D. Alice, minha santa mãe e primeira professora
Em 1942, aos cinco anos, considerei-me alfabetizado por mamãe. Foi um período encantador, Cheio de descobertas. Depois fui para a escola de D. Cleomar Reis Seixas, na Vila dos Remédios, no Recife.
De início papai comprou um livrinho chamado: “A Carta de ABC”, e um outro, chamado: “Tabuada”. Pra mim foram uma atração.
Antes mamãe me ensinou recortado, de revistas e jornais, algumas ilustrações, para que eu gravasse as letras, frases e os motivos das gravuras.
Nas letras fui até bem; facilmente formei frases. Meu destino estaria selado: dedicar-me-ia às ditas cujas. Mas nos cálculos emperrei. E continuaria “travado” todo o tempo, tornando-se barreiras difíceis nos concursos que fiz para me tornar bancário.
O abecedário, de início, foi complicado, mas depois que ela me ensinou sua forma de gravar na mente, em linguagem marcada pelos batuques dos punhos na mesa, a coisa melhorou:
A B C D – E F G H – I J L M… etc.
Anos depois os métodos confundiram a cabeça da gente, inserindo letras usadas nos idiomas estrangeiros: K, Y e W, que se pronunciava, no vulgo: “V-W”. Pra mim uma “engembração”. Mas fui absorvendo.
Decorrido um estirão de tempo enfrentei três reformas do idioma pátrio. Um inferno “abecedal”. No concurso do Banco do Brasil não tirei 10 porque deixei de botar um circunflexo na identificação da capital gaúcha: “Pôrto Alegre”, “chapeuzinho” que, no caso, acabou sendo abolido.
O segundo período, foi mais interessante, pois parecia que estávamos aprendendo a marchar:
Bê-a-ba=BA; Bê-é-bé=BE; Bê-i-bi=BI.. .E mamãe ia batendo com a mão na mesa dando o rítmo, fator que facilitava, e muito, o aprendizado.
Depois, entravamos numa espécie de carretilha e se tornava muito engraçado o modo de se aprender a junção das consoantes:
BA, BE, BI, BO, BU.
Era um aprendizado ritmado e isso animava as sulas. Em seguida, quando eu já estava dominando o conhecimento das letras e suas ligações para formar as palavras, as aulas passaram a ser ainda mais deliciosas.
Entretanto, no período em que estávamos desenvolvendo a forma ritmada das consoantes, notei que mamãe não verbalizou as letras “A” e “C”, não me ensinando a partir do “A” e pulando do “B” para o “E”.
Ao alertá-la para o provável “escorrego” me disse que sendo o “A” uma vogal, deveríamos aprender a formar primeiro as consoantes. E ao ser indagada por que pulou o “C” ela desconversou e disse-me.
– Ah, me esqueci. Depois a gente volta!
Ladina, sabia que aquela parte não daria boa sonoridade, por isso se esquivara, a fim de passar-se por “esquecida”.
Anos depois, já estudando no Ginásio Amauri de Medeiros, uma escola pública de Afogados, os alunos mais adiantados faziam questão de “cantar” o abecedário batendo ritmadamente.
Durante o recreio, a título de bagunça, todos “cantavam” o que minha primeira professora, não ensinou nem deixou-me aprender e se fez de “esquecida”: o famoso: C-a-ca= CA; C-e-Ce=CE; C-e-Ci=CI – e C-o-co= CO; C-u-Cu=CU.
Ao chegar em casa lembrei a D. Alice – na maior inocência – que havia aprendido com os coleguinhas da nova escola a parte que ela havia “esquecido”; um pedaço que para mim só veio a ser conhecido como pornografia, anos depois, junção de letras que seriam repetidas nas muitas anedotas que sempre gostei de contar:
Cuidados e ensinamentos de mãe ficam para sempre!
Cartilha do ABC em uso na década de 1940
Quem sabe, Aritmética de Trajano, capa dura.
Caro Arael,
Foi exatamente na Tabuada que comecei a “chiar” afirmando, anos adiante, o tal “just perniandi” do qual meu avô João Pacífico já se referia em suas defesas jurídicas:
“Todas as pessoas têm o direito de espernear para se defender, até os animais.”
Ainda hoje, como Ariano Suassuna, se fizer três cálculos, cada um tem resultado diferente do outro. Um inferno.
Afinal, não precisaria ser matemático para exercer o jornalismo e me tornar, anos depois, pseudo-escritor.
Grato por sua leitura, sempre observadora.
Bom Domingo, amigão!
