JOSÉ PAULO CAVALCANTI - PENSO, LOGO INSISTO

Esse título vem do latim requiem (descanso), assim é conhecida a Missa pro Defunctis (para o repouso das almas). Provavelmente mais famoso e belo Réquiem será o de Mozart, inacabado quando morreu (em 5/12/1791). Estranho, nele, é que seu libretto seja premonitório. No movimento Dies Irae, está “Quanto temor haverá então/ Quando o juiz vier/ Para julgar com rigor todas as coisas!”. No Recordare, “Choro e gemo como um réu/ A culpa enrubesce meu semblante”. Curioso, também, por ser tão atuais suas palavras. Basta ver Tuba Mirum, “Logo que o juiz se sente/ Tudo o que está oculto, aparecerá/ Nada ficará impune/ A que patrono recorrerei, quando apenas o justo estará seguro?”. A resposta a essa pergunta de Mozart, “a que patrono recorrerei?”, tratando-se da Lava Jato, já sabemos. Réus e investigados recorrerão a bem conhecidos ministros do Supremo. Mas não só eles os protegem. Trata-se de uma conspirata.

Lado a lado estão abastados empresários; Deputados, Senadores, muitos que receiam ser presos; parte do Judiciário, no corporativismo de sempre, quando começam a surgir casos comprometendo colegas; certos advogados, como se suas prerrogativas profissionais pudessem estar acima do interesse coletivo de impedir ou punir crime. E, bom não esquecer, o próprio Presidente da República. Que abandonou o discurso de combate à corrupção, com o qual foi eleito, para proteger os filhotes. Contra essa estrutura monumental de poder, só alguns do Ministério Público (enquanto não defenestrados pelo Procurador Geral da República). E uns poucos juízes, que merecem nosso respeito. É desigual.

Na tragédia Júlio Cesar, Shakespeare nos lega um dos mais belos discursos fúnebres. O de Marco Antônio. Lembro porque bem poderíamos começar, com ele, um texto para chorar o fim da Lava Jato. Ou em sua defesa. “Vim para enterrar Cesar, não para louvá-lo. O bem que se faz é enterrado com os nossos ossos”. Brutus foi um dos assassinos de Cesar, que o criou. E “Brutos era um homem honrado”, segundo Marco Antônio. Ele, aqui, simboliza o poder. Os que foram coniventes ou enriqueceram na grossa corrupção. Todos “homens honrados”, segundo alguns do Supremo. No fim do texto de Shakespeare, vai o povo às ruas. Clamando por justiça. A voz do indeterminado cidadão comum que não mais aceita ver, tanta corrupção, alegremente posta para baixo do tapete da história.

Um comentário em “RÉQUIEM

  1. Triste constatação, Dr. José Paulo Cavalcanti.

    Ninguém com mais propriedade que o Sr. para deliberar esta reflexiva constatação.

    Desta forma, o réquiem segue seu funesto ritmo fúnebre, enquanto ficamos no compasso letárgico na transe da “sinfonia das lamentações” (sinfonia n.º 3 Henryk Górecki), sufocando o gemido da ira e entoando ladainhas de profunda decepção.

    Nada mais nos resta, então?

    Sem o menor pudor, mãos fortes e enlameadas controlam e conduzem, vergonhosamente, (e sem enrubescer) o leme em direção a própria impunidade.

    Em letras garrafais, grafam desonrosa mensagem a todos, que o despautério, a delinquência, e a violação no trato da coisa pública, valem muito a pena.

    Haverá algum lampejo de esperança, ou até mesmo a fé vã, já que até o murmúrio está censurado, de se perquirir e admoestar, se “Ainda há juízes em Berlim”?

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