FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES - SEM OXENTES NEM MAIS OU MENOS

Carta recebida do João Silvino.

Amigo querido: Encarecendo desculpas de monte por não lhe ter enviado umas linhas nos últimos tempos, acredito que a razão a seguir exposta me absolverá de bate-pronto. Estou garimpando muito, para compreender os porquês de muitas coisas acontecidas neste Brasil de meu Deus, que necessita tornar-se ainda mais respeitado lá fora, pelas inequívocas posturas cidadanizadoras da sua gente, apesar de todos os pesares e conchamblanças de quem andou bandidamente xeretando os telefones dos outros, cuspindo até no prato da dona da linha que comeu.

Confesso-lhe que não entendi muito bem as preocupações de grandões com o ritmo de queda do dólar americano, parecendo até que um salário-mínimo equivalente a cem dólares faz um mal danado para os lascados daqui. Como não sou economista, fico de botica nas explicações dadas pelos sabidos da vez, torcendo para que eles não desdigam o que disseram tempos atrás, quando eram apenas bodoques, ainda não vidraças.

Visitando alguns amigos, em São Paulo, num sebo deparei-me com uma publicação primorosa intitulada Patriotas e Traidores. Imaginei maldosamente que se tratava de algum manifesto da inteligente candidato a alguma coisa, sem tornozoleiras eletrônicas, nas próximas eleições do corrente 2022. O livro, no entanto, era de Mark Twain e tem como subtítulo Antiimperialismo, Política e Crítica Social.

Inicialmente, Twain era um defensor ardoroso das anexações territoriais empreendidas pelos Estados Unidos, posteriormente tornando-se um crítico fervoroso das rapinagens norte-americanas. Um texto bem editado pela Editora Fundação Perseu Abramo e que contém uma introdução – Mark Twain: uma redescoberta oportuna – de Maria Sílvia Betti, professora de literatura norte-americana da USP. Um texto para ser lido por todos os progressistas, inclusive aqueles que estão se postando de mentirinha para engabelar os trouxas nos pleitos que virão por aí.

Não permanecendo totalmente sério, narro-lhe um fato acontecido recentemente lá pelas bandas do sertão nordestino que quase me fez fazer xixi nas calças, contado o “causo” por gente muito verdadeira. Em uma audiência judiciária, cuja razão era sedução de uma menor, o juiz depara-se com a vítima acompanhada do vice-prefeito, seu padrinho de mesmo. Indagando se o vice também tinha sido arrolado, o meretíssimo ouviu dos lábios da face rubicunda da autoridade municipal: “De jeito maneira, excelência!! Só quem foi arrolada foi a mocinha aqui, minha afilhada!!”

Envio-lhe também um livrinho muito elucidativo, que já ia na terceira edição em 2001. Seu nome é Desafio Ético e foi escrito a cinco mãos de muito respeito: Luís Fernando Veríssimo, Frei Betto, Luiz Eduardo Soares, Jurandir Freire e Cristovam Buarque. Vale a pena ler e reler os textos, principalmente o de Betto e o de Buarque. O primeiro denunciando o descaso com o SUS, posto que, anualmente, oito bilhões de dólares correm para os planos privados de saúde. E que muitos políticos, que deveriam ser homens públicos, estão ostensivamente ligados às empresas privadas. O segundo afirmando que estamos entrando em um tempo de artistas e pensadores, depois de décadas de predomínio dos economistas. Buarque diz que se torna necessário romper alguns círculos: o ideológico, o acadêmico, o da linguagem, o social e o nacional, reduzindo-se o provincianismo e o economicismo. E é categórico: “Dois setores mostravam especialmente esta contradição: os economistas e a universidade. … Por isso, pode-se dizer que os economistas e os acadêmicos brasileiros são filhos da ditadura, mesmo fazendo-lhe oposição”. Tal e qual o pensamento de alguns milhões de pátrios.

Qualquer dia desses encarecer-lhe-ei uns tempos de conversa, pra gente compreender direito porque estão querendo botar no fiofó dos aposentados, quando os bancos lucram astronomicamente. E como restaurar a dignidade do Congresso Nacional nas próximaseleições, botando na lata do lixo o que não presta e os sectários de todos os naipes.

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