Carlos Eduardo
Pois é amigo. Houve um tempo em que as crianças aprendiam a ler e escrever. Em casa e na escola.
Também fui alfabetizado em casa, por minhas irmãs mais velhas, aos cinco anos de idade. Quando cheguei à escola já sabia o básico; alfabeto, tabuada, operações básicas. Li meu primeiro livro aos 8 ou 9 anos.
Pode parecer estranho, mas já houve um tempo em que professores ensinavam…
Incrível, não?
Grand abraço.
Sou obrigado a COPIAR o comentário de Pablo Lopes:
Pode parecer estranho, mas já houve um tempo em que professores ensinavam…
Incrível, não?
Cartilha do ABC em uso na década de 1940? Nasci em 1963 e aprendi com meu pai usando esta velha cartilha.
Abração, Carlão, Pablão, Serjão, Benizão e Araelzão !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Pablo amigo,
Você reconhece, como poucos das novas gerações, que nossos tempos foram outros.
E tinha mais coisas quenainda direi:
Todos os finais de aulas semanais cantávamos os hinos brasileiros e antes de iniciar as aulas, oravamos o Padre Nosso.
Isto sem falar que quando sentados e a professora chegava todos nós nos levantávamos.
Agora, só tem petralha desensinando a meninada.
Obrigado por sua leitura e comentário, amigo.
Carlos Eduardo.
Como gosto das tuas histórias. A de hoje me remeteu direto a minha infância, quando aprendi a ler e escrever. Apesar dos 28 anos que separam essas histórias, ela são muito parecidas. Aqui em São Paulo, naquela época, existia um jornal chamado Notícias Populares, o mais barato e mais esquisito jornal de SP. Dizia-se que espremido sairia sangue.
Acontece que aquele jornaleco barato, popular mesmo, era impresso em papel vagabundo, com uma tinta ainda mais vagabunda. Para completar essa história, a falta de luz era recorrente em SP. Eu e meu irmão, ainda crianças fuçadoras furiosas, sem luz, não tínhamos nenhuma distração. O que mamãe fazia então? Com a cera das velas derretidas, pingava nas letras grandes, as das manchetes, e fazia como um carimbo. E montava as palavras que pedíamos a ela. Então ela dizia uma palavra e nos ajudava a montar com seus “carimbinhos”. Entrei na escola alfabetizado. Hoje sou esse mais ou menos, mas orgulhoso do esforço de minha mãe. Que aliás, aprovou o texto.
Uma linda lembrança.
Que beleza, caro Sérgio, poder lhe motivar a desengavetar suas melhores lembranças.
Gratíssimo por sua historiografia, cujo tema principal eu desconhecia.
Bom Domingo.
Carlos Eduardo
Tinha tambem, uma frase inocente na cartilha, que gerava um certo desconforto na hora da leitura: “O cavalo pulava e bufava”. A gente lia meio constrangido, achando que a palavra “bufava” era imoral. Tempos diferentes, meu Caro Carlos Eduardo. Abraços.
Nestes tempos estranhos, meu caro Beni, as bossas são outras.
Agora, bufar é peidar e a pornofonia campeia pela boca de nossas crianças.
Tenho uma sobrinha-neta que sempre passa por aqui, tem 3 anos e costuma se sentar em minha Giroflex para ficar rodando feito carrocel.
Como reside com os pais no mesmo prédio, ontem avisou-nos que viria aqui e por convergence escondi a cadeira e ela, vindo diretamente para junto de minha mesa, perguntou:
– Vô, cadê a cadeira que roda?
– Foi para o conserto. Disse-lhe despistando.
E ela disparou:
Puta que pariu, vô, desse jeito eu não posso mais brincar.
]Novos tempos!
Um abração do
Carlos Eduardo.
O Bê-a-ba e a tabuada ensinados pela minha mãe são eternos como ela, bem como são todas as mães. A relação umbilical entre mães e filhos cria uma ligação imortal, independentemente de todos os problemas que a família passa. O substantivo “Mãe” sobrepuja todos os outros substantivos pela sua pureza e proeminência.
Meu amigo Deco,
No corpo de todos esses tão gentis comentários, prefiro aproveitar e elogiar nossas mães – vivas ou na na Pátria da Eternidade – com uma expressão de uma de minhas noras:
Se essa pandemia fosse tratada por u’a mãe, já estava todo mundo vacinado, curado, trabalhando, de banho tomado e bucho cheio.
Sabe que ela está certa!…
Grato por seu gentil comentário.
Um abração do Carlos Eduardo