Marcel van Hattem
A Comissão de Constituição e Justiça ainda deliberava a sua pauta de PECs e projetos de lei limitando poderes dos ministros do Supremo Tribunal Federal e a imprensa já publicava as reações dos atingidos: “Não pode! Tem vício de iniciativa… matéria que trata de Poder Judiciário precisa vir do próprio Poder Judiciário!”. É o que teria dito, sob anonimato, um dos membros da Suprema Corte brasileira. Confirmando que nem de Constituição os ministros entendem mais, errou Sua Excelência: PEC alguma pode ser proposta pelo Poder Judiciário no Brasil.
A vitória parlamentar foi avassaladora na quarta-feira (9). As PECs aprovadas tratavam do fim das decisões monocráticas de ministros do Supremo suspendendo a eficácia de legislações aprovadas no Congresso Nacional (PEC 8/2021, de autoria do senador Oriovisto Guimarães, que relatei); e da possibilidade de o Congresso Nacional sustar decisões do STF que inovem ao criar novas normas gerais e abstratas – ou seja, que acabem usurpando do Congresso seu poder de legislar (PEC 28/2024, de autoria do deputado Reinhold Stephanes e relatada pelo deputado Luiz Philipe de Orleans e Bragança).
As duas propostas de emendas constitucionais apreciadas e aprovadas ontem pela CCJ nada mais são do que uma afirmação do Parlamento em defesa de sua principal função: a legislativa. Ter de reafirmar o óbvio é até esquisito, mas necessário. E outra obviedade ululante é a de que democracia não existe sem Parlamento e está em risco quando sua função principal é esvaziada ou usurpada por outro poder. Portanto, a defesa da prerrogativa parlamentar é também a defesa da democracia representativa e constitucional.
E fica mais esquisito ainda: Gilmar Mendes, em sessão do STF na tarde desta quinta-feira (10), decidiu declarar o contrário. Segundo Sua Excelência, é o STF quem garante a democracia no Brasil. O presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, foi na mesma linha ao afirmar que não se mexem em instituições que estão funcionando. Funcionando para quem? E democracia composta por quem? São eles, agora, os Supremos, os donos da nossa democracia e os iluminados guias das nossas instituições?
Os ministros do Supremo até podem sonhar com tais devaneios, mas a Constituição brasileira é clara no seu primeiro artigo: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”. Frise-se: eleitos ou diretamente. Não há nenhuma previsão de exercício de poder no Brasil fora os dois claramente expressos. Todo poder que não for exercido diretamente ou por meio dos representantes eleitos, é delegado por eles.
Se há um poder que está acima dos demais, portanto, não é o do STF, mas o do Congresso Nacional, eleito pelo povo. A ideia de que o Supremo é um poder moderador, ou um guardião da Constituição inquestionável, é inconstitucional e antidemocrática. É também uma afirmação soberba, arrogante e absolutamente equivocada. Os ministros do STF não são os donos da democracia e, a rigor, sequer têm a prerrogativa de qualificá-la e muito menos de tutelá-la!
A reação dos ministros do STF às atividades legislativas do parlamento brasileiro é, ela própria, uma desvirtuação do papel institucional da Suprema Corte. As críticas que fazem ao Parlamento, portanto, muito melhor caberiam se feitas diante de um espelho. Não, o STF não é o dono da democracia. A democracia é o governo do povo. E, no Brasil, o povo governa diretamente ou por meio de seus representantes eleitos. É o que diz a Constituição, não importa o que digam os atuais ministros do STF.