O cantor que marcou a minha adolescência era brasileiro mesmo: Milton Santos de Almeida, conhecido como Miltinho, na época, um dos maiores intérpretes de samba e músicas românticas do Brasil.
Miltinho deu voz, na década de 60, a inúmeros sucessos, como Mulher de Trinta, Palhaçada, Lembranças, Leva Meu Samba, Meu Nome é Ninguém e outros.
Fui “menina do interior”, onde demorou muito a chegar energia elétrica e água encanada. Confesso que nunca me familiarizei com os cantores internacionais. Nessa época, final dos anos 60, o romantismo e os sonhos explodiam em mim. Mas era no rádio de pilha ou a bateria, que eu ouvia o cancioneiro romântico de que eu tanto gostava.
Certa vez, quando eu era ainda “um brotinho”, num domingo à tarde, fui assistir à apresentação de Miltinho na Rádio Poti, em Natal, no programa de auditório, “Vesperal dos Brotinhos”, comandado pelo radialista Luiz Cordeiro. Fui acompanhada por Salete, a manicure da minha saudosa tia Carmen, em cuja residência eu estava hospedada. Minha tia sabia do meu fanatismo por Miltinho e me fez uma surpresa. Pediu a Salete para ir comigo ao programa da Rádio Poti, para que eu conhecesse Miltinho no palco, “ao vivo e a cores”. Foi um presente que eu nunca esqueci.
A apresentação de Miltinho foi sensacional!!! Saí da Rádio Poti com uma foto dele em tamanho postal. Pra mim, foi a glória! Cheguei em casa, “com a alma lavada e enxaguada” de felicidade.
No meu caderninho de músicas, só dava Miltinho, disparado. Eu sabia quase todas as músicas da discografia dele, de cor. Escutava muito programa de rádio e comprava revistas do rádio, que chegavam às sextas-feiras, às três horas da tarde, no trem que vinha de Recife para Natal, e tinha uma parada em Nova-Cruz. O vendedor já separava as minhas preferidas.
Das músicas de Miltinho, eu tinha as minhas favoritas: Lembranças, Volta, Devaneio, Ri… Eu e o Rio, Poema das Mãos, Poema do Adeus, e tantas outras.
Milton Santos de Almeida, ou Miltinho, (1928-2014), começou sua carreira na década de 40, como ritmista (tocava pandeiro desde os cinco anos de idade). Foi integrante de diversos grupos vocais, como “Anjos do Inferno” (com o qual chegou a viajar aos Estados Unidos, acompanhando Carmen Miranda), “Namorados da Lua”, “Quatro Ases e Um Coringa”, “Milionários do Ritmo” e “Cancioneiros do Luar”.
Na década de 60, Miltinho lançou seu primeiro disco solo, “Um Novo Astro”. Iniciava, assim, uma carreira de enorme sucesso, marcada pela sua bonita voz, afinada e anasalada, afeita aos sambas de teleco-teco e às canções românticas.
Consagrou-se com a música “Mulher de 30”, e com ela ganhou o reconhecimento do público. Recebeu vários prêmios, participou dos principais programas de televisão da época e de um filme estrelado por Mazzaropi.
As melhores lembranças daquela primeira metade dos anos 1960, Miltinho deve ao repertório dos seus discos, e aos compositores como Luiz Antônio, autor, sozinho, de alguns dos seus grandes sucessos. Além de “Mulher de trinta”, ele compôs “Menina moça”, “Ri”, “Poema das mãos” e a favorita do cantor, “Eu e o Rio” (“A melodia mais linda que alguém já fez, uma beleza de letra”, como ele dizia).
No total, gravou mais de cem discos, mas na década de 70, com o declínio do seu gênero musical, saiu de cena nas grandes capitais, concentrando suas apresentações em cidades do interior.
Luiz Antônio pode ter sido o responsável pelas canções que Miltinho, com seu jeito diferente, balançado (ou sacudido, não é, Magnovaldo?), de cantar samba, transformou em hits. Mas ele disputou a voz do amigo com outros grandes nomes da época, como Ataulfo Alves (“Mulata assanhada”), Haroldo Barbosa e Luís Reis (“Palhaçada”, “Só vou de mulher”), Evaldo Gouveia e Jair Amorim (“Serenata da chuva”, “Samba sem pim pom”), Miguel Gustavo (“Samba do crioulo”) e João Roberto Kelly, autor da ferina “Só vou de balanço” (“Nada de twist / de twist e de chá-chá-chá / só vou de balanço / só vou de balanço / Vamos balançar”). Canções bonitas e espirituosas, que embalaram muitos romances e as pistas de dança.
