Notas pessoais encontradas num fundo de gaveta de um quarto mal arrumado depois de uma mudança de ambiente de trabalho. Expostas pela vez primeira, para gregos e troianos de uma pós-modernidade cada vez maiscomplexa, onde as alterações climáticas de grande porte parecem ratificar profecias de há um bocado de tempo. Explicito-as para o Jornal da Besta Fubana, para o seu primoroso noticiário diário crítico-esculhambativo, predominantemente escrotológico. Ei-las, sem muita eira nem beira cautelar:
1. Perguntaram certa feita ao teólogo Clodovis Boff, qual a contribuição que se poderia dar à classe média brasileira para a criação de uma nova sociedade, onde todos pudessem ter vida plena e abundante. Eis as respostas do Boff:
a. Oferecer à comunidade eclesial, frente aos problemas sociais, uma representatividade mais leiga e menos clerical;
b. Democratizar as relações internas da Igreja, mediante o fortalecimento de uma consistente “opinião pública” comunitária;
c. Mostrar que a Igreja da Libertação nunca é monoclassista, mas integralmente “católica” (universal);
d. Trazer para o seio da Igreja os “novos valores” que emergem do bojo da cultura atual e dos quais a classe média é portadora privilegiada.
2. O escritor Georges Bernanos, francês de inspiração cristã, dizia que “nada é mais ridículo do que um velho enrabichado.” E Alceu Amoroso Lima, o extraordinário Tristão de Athayde, complementava: “Nada mais contra a natureza das coisas e aos olhos de Deus do que a velhice inconformada com a morte.” Morremos muitas vezes ao longo da nossa existência: quando um amigo se vai, diante dos punhais cravados pelos parentes fingidos, pelas animalidades cometidas pelos amigos de mentirinha, ou quando as arrogâncias corroem ainda mais um já debilitado humanismo século XXI. Também ao longo das nossas vidas, diante da inexorabilidade da morte, tomamos quatro atitudes diferentes. Quando crianças, a morte nos é indiferente. Nutrimos por ela uma curiosidade idêntica às demais sentidas diante do imprevisto. Nenhum valor específico lhe atribuímos, posto que ela não provoca qualquer reação mais profunda. Um acidente da vida como outro qualquer. O escuro, quando se é criança, provoca muito mais medo que a própria morte. Para não falar das almas do outro mundo. Brinca-se até de morto como se brinca de bandido ou de mocinho. Ou de professor. Ou de dona de casa, as meninas-da-casa fazendo comidinha para as meninas-visitas, as mais sabidas. Na adolescência, principiamos a pensar na morte. Idealizamos a morte, mitificamos a morte. Começamos a pensar na própria morte. E principiamos a morrer, diante dos primeiros desmoronamentos provocados em nosso castelo-derredor. Mas ainda encaramos a morte como final de uma aventura, sem tropeços nem maldades, apenas coroamento, sem as pedras do caminho. Na juventude, a morte torna-se companheira quase brincante. Conceito romântico, substituindo a indiferença da primeira idade. A inimizade se inicia na porteira da maturidade. A morte torna-se a maior inimiga, temida, mais analisada, filosófica e religiosamente. A indagação de São Paulo inquieta: “Morte, onde está tua vitória?” A morte é término ou passagem? Túmulo ou túnel, como magistralmente o saudoso Pastor Campos costumava dizer em suas notáveis pregações. Com fé no além ou sem ela, a agonia da morte se torna presente e o viver num contínuo e resoluto foco de resistência. No último quadrante da vida, entretanto, “a mesa está posta e a cama feita”, como nos dizia o poeta Bandeira, que vivia aos trancos e barrancos com a Última Dama. Nessa fase, exige-se serenidade, capacidade de rever caminhadas menos felizes, emergindo a convicção de que bem outras seriam algumas das estratégias tomadas se os fatos fossem encarados com a mentalidade de agora. Creio que a concepção da morte é determinada pela concepção que se faz da vida. Superar a morte, eis o desafio maior dos libertos dos encantamentos supérfluos, das prestimosidades dos lambetas, das pantufas sabichonas, dos burregos tecnocratas que desconhecem os valores de uma sociedade emergente e dos recalcados recalcitrantes que se imaginam eternas vítimas, cordeirinhos imolados de um mundo que não os compreende devidamente. Sem falar dos azedos – homens e mulheres – que imaginam sempre estar em ambientes europeus, reinos se possível, os daqui nada mais sendo que peças inúteis de um contexto de ofuscados pelas suas “luminosidades.”
Já repararam que todos os mortos não brilham mais?