Inspirado na obra Poema em Linha Reta, de Fernando Pessoa
Na normalidade dos dias, tudo está recrudescendo.
E eu, homem com nome de santo, mas voz, letras e atos de pecador;
Eu, que não tenho a mínima pretensão de me dizer perfeito;
Eu, que em minhas liturgias acabo pisando nas estolas da etiqueta cerimonial e escorregando no vômito de alguns nobres da vida social;
Que gargalho do sério, e choro com a alegre – apenas para ser diferente;
Eu, tantas vezes orquestrado como imundo, odioso e odiado;
Eu, que defendo ideias e mudo de opinião com a facilidade de quem respira bem;
Acabo descobrindo que a minha parte é muito pequena nesse mundo do faz de conta.
Quisera ser menos nocivo, porém, a fama que me põem não me permite ser leniente;
Quisera também ser melhor – talvez nem ter nome de santo -, no entanto os que me veem, de mim, dizem: “Louco!”
Muito ou pouco, em qualquer campo onde colho – às vezes sequer plantei ali – tenho tido sucesso e obtido lucros.
Mas logo eu? Tantas vezes abjeto para muitos, crítico de mal gosto para outros, escrevinhador de tolices para outros mais, intolerante, intolerável, abominado, abominável, tolo, vil, sujo… Três vezes exposto na mesa dos fracassados financeiramente.
Ora! Logo para mim, que nem mereço tanto, Deus foi olhar e dizer:
“Sofre, sofre, sofre até os quarenta. Mas sê feliz, sê feliz, sê feliz por toda a eternidade”.
Eu, que na normalidade dos dias vejo tudo recrudescer, como um santo de poucos milagres, ou nenhum; cuja devoção vem dos imperfeitos como eu, acabo percebendo que a minha incompreendida matéria jamais passará de um jornalzinho de igreja, daqueles que se abandona sob o banco e sem valor algum logo no domingo vindouro. No entanto, muitos cantaram segurando-o nas mãos, a uma só voz, alegres e satisfeitos (e eu pisava na estola das etiquetas cerimoniais nessas horas). Seu destino? O lixo direto! Sem passar por qualquer banheiro para fim mais próprio ao que nele esteja escrito.
Sim! Tenho sido feliz. Afinal, sou tão pequeno para contrariar uma ordem de Deus.
Esse tem sido o meu grande milagre. Recrudescente milagre: Ser imperfeito, não unânime e ao mesmo tempo feliz!
Do meu jeito recrudescente.
(“Sempre desconfiei que a perfeição é, na verdade, um poço falível de puro e total tédio.” – Jumento Solteiro, em sua obra Devaneios e Confabulações de Um Jumento que Dança).
Muito bom Pessoa, inspirador; Jesus, inspirado.