Por coincidência, certa vez, fui visitar uma outra tia, que morava no Rio, e o marido dela, que era auditor fiscal da receita federal, aposentado, disse que no Clube Português, que ficava perto do prédio onde eles moravam, na Tijuca, sempre jogava gamão com um colega de trabalho. Certo dia, ele teria sabido que esse colega “andou gravando umas músicas”. E o nome do colega era Miltinho. E pronto. É impressionante, como há pessoas que são completamente indiferentes à música.
O sambista também animou carnavais com marchinhas como “Nós os carecas”.
No seu aniversário de 70 anos, em 1998, lançou o CD “Miltinho Convida”, com elenco de alguns de seus aprendizes confessos, como João Nogueira, João Bosco, Luiz Melodia, Chico Buarque, entre outros. Chegou a gravar com Dóris Monteiro, Elza Soares, Zeca Pagodinho, Martinho da Vila, Ed Motta e outros. Como intérprete, lançou João Nogueira e Luiz Ayrão.
As músicas “Mulata assanhada”, “Palhaçada”, “O conde”, “Laranja madura”, “Volta” e “Menina moça” são outros de seus sucessos, que lhe renderam o apelido de “Rei do Ritmo”.
Palavras de Miltinho:
“A vida, a meu ver, como ritmista, é um ritmo. Você tem ritmo para andar, para pegar ônibus… Se bobear, tropeça e cai”, disse o cantor em entrevista para o documentário “No tempo do Miltinho” (2008), de André Weller.
Assim Miltinho se definia:
“Eu não sou astro de coisa nenhuma. Sou apenas um mero cantor de samba. O que me honra muito”.
Também no cinema, foi vencedor do prêmio de melhor curta brasileiro no festival “É Tudo Verdade”, de 2009.
Elza Soares, uma de suas parceiras, o elogiava:
“A divisão de Miltinho, acho que ele tem ritmo até na ponta da orelha. Para mim, ele é único.”
Miltinho morreu aos 86 anos, em 7 de setembro de 2014, vítima de uma parada cardíaca, no Hospital do Amparo, zona norte do Rio. O cantor deixou um universo de canções, que integra o grande legado do samba no Brasil.
Um dos grandes sucessos de Miltinho, “Palhaçada”, parece ter sido gravado hoje. Trata do famoso golpe contra um bobão apaixonado. O tema nunca foi tão atual.
Ao encerrar a carreira por motivos de saúde (enfisema pulmonar), Miltinho dizia que o sucesso lhe trouxe muitas alegrias, mas só não lhe trouxe dinheiro.
E disse:
– Mas isso não me importa, pois sempre tive meu trabalho no Ministério da Fazenda, pelo qual me aposentei. Aqueles foram discos feitos com cuidado. Hoje em dia é tudo feito para vender.” “Mas não é inveja, não. Eu fiz o meu, deu certo, me sinto honrado por ser um cantor de samba – dizia Miltinho, para quem “o segredo de um bom samba é dissertar sobre um tema que atinja diretamente o coração do povo, o que não é fácil. – Mas o segredo mesmo é ser sambista, o que eu sou com muita honra!”
E que sambista! Miltinho tinha o samba na alma!
“Música é vida interior, e quem tem vida interior jamais padecerá de solidão” (Artur da Távola, pseudônimo de Paulo Alberto Moretzsonh Monteiro de Barros).
Fã de carteirinha, desde sempre. Obrigado pela recordação.
Que beleza! Obrigada pelo gratificante comentário, prezado Manoel Bernardo Moraes! Um ótimo dia!
D. Violante,
A senhora sempre cronicando sobre assuntos interessantes e boas recordações.
Também sou apreciador da o bra do grande Miltinho e fiquei sabendo mais sobre o ser humano através de sua pena.
Meu abraço respeitoso.
Carlos Eduardo
Obrigada pelo comentário gentil, exímio cronista Carlos Eduardo Carvalho dos Santos! Fiquei feliz com suas palavras.
Vale a pena resgatar grandes valores da MPB, que marcaram época, e nos trazem ótimas lembranças.
Um grande abraço! Muita saúde e Paz!
Violante, divina musa:
Confesso que não era um fã tão sacudido do Miltinho, como você sacudidamente era. Mas a música “Menina Moça” (… você menina moça, mais menina que mulher, confissões não ouça, abra os olhos se puder…) entrou de tal sorte nas minhas circunvoluções cerebrais que até hoje me fazem recordar minha mocidade.
