JOSÉ DOMINGOS BRITO - MEMORIAL

Vladimir Herzog nasceu em 27/6/1937, em Osijek, Iugoslávia. Filósofo, jornalista, professor e dramaturgo. Assassinado pela ditadura militar, em 1975, tornou-se figura central no movimento de restauração da democracia no País. Apresentou-se voluntariamente no II Exército, em São Paulo, para prestar esclarecimentos sobre suas ligações com o PCB-Partido Comunista Brasileiro e foi encontrado pouco depois em sua cela num simulado suicídio por enforcamento.

Filho de Zora Wolner e Zigmund Herzog, uma família de origem judaica fugida da Alemanha nazista para a Itália e depois para o Brasil, após o termino da II Guerra Mundial. Formado em Filosofia pela USP-Universidade de São Paulo, em 1959, naturalizou-se brasileiro em 1961 e trabalhou em importantes jornais do Brasil e na BBC de Londres. Na década de 1970 foi professor de jornalismo na ECA-Escola de Comunicações e Artes da USP e dirigiu o departamento de telejornalismo da TV Cultura, de São Paulo. Foi também aficionado pela fotografia, cinema e teatro. Nesta época foi vinculado ao PCB e passou a atuar no movimento de resistência contra a ditadura militar.

Em 1974, o general Ernesto Geisel assumiu o governo com o propósito de manter a “distenção”, com um discurso de abertura política. Tal política não encontrava respaldo no II Exército, em São Paulo, comandado pelo General Ednardo D’Ávila Mello. Segundo ele, os comunistas estavam infiltrados no governo do Estado, chefiado por Paulo Egydio Martins, criando certa tensão entre ambos. O general linha dura intensificou a repreensão política e o CIE-Centro de Informações do Exército centrou uma ofensiva contra PCB, do qual Herzog era afiliado, mas não desenvolvia atividades clandestinas.

