MARCELO BERTOLUCI - DANDO PITACOS

Ron, um idoso de 76 anos, foi levado ao hospital com fratura de fêmur. Só que o hospital da cidade disse que não era capacitado para fazer a cirurgia, e que Ron precisaria ser transferido para um hospital maior em outra cidade. O problema é que o tal hospital estava lotado, e Ron ficou quatro dias em uma maca, no corredor do hospital, esperando a transferência.

Que cena horrível, não é? Quatro dias com o fêmur quebrado em uma maca no corredor de um hospital? Será que se trata de um país de terceiro mundo, onde o governo não se preocupa com os pobres? Ou será um caso de “privatização”, onde o lucro é colocado acima das necessidades das pessoas? Nem um, nem outro.

O caso aconteceu em Ontario, no Canadá, um país de primeiro mundo que é sempre citado como “modelo exemplar” em questão de saúde, porque lá o sistema é totalmente gerenciado pelo estado. Aliás, em boa parte do Canadá, se um paciente pagar a um médico por uma consulta, vão ambos para a delegacia; o monopólio do estado é tão absoluto que pagar por atendimento médico é crime.

O sistema de saúde estatal canadense surgiu em 1966. Um dos seus criadores, Tom Kent, o descreveu assim:

“O objetivo do sistema é simplesmente garantir que as pessoas possam receber tratamento médico sempre que necessitarem, sem levar em conta quaisquer outras considerações.”

(Faço aqui um parênteses para divagar: por que Tom Kent não criou outras leis substituindo “tratamento médico” por “casa própria”, “carro na garagem” e “comida farta”, por exemplo? Afinal, parece que basta um pedaço de papel para fazer as coisas aparecerem “sem outras considerações”.)

Mas vamos voltar à saúde. O sistema canadense provavelmente pareceria o paraíso para um brasileiro usuário do SUS, mas os canadenses que precisam dele costumam reclamar muito, queixando-se de burocracia, demora no atendimento, restrições a exames e obediência cega a procedimentos padronizados. Uma pesquisa de 2016 envolvendo onze países “ricos” constatou que o Canadá estava entre os primeiros na questão do gasto, mas em último lugar em todos os índices relativos ao tempo de espera (emergência, consulta, consulta com especialista, cirurgia, exames e mais alguns).

É fácil achar pelo Google casos como o do Ron, aguardando vaga em uma maca no corredor. Mas é interessante notar que a imprensa canadense acerta ao criticar o sistema, mas mostra pouca imaginação ao propor soluções. Eu li mais de uma dúzia de reportagens e em todas elas o remédio proposto é um só: “Mais dinheiro”. Parece ser unânime a visão de que o governo precisa aumentar o número de médicos e enfermeiros, aumentar o salário deles, e de forma geral “investir mais na saúde”. Entra ano, sai ano, a despesa aumenta e todos repetem que precisa aumentar mais. De quanto estamos falando? Nas últimas quatro décadas, o custo total quadruplicou, chegando em 2019 a 267 bilhões de dólares canadenses, o que dá sete mil dólares por pessoa, por ano.

Aqui no Brasil, muitas pessoas acreditam que o estado pode ser um bom fornecedor de serviços, e quando a realidade do SUS ou das escolas públicas desmente a idéia, essas pessoas costumam repetir as mesmas desculpas: falta de verba, corrupção, má administração, desvios, cabide de empregos.

Quando se fala do Canadá, fica difícil aplicar essas desculpas. Falta de verba, como acabamos de ver, não há. Dificilmente alguém dirá que o Canadá sofre com corrupção, incompetência ou desonestidade. Aqui no Brasil é comum ouvirmos que “deveriam obrigar os políticos a se tratar no SUS”. No Canadá já é assim, porque não há um sistema privado. Mesmo assim, um primeiro-ministro, dois governadores e uma deputada de lá já foram flagrados se tratando em hospitais dos EUA.

Então qual a explicação, e que ensinamentos podemos tirar disso? A triste verdade é que o estado não será, jamais, um bom empresário, e muito menos um bom fornecedor de serviços de saúde, por várias razões:

– As sociedades humanas sempre usaram o mercado como ferramenta para equilibrar oferta e demanda. Quando o governo se propõe a ofertar algo “de graça”, não existem mais parâmetros para buscar esse equilíbrio. A demanda tende a crescer infinitamente; os planejadores ficam sem as informações básicas e passam a planejar com base em critérios arbitrários, muitas vezes definidos pelos políticos com interesses eleitorais ou puramente demagógicos. Dessa falta de parâmetros surgem situações absurdas: um estudo canadense mostrou que o tempo médio de espera por um exame de ressonância magnética por lá é de 29 dias para homens e 70 dias para mulheres. Que minúcias burocráticas podem causar essa diferença, eu não consigo nem imaginar.