Realmente uma coisa que marcava o Miltinho era a clareza e a beleza de sua voz, sempre entoada com um ritmo bem brasileiro.
Lindas recordações que você nos brindou hoje.
Um beijão sacudido,
Magnovaldo
Obrigada pela gentileza do comentário, querido Magnovaldo!
“Menina Moça”, canção gravada por Miltinho, soava aos meus ouvidos como um acalanto, numa época em que as meninas moças tinham tempo de sonhar.
O progresso fez com que o amadurecimento dos “brotos” ocorresse com muita rapidez, e, atualmente, os sonhos são bem diferentes.
Um beijão sacudido, para você também!.
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Bela homenagem, Violante. E quanto a musica Palhaço, atualmente, tem muita gente com cara de Miltinho.
Obrigada pelo comentário gentil, querido Beni Tavares!
Você tem razão. Atualmente, o mundo está cheio de palhaços. .’E a plateia ri, pra não chorar…
Bom final de semana!
Maravilhosas reminiscências de dona Violante. Parabéns pelo texto.
Obrigada pelo gratificante comentário, prezado Antônio Turci!
Fiquei feliz com suas palavras.
Grande abraço!
Vivi, em tempos tão terríveis, nada melhor do que crônica sua, para suavizar o final de semana
Eis inegável frase: “Música é vida interior, e quem tem vida interior jamais padecerá de solidão” Artur da Távola.
Ah, as reminiscências: (… você menina moça, mais menina que mulher, confissões não ouça, abra os olhos se puder…)
Abração, Vivi
Obrigada, querido Sancho, pelo comentário gentil
O passado está entranhado na alma da gente e vez por outra a saudade dos velhos tempos transborda.
Parece uma fuga da realidade e dos palhaços que a mídia nos empurra goela abaixo.
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Abração para você também!
Violante,
Sua crônica homenageando Milton Santos de Almeida, conhecido no meio musical como Miltinho (1928 – 2014), nasceu no Rio de Janeiro/RJ em 31/1/1928. Começou a carreira artística na década de 1940, integrando o conjunto vocal Cancioneiros do Luar. O conjunto, de início amador e formado por estudantes, participou do programa de calouros de Ary Barroso, na Rádio Tupi do Rio de Janeiro.
Depois, já profissional, atuou no programa Escada de Jacó, na mesma emissora. Em 1946, com outros integrantes do Cancioneiros do Luar, Nanai (Arnaldo Humberto de Medeiros) e Chicão (Francisco Guimarães Coimbra), integrou a segunda formação do conjunto Namorados da Lua, como cantor e pandeirista.
No ano seguinte gravou com o conjunto o samba De conversa em conversa (Haroldo Barbosa e Lúcio Alves), na Victor, acompanhando a cantora Isaura Garcia. Com a saída de Lúcio Alves, o grupo passou a se chamar Os Namorados, desfazendo-se pouco tempo depois.
Sou um fã da voz de Miltinho e agradeço o seu texto lembrando os seus sucessos que fizeram na memória de quem admira a riqueza da nossa música. Valeu!
Saudações fraternas do amigo,
Aristeu
Como sempre, impecável!
Obrigada, querido Nonato!
Grande abraço!
Obrigada pelo gratificante comentário, prezado Aristeu!
Você enriqueceu o meu texto, com importantes referências à intensa carreira artística do saudoso cantor e ritmista Miltinho. Ele gravou 21 álbuns com sua discografia..
Considero Miltinho um dos maiores intérpretes de samba e músicas românticas da MPB, de todos os tempos.. A lacuna deixada por ele, jamais será preenchida.
Gostei imensamente do seu comentário! Sua contribuição foi valiosa!
Um excelente final de semana, com muita saúde e Paz!
Oi Violante linda, mulher de incrível nome. Polivalente. Sábia. Suas crônicas enriquecem o JBF às sextas feiras trazem o seu lirismo peculiar.
Sua homenagem a Miltinho, compositor genial.
É uma honra à Gazeta Escrita,
Parabéns,
Obrigada, grande cronista Cícero Tavares!
Grande abraço!
Obrigada, querido cronista e cinéfilo Cícero Tavares, pelo amável e respeitoso comentário! Você é um gentleman!!!
Fiquei feliz por você ter gostado da minha homenagem ao saudoso Miltinho, do qual fui “fã de carteirinha”.
Grande abraço e um feliz final de semana!