. De onde vem o dinheiro? De um projeto na área de saúde indígena no qual esse professor é coordenador e a esposa, simplesmente, participa como integrante da equipe.
Sinceramente, fosse eu o presidente da instituição isso não passaria. Lembro de um problema semelhante no qual um professor – semideus – queria colocar a esposa na equipe de um projeto e eu não permiti. Ela até poderia ficar, mas sem receber nenhum tipo de bolsa. Lógico que esse cidadão subiu pelas tamancas, mas a esposa dele ficou fora. Dava apoio como uma espécie de secretária, sem receber um tostão por isso.
Um ponto que é importante esclarecer é que os projetos contemplam diárias e passagens, nacionais ou internacionais, para integrantes da equipe, desde que isso esteja no plano de trabalho. Pode ser, inclusive, que o referido professor esteja cumprindo alguma meta de alguma etapa do projeto, mas é estranho que ele e mulher tenham o mesmo interesse no objeto do projeto, com viagens para lugares comuns. Isso me lembra uma passagem de “O auto da compadecida” no qual Chicó dizia ter um cavalo bento que corria, o dia inteiro, atrás de um garrote e um boi e João Grilo pergunta diz: “como é possível Chicó? E os dois corriam juntos, era?”. “Não sei, só sei que foi assim!”.
Em meados da década passada, a Polícia Federal desencadeou uma operação chamada “Pós-doc” na qual descobriu desvios de recursos de projetos para conta pessoal de coordenadores de projetos. A coisa era simples: o coordenador colocava na equipe um aluno como bolsista, o crédito era realizado na conta do bolsista, mas o professor ficava com o dinheiro, ao estilo das famosas “rachadinhas” bem conhecidas nas câmaras legislativas desse país. O pior de tudo isso é que não há punição. O cara não é demitido, não tem suas verbas suspensas, nada. Segue o baile.
Confesso que estou me sentido igual a Kleber Bambam na luta contra Popó. Todos os dias eu levo socos diretos de esquerda no queixo, no baço, na alma. Não tem como recorrer ou a quem recorrer e muitos dizem “confiem na justiça divina!”… eu gostaria de ver essa gente pagando por aqui mesmo, para dar um belo ensinamento aos jovens. Tem aquela história de que “educai as crianças, para não punir os adultos”, mas Pitágoras, não sabia que haveria de ter um país chamado Brasil, onde o quadrado da hipotenusa pode ser furtada quando se fizer a soma dos quadrados dos catetos.
O que mais me choca, de verdade, é a leniência das pessoas, a concordância integral ou o simples desviar a vista das coisas que acontecem. As pessoas olham para outra direção para não ver as falcatruas, mas cobram posturas de honestidade, hombridade, dignidade, dos outros.
Ontem vi um vídeo no qual um repórter esportivo da globo – do canal a cabo – comentava que Robinho foi visto num churrasco no Santos, time no qual ele foi projetado. Dizia, esse repórter, que Robinho tinha levado ao filho para treinar no Santos e lá chegando estava rolando um churrasco e ele foi convidado. Após essa contextualização, o repórter rasgou o verbo contra a justiça lembrando que Robinho havia sido condenado a 9 anos de prisão e que a justiça espanhola havia solicitado extradição – a constituição federal não permite, mas não se surpreenda se o STF mudar de opinião – o fazer que ele cumpra a pena aqui. Salvo engano, dia 20/03 deve ter um desfecho disso.
Eu fiquei vendo a indignação e me perguntando: “como você não se indignou dessa forma quando votou num candidato corrupto?” Isso é apenas um pequeno exemplo de que a justiça, a dignidade, a coerência, são fatores alargados apenas quando temos interesse em algo. O resto é vala comum.
Brasil é usina de normas, as mais variadas, sem senso é consenso e com senso, é dissenso, contraditórias e, não por acaso, dizem que temos mais faculdades de direito (não de direita) do que o resto do mundo.
Um país de pessoas éticas não tem muitas leis porque sendo o povo ético, suas ações não precisam de ajuste; um no qual elas nascem aos borbotões e, a cada problema, a solução é criação de mais leis, não tem como ajustar porque as pessoas sequer tem tempo de absorver as leis aprovadas e quando estão acostumando com uma, novas leis aparecem.
Quando o caos é a regra, não há regra.
Não existindo regra, a moral é relativizada e sem parâmetros morals mínimos, o estabelecimento da ética não acontece.
Nessa distopia em que a verdade é mentira e a mentira é verdade, só sabor dos redatores da sociedade, 1984 é hoje!
Cuidado, Winston!