– O escritor e jornalista Jerry Pournelle disse: “qualquer órgão criado ou mantido pelo governo irá, com o passar do tempo, se dedicar cada vez menos à finalidade para a qual foi criado, e cada vez mais aos seus próprios interesses.” Isso significa mais burocracia, mais custos, mais departamentos e sub-departamentos sem outra utilidade além de garantir empregos. Exemplo: em 2004, como resposta às reclamações sobre as demoras no atendimento, o governo canadense criou uma comissão encarregada de elaborar e aplicar um plano no prazo de DEZ ANOS para resolver a questão. No mundo da iniciativa privada, quem sugerir um prazo de dez anos para resolver um problema perde o emprego na hora.

– Quando um órgão do governo é encarregado de algo, ele também ganha o direito de avaliar e de julgar a si próprio, tornando-se, na prática, “incobrável”. Se você é maltratado em um hospital particular, você pode ter o Procon, o Ministério Público, a Delegacia do Consumidor e o Celso Russomano fazendo escândalo com o caso. Se você é maltratado no SUS, a solução é ficar quieto e ir para casa, até porque todo órgão público tem colado na parede um papel com aquele artigo do código penal que fala em “desacatar funcionário público”.

– É da natureza humana tentar agradar quem nos fornece o sustento. Um médico particular, como qualquer fornecedor, precisa agradar o cliente que paga a consulta. Mas o médico do SUS, aqui ou no Canadá, não tem nenhum incentivo para priorizar a satisfação do paciente, e tem todos os incentivos para priorizar os procedimentos e rotinas estabelecidos pela burocracia, porque é da burocracia que vem o seu salário.

Para encerrar, é importante lembrar que países como Canadá e Suécia implantaram seus sistemas de bem-estar social quando já eram países ricos e desenvolvidos. É por isso que eles ainda estão conseguindo suportar os custos sempre crescentes. No Brasil, infelizmente, tem proliferado a idéia de que para se tornar rico é preciso agir como rico e que coisas como saúde e educação grátis para todo mundo são um “direito” que deve simplesmente existir mesmo que não se saiba de onde virá o dinheiro. Como resultado, temos um serviço que é ruim porque o dinheiro é pouco, e mesmo esse pouco é mais do que podemos pagar.

8 pensou em “SAÚDE

  1. E lá vai Marcelo dando… PITACOS, por óbvio, mas alguém mais atendo diria que dá (de graça neste JBF) ensinamentos muito úteis para quem precisa fechar contas e pagar boletos em final de mês.

    Meu nome é TRABALHO e o sobrenome HORA EXTRA.

    Algumas realizações do governo Bolsonaro tentando ATENDER as demandas de Bertoluci e Sancho: A) Maior programa de privatização da história (402 bilhões em privatizações, concessões e desestatizações); B) Extinção de 27 mil cargos públicos;

    Privatiza saporra toda, Bolsonaro!!!!!!!, grita Sancho nesta escrota gazeta desde sempre. As sociedades humanas sempre usaram o mercado como ferramenta para EQUILIBRAR oferta e DEMANDA. Neste JBF nos ensina Bertoluci: “Quando o governo se propõe a ofertar algo “de graça”, não existem mais parâmetros para buscar esse equilíbrio”. E vai mais longe: “proliferando a idéia de que para se tornar rico é preciso agir como rico e que coisas como saúde e educação grátis para todo mundo são um “direito” que deve simplesmente existir mesmo que não se saiba de onde virá o dinheiro”. E, com minha venia à Rainha Mãe, o nosso Sir Marcelão Bertolucci, corrobora, recorrendo ao escritor e jornalista Jerry Pournelle, que disse: “qualquer órgão criado ou mantido pelo governo irá, com o passar do tempo, se dedicar cada vez menos à finalidade para a qual foi criado, e cada vez mais aos seus PRÓPRIOS INTERESSES.”

    Desastrosos governos no âmbito federal, estadual e municpal e gestões catastróficas de empresas estatais (cabidões de empregos para amigos do “rei” e verdadeiros sumidouros de bilhões) ao longo da história do Brasil não NOS DEIXAM MENTIR.

    Vida longa aos reis e um ótimo final de semana ao homem das estatísticas e dos números fubãnicos.

  2. O país que é citado como modelo exemplar , é uma ditadura das mais severas , onde , se uma pessoa chamar de ELE alguém que se identifica como ELA pega uma cana de 6 meses .

  3. A conclusão, meus amigos, é que o mundo está se transformando em UMA MERDA!

    Temos que barrar a ascenção desses filhos da puta ao poder mais uma vez, pelo menos por aqui pela Terra Brazilis.

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