Editorial Gazeta do Povo
Imagem de satélite da área sob a qual está a usina de enriquecimento de urânio de Fordow, no Irã, atacada pelos Estados Unidos
Na noite de sábado, os Estados Unidos entraram diretamente no conflito entre Israel e o Irã, iniciado na semana anterior com o ataque israelense a instalações nucleares iranianas. Bombardeiros norte-americanos B-2, dos mais sofisticados do mundo e dotados de tecnologia que dificulta ou até impede a detecção por radares, atacaram três instalações iranianas. O principal alvo era Fordow, a usina subterrânea de enriquecimento de urânio até então inacessível às Forças de Defesa de Israel (FDI), que não dispõem da bomba antibunker GBU-57, nem das aeronaves capazes de lançá-la. “Fordow se foi”, disse Trump nas mídias sociais após o ataque, mas a extensão dos danos a essa e outras instalações ainda está sendo avaliado.
Ao colaborar com os israelenses, fazendo o que eles não eram capazes de fazer em sua busca pela destruição completa do programa nuclear iraniano, Trump contrariou em parte o seu discurso, avesso a incursões militares em guerras que “não são nossas”, como ele costuma dizer, e descontentou inclusive membros de seu Partido Republicano, incluindo os adeptos mais isolacionistas do “Make America Great Again”. Mas uma ação drástica como a de sábado – com todos os riscos que ela envolve, a depender da resposta que o regime dos aiatolás der – não é exatamente uma contradição com a doutrina trumpista de política externa.
Trump é notoriamente avesso a aventuras militares, especialmente aquelas que envolvam presença de tropas americanas em solo estrangeiro. O mais provável é que os Estados Unidos sigam auxiliando os israelenses e respondendo caso suas bases sofram danos em retaliações iranianas. Mas o norte-americano já usou seu poder militar em outras ocasiões para mandar mensagens a respeito da proliferação de armas de destruição em massa. Em 2017, durante seu primeiro mandato, Trump ordenou um ataque a uma base síria de onde teria partido um ataque com armas químicas a uma cidade controlada por opositores do então ditador Bashar al-Assad (que contava com apoio de Vladimir Putin). Trump não está apenas afirmando que não tolerará um Irã nuclear; ele agiu neste sentido, e tais ações serão sentidas em Teerã, mas também em Pequim e Moscou.
Um Irã com armas nucleares é algo que o mundo precisa evitar a qualquer preço, e não há antiamericanismo ou antissionismo que seja capaz de negá-lo. Ainda que não se saiba com toda a certeza quão próximos os iranianos estivessem de conseguir sua bomba atômica, é fato que em 2023 a Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea) havia encontrado urânio enriquecido a 83,7% em Fordow, muito perto dos 90% necessários para uma arma, e bem acima das porcentagens necessárias para o uso pacífico da energia nuclear, como fins energéticos ou médicos. Dias antes do primeiro ataque israelense, a Aiea havia anunciado que o Irã estava descumprindo as obrigações assumidas sob o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP).
Alguém poderia alegar que o objetivo iraniano de possuir uma bomba atômica teria motivações meramente defensivas – afinal, nem Vladimir Putin usou armas nucleares na Ucrânia, nem Kim Jong-un fez o mesmo com seus vizinhos sul-coreanos. No entanto, nem Rússia nem Coreia do Norte fazem da erradicação de seus vizinhos uma razão de existir; já o Irã prega abertamente a destruição de Israel, e não há como prever que, uma vez conseguindo armas nucleares, os aiatolás não as usariam. Nem Israel, nem os Estados Unidos quiseram pagar para ver. E as ameaças feitas pelo Irã, ainda antes do ataque norte-americano, sobre “uma grande surpresa” que “o mundo lembrará por séculos” serviram apenas para acirrar os ânimos.
A julgar pelas manifestações de Trump após o ataque, seu objetivo é levar os iranianos para a mesa de negociações em posição de fraqueza, para arrancar deles um compromisso pelo fim de suas pretensões nucleares. Mas até agora não foi isso o que aconteceu: o Irã respondeu com novos ataques de mísseis contra Israel e, agora, contra bases norte-americanas no Oriente Médio, e com a ameaça de interromper a navegação pelo Estreito de Ormuz, o que teria efeito imediato sobre o comércio mundial de petróleo. Se o Irã tem condições de sustentar tais retaliações por longo tempo, ou se este é o último esperneio antes de uma bandeira branca, isso também é algo difícil de prever no momento.
Uma outra possível consequência de médio e longo prazo seria a retomada do programa nuclear iraniano, do zero ou do ponto em que Israel e EUA o tenham deixado, mas de forma totalmente (ou ainda mais) clandestina, sem supervisão internacional alguma. É algo que não se pode descartar, especialmente se o regime dos aiatolás sobreviver à atual campanha. Neste caso, as inteligências israelense e norte-americana precisarão trabalhar ainda mais, e novas ofensivas ocorrerão mais cedo ou mais tarde para destruir mais uma vez o que os iranianos reconstruírem. O desfecho desse jogo de gato e rato será vital para o futuro do Oriente Médio – e do mundo.
Um Irã nuclear nas mãos dos aiatolás é certeza de uma guerra nuclear.
Se o objetivo deles é exterminar Israel, com a bomba já teriam os meios.
E pensar que o povo judeu já viveu exilado por centenas de anos no Irã.