Meus sonhos, trato de sonhá-los com o maior gosto. Melhor que deixá-los amarrados com laços de fita, como faz Claribel, É assim que junto os pedaços de minh’alma. Ultimamente tenho encontrado meu eu menino quando durmo. Saudades afloram. Das tardes de sombra em que jogava futebol na rua de areia, capinzal à frente, com alvinegras vacas pastando, sem ligar o mínimo para o nosso jogo. Dos pênaltis que perdi por não tê-los batido e das mangas não provadas – tinha medo (ainda tenho) de altura, e sobre aquelas que caíam, os passarinhos eram mais rápidos que eu.
O amigo Tupã
Sonho com saudades de Tupã, cão fiel que meu pai criou até o dia em que, com um derradeiro latido, caiu no cacimbão e nunca mais voltou. Lembranças sonhadas do sol das manhãs que me via acordar todo mijado, mas sem qualquer sentimento de culpa. Era normal entre as crianças de minha idade. Do sabiá cantador que serenatava no pé de seriguela, no fundo do quintal, pertinho do cacimbão em que Tupã caiu. Do presépio iluminado que todo ano ajudava minha mãe a montar, reclamando da feiura do menino Jesus – sempre achei que o menino de verdade era mais bonito que aquele de louça. De minha coleção de selos e da lupa que usava para ver o Olho de Boi e o Rui Barbosa sem picote.
Jenipapo e Gibis
Saudades da colheita de jenipapo, fruta que eu tanto detestava, mas que adorava colher, segurando a mão de minha avó materna, lá na serra do Araripe num sol quente de dar dó … Dos meus gibis, Super-Homem, Capitão América, Tarzan. Das carteiras de cigarro vazias, dinheiro vivo pra nós na troca por bolinhas de gude: Continental, Hollywood e a mais valiosa delas, Marlboro. Onde estão? Saudade enorme do chaveiro que ganhei, presente do meu pai, do Brasil 58, campeão nas ‘oropa’, comprado nas Casas Parente, de Fortaleza (eu sabia a escalação, nomes completos, de Gilmar dos Santos Neves até Mário Jorge Lobo Zagalo) … Acordo feliz com meus sonhos. Melhor que deixá-los viajar, a exemplo do que faz Helena, que vai para estação de trem vê-los partir, lencinho na mão, para acenar-lhes um adeus.
(Claribel e Helena são personagens de Eduardo Galeano, in O LIVRO DOS ABRAÇOS)
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Galeano gostaria de saber disso, mestre Xico. Deveria ter contado essas histórias antes. P.S. Nos e-mails, ele se assinava Hugale. Só para saber.
Meu Caro Doutor José Paulo,
não sabia do pseudônimo. Os gênios tem manias extravagantes. No caso, ele juntou a primeira sílaba do seu segundo nome (HUghes) com as duas sílabas iniciais do sobrenome (GALEano).
Se fosse imitá-lo usando o mesmo critério meu pseudônimo seria BICARVA (Bizerra de Carvalho). Gostei não. Bem aquém do HUGALE.
Podia ser Coralho. Quem sabe?
Quase, quase … Ainda bem que não sou da família alenCAR …