JOSÉ RAMOS - ENXUGANDOGELO

O caminhão transformado em “pau de arara”

Vive quadradamente enganado, quem pensa que a vida na roça é sempre uma maravilha. Claro que existem os bons momentos, os momentos excelentes – mas, esses são recheados de momentos difíceis. E, isso gera, na maioria das vezes, o conhecido e sofrido êxodo rural.

Não me perguntem por que, pois não é do meu domínio, mas sempre tive boa memória. Lembro ainda, apesar dos 80, as agruras vividas na minha Queimadas, pequeno e desprotegido povoado de Pacajus. E isso é tão verdadeiro que, o também povoado de Horizonte, ao lado, tem algumas décadas passou a município.

Pacajus sempre foi, ainda é, e continuará sendo, a “terra dos Nogueira e Albano”. Ali, essas duas famílias, hoje na sexta ou sétima geração de mando, são proprietárias até dos ventos que sopram fortes ou fracos.

Bois e vacas, bodes e cabras, centenas de hectares de terras produtivas e roçáveis e até algumas pessoas nascidas por conta das “puladas de cerca”. Tudo lhes pertence. Quem come do meu pirão, tem que provar da minha mandioca.

Configurados esses quatro parágrafos, peço permissão aos leitores para voltar aos anos 50 e 60 – os quais minha memória ainda alcança – e relembrar minha primeira e única (por que última) viagem no tão famoso e útil “pau de arara”.

A desesperança batera em todos nós, menos nos Nogueira e Albano, porque proprietários, e ali alguns só compareciam para receber o bônus da produção, ou, como dito no quarto parágrafo, para “plantar” a mandioca que faria pirão e gente.

Seca braba, bruta e assassina. Matava tudo de sede. Bois, vacas, galinhas, cabras e qualquer plantação, permitindo apenas que os urubus que comiam a carniça e os mandacarus florescessem e reinassem. Cenário devastador. Vacas, como bem diz a letra da música eternizada por Luiz Gonzaga, só tinham o couro e os ossos, o que pouco e sofridamente lhes permitiam carregar o chocalho pendurado no pescoço.

A preocupação era “arrumar as trouxas”, fazendo delas um mantulão. Levávamos o que podíamos, sem deixar para trás as lamparinas, a quartinha sem água, o penico e os sabugos de milho, e, claro, o cachorro, mais magro que qualquer vaca. A seca matava até os calangos do lombo verde, que os cachorros comiam, se conseguissem pegar.

Não havia “terminal de pau de arara”, muito menos uma rodoviária formal. O local de embarque era na beira da estrada. Ninguém fazia check-in, e embarcavam quantos coubessem, sem a preocupação de excesso de lotação. Quando até o cachorro havia embarcado, o “ajudante” descia do trono, para ir na frente do veículo, rodar a manivela.

Uma atividade poética, pois nascia ali uma nova esperança de vida, sepultando todas as desesperanças deixadas para trás.

Ao final disso tudo, desse sofrimento, lhes digo: a vida na roça é uma maravilha.

É lá que os meninos aprendem a ser homens e as meninas aprendem a ser mulheres, ensaiando a vida brincando com as bonecas. Ali, elas são mães e filhas ao mesmo tempo. Não lhes sobra tempo para conhecer o feminismo ou optarem pelo lesbianismo.

Com certeza, eu daria o que tenho e o que nunca conquistei, para voltar – ainda que para passar férias escolares – a Queimadas, ter uma nova chance de abraçar minha Avó e sentir aquele cheiro de rapé de fumo torrado misturado à imburana, escutar o toc-toc no pilão na preparação do fubá de milho ou da paçoca de carne seca.

6 pensou em “PAU DE ARARA

  1. A gente não lê José Ramos, na verdade, revive. Passa um filme na tela do nosso pensamento, que estava lá, guardado, esquecido.

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