MAGNOVALDO BEZERRA - EXCRESCÊNCIAS

Os mexicanos dizem que nós, os brasileiros, somos seus primos que moram longe. Realmente, desde a conquista do tricampeonato de futebol no México em 1970 os brasileiros e mexicanos sempre tiveram um aprochego especial. Não sabia que eram nossos primos, mas sempre me simpatizei com os mexicanos desde 1999 quando me mudei para os Estados Unidos, até 2009, quando deixei a companhia de consultoria de Engenharia industrial que me fazia ir ao México uma ou duas vezes por mês.

Em uma dessas oportunidades, numa semana perdida nas brumas do tempo do longínquo ano de 2007, estive em Tijuana, na fronteira californiana próxima a San Diego.

Como era de praxe, alugava um carro da Hertz em San Diego, providenciava o respectivo seguro para poder entrar com ele no México, cruzava a fronteira e me hospedava no hotel Tijuana, perto da fronteira e do meu local de trabalho.

Na terça-feira voltava de minhas atividades e me dirigia ao hotel quando fui abordado por uma caminhonete da honrada e sacudida Polícia mexicana. Mostrei meus documentos, a prova do seguro, a licença de trabalho no México e os documentos do carro. Tudo na mais perfeita ordem.

Aí começou uma arretada tupinicagem. Um dos policiais chegou, bem sério, pertinho deste fuxicador que comparte estas baboseiras com vossuncê e me informou da gravíssima falta cometida.

– Cidadão, o senhor fez uma manobra errada e, por isso, vamos ter que aplicar-lhe uma multa.

– Sério? Qual manobra errada?, perguntei.

– O senhor virou à direita e entrou nesta rua que vai para o hotel, o que não é permitido.

– Veja, senhor policial, tenho vindo aqui várias vezes e nunca vi nenhuma placa dizendo que isso não é permitido. O senhor poderia mostrar-me onde está a placa com tal sinalização?

– O lugar dela é aqui mesmo, mas ela não está porque sempre que a colocamos essa gente daqui rouba a placa, os suportes e os parafusos para vender no ferro velho.

Nisso um carro passou a toda velocidade por nós, fazendo exatamente a mesma curva à direita.

– Veja, senhor: aquele carro acaba de fazer a mesma coisa. Como representante da Lei, o senhor também vai multá-lo?

– Não, aquele carro é daqui de Tijuana, e esses “cabrones” mexicanos não têm dinheiro pra nada. O senhor pode não saber, mas nós sabemos que aqui é proibido virar à direita.

Fiquei em silêncio. Afinal, não adianta discutir com um policial em um país estrangeiro, e além do que, o revólver de um cabra tem sempre um valente atrás do cabo e um covarde na frente do cano.

E aí o segundo policial entrou na conversa:

– Como o senhor e o veículo são estrangeiros, vamos ter que prender o carro e levar o senhor até a delegacia para se justificar para o delegado.

– E quanto é a multa?

– É um bocado de dinheiro. Mas o problema maior é que já estamos no final do dia, a delegacia fica longe, do outro lado da cidade e o delegado já deve ter ido embora. O senhor vai ter que passar a noite lá. Isso deve causar-lhe um grande transtorno, pois o delegado só costuma chegar depois das 9 horas da manhã seguinte, deve ter um monte de pessoas na sua frente para ser atendidas e, portanto, o senhor terá que faltar ao trabalho. Além disso a multa deve ser paga em um Banco – e não há agência bancária nas imediações – e só então seu veículo será liberado. Acho que, para seu próprio bem, poderíamos fazer um acordo aqui entre nós mesmos.

– Já entendi perfeitamente! Por quanto sairá este acordo?

– Bem, como o senhor é brasileiro, um primo nosso do qual gostamos muito, algo como somente 50 dólares seguramente concretizará o fechamento de nosso negócio.

A esta altura o meigo sorriso do policial fez o espírito de Luiz Guimarães Junior vir dos céus para bulir comigo: “…Resistir, quem há-de?”

Abri minha carteira e mostrei a ele que só tinha 23 dólares. Ele se mostrou um pouco desapontado, mas virou-se para o colega e perguntou:

– 23 dólares, está OK?

– OK, prontamente respondeu o outro.

O ínclito policial aceitou minha oferenda, devolveu-me os documentos, despediu-se de mim com um generoso ¡Gracias, señor! e um largo sorriso, lambeu o bigodão, raspou um resto de catoca do nariz e desejou que o Brasil continuasse a ter o melhor time de futebol do mundo!

Entendi melhor o significado de brasileiros e mexicanos serem da mesma família, mesmo estando longe.

O rapaz do hotel que estacionou meu carro ficou sem a gorjeta naquela tarde.

9 pensou em “OS PRIMOS MEXICANOS

  1. Um excelente texto, prezado Magnovaldo, se fosse ficção..

    Lamentável, que tenha acontecido mesmo…
    Você foi vítima de uma vergonhosa picaretagem, mexicana!. O tradicional pedido de “bola”, a atual propina..

    Que absurdo!!! E ficou por isso mesmo?…

    Bom final de semana!

    • Pois é, Divina: no México são chamados de “mordelones”. É uma praga. As coisas chegaram a um ponto (não sei como estão agora), que o governo colocou auditores na entrada da Imigração mexicana para entrevistar os que estavam entrando no México como serem visitantes profissionais (não os que chegavam como turistas). Eram, se concordassem, levados a uma sala separada e perguntavam se houve alguma vez alguma tentativa de “mordida”.
      Infelizmente a corrupção já faz parte daquela cultura, bem como de algumas outras.
      Tenha um excelente final de semana.
      Beijocas estralocas,
      Magnovaldo

  2. É fato público e notório a cultura “propineira” dos mexicanos. Sabia que eram desonestos, mas não tanto. É uma vergonha!!!

    Bom final de semana, e beijocas estralocas para você também, querido amigo!

  3. Magnovaldo, me perdoe, mas você fez bobagem mesmo. Caramba, como saber que tinha uma placa no meio do caminho indicando que era proibido virar pra direita? Antes dela tinha outra, que também foi roubada dizendo que era proibido virar a esquerda e logo depois outra proibindo seguir em frente. Puxa vida … Tem um filme chamado A família do bagulho… O cara inventa uma família pra ir buscar maconha no México…. é hilário o momento no qual o cara é parado pelo policial…tu deu sorte porque no filme a propina é um boquete…..

    • Pois é, prezado Assuero: ainda bem que minha perda foi somente de 23 dólares, não de minha dignidade eclesiástica.
      Tenha um excelente final de semana.
      Um abraço,
      Magnovaldo

  4. Mestre Magnovaldo Santos, ]

    Estou com saudade de suas crônicas de costume, que retratam suas reminiscências com inteligência e bom humor!

    Saúde, meu cumpade, e boas risadas!

    • Ciço, meu bom compadre:
      Conforme avisei o Berto, estou totalmente mergulhado na produção do livro que pretendo lançar quando for ao Brasil logo depois das eleições. Já está mais da metade pronto, e espero terminar de terminar o conteúdo até o fim deste mês.
      Prometo que assim que sair do prelo vou presentear o meu ilustre compadre com um exemplar.
      Grande abraço, saúde e prosperidade.
      Magnovaldo

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