ROQUE NUNES – AI, QUE PREGUIÇA!

Para Luiz Berto Filho

Coronel Sizenando Jaguariúna sempre fora chefe político, mandonista e o maioral da cidade de Pipeiras. Herdeiro de pastos finos e gado do mais gordo, sua fama de demandistas de causas impossíveis graças ao seu tirocínio político o fizera quatro vezes prefeito e cinco vezes presidente da Câmara de vereadores. Mas já se foi o tempo em que o coronel, demandista como ele só, ministrava pronta justiça e mandava pras galés da cadeia pública, quem desafiasse seu senso de paz e ordem.

Já morreu o tempo em que coronel Sizenando enfrentava onça pintada, boi cornudo, ou ia desimpedir algum aceiro assombrado por visagem de menino que morreu pagão, ou aparecimento de lobisomem, boitatá, ou mula-sem-cabeça. Esses atrasos dos ermos, nem mais atiçava seu gênio querelante. Quando aparecia alguma comitiva solicitando seus pareceres e pronta sentença de justiça, mandava um peão ir resolver a demanda e despachava, de pessoalmente a comitiva.

Coronel da Guarda Nacional por força do braço e herança de família, talqualemente foram seu avô e pai, cresceu no debaixo do capotão do avô, coronel Hermeneildo Florêncio de Sá Souza Jagariúna. Firma comprida, dessas de mal caber em folha de caderno, quanto mais em caderneta de identidade emitida pelo governo.

Coronel Sizenando, suave de trato, macio nas palavras, desses que comem minguau quente pelas beradas, quando se tratava de política, o ardume de fogo pelo partido o transformava. Entulhava qualquer recinto com sua voz grossa, suas deseducações que era tão suave quanto apito de navio afinado em Lá maior, e esfarinhava qualquer discussão a poder de tapa na mesa e fumarola do charuto que ele sempre trazia debruçado na varanda do beiço. Aforamente essa paixão pela política, no dia a dia o coronel não matava nenhuma formiga, pois tinha grande respeito pelas criaturas de Deus, Nosso Senhor.

Em Pipeiras, todos conheciam o gênio estouvado do coronel, quando o assunto era política. Sustentava seus arrazoados no atacado e no varejo, e quando se via contrariado era capaz de levantar o demandista a solavanco de orelha, ou mesmo pelos gorgomilhos. Andava sempre com uma vara de gurumguba que fazia de bengala e carrasco, e muitos filhos de égua experimentaram o poder de seu braço e o assobio de caninana daquele instrumental que ele sabia manejar com maestria.

Pois bem. Deu-se que, aproximando as eleições municipais, Coronel Sizenando aparecia como franco favorito a ser tornar prefeito do burgo pela quina vez, se não aparecesse, saindo sabe-se Deus, de onde, de que loca, ou tulha, a figura franzina de Robertinho Caçalho. Figura miúda, dedos de graveto, carcundinha dobrada, devido a muitos anos de subalternismo e vassalagem para patrões ricosos, lançou também candidatura. E foi engrossando a curriola de apoiadores.
Soube-se depois que Robertinho Caçalho era afilhado de gente graúda da capital, desse tipo que manda e desmanda no governo, afinal esse magote de lobisomem vivem de correr, um atrás do rabo do outro. Compadre Alegria sempre dizia que, não importa se um governo é honesto, ou não, ele tem que ser derrubado por causa das safadagens que se comete nos desvão das salas de mando. Mas isso são lá impressões dele, e não minha.

E a campanha começou a esquentar, com cada candidato atacando o outro desenterrando segredagens e confissões de um e de outro lado. Uma denegria a família e a parentagem do outro pratrasmente de 200 anos quando Pipeiras era terra mais de bugre, deseducada igual a cavalo redomão, terra de satanás, que, por mais empenho que se deitasse nela só fazia crescer saúva e cururu-de-frade. E, nesse esquentar da política, deu-se que Coronel Sizenando e Robertinho Caçalho resolveram sentar praça na barbearia do Navalhudo. Lugar de fofocagens, do diz-que-foi, diz-que-não-foi, e por aí vai.

Deu-se que, certo dia, num desses sábados preguiçosos, de fim de trade triste, pouca coisa antes da eleição os dois candidatos resolveram fazer a barba naquele estabelecimento. Corte vai, corte vem, com os barbeiros falando e os clientes apenas concordando com a cabeça, porque nenhum dos dois era maluco para dizer algo com aquela navalha rente ao pescoço. Terminado o serviço da navalha, os oficiais de barba perguntaram aos candidatos se queriam loção pós-barba, dessas de aromar a vinte braças do candidato, mesmo com o vento de contrário.

– Bote não, meu caro – disse o coronel. – Bote não, porque se eu chegar em casa com esse aroma de água de cheiro, minha mulher vai pensar que tive no putero e vai fechar o tempo!

– E o senhor? Perguntou outro barbeiro para o Robertinho!

– Pode ponhá rapaz, afinal minha mulher nunca frequentou putero e não conhece o cheiro de lá.

Dizem que ninguém se interessou pelo resultado final da eleição naquele burgo perdido no meio do nada. O que mais se comenta até o dia de hoje, é que ainda não terminaram a reforma da barbearia do Navalhudo depois que os dois candidatos fizeram a barba naquele sábado de triste sol de Pipeiras.

4 pensou em “PERFUME

  1. Eita, ferro: Roque, você é simplesmente um mestre na escrivinhação!
    Mas, afinal, quem ganhou a eleição? Ou nem chegou a haver candidato?
    Um grande abraço,
    Magnovaldo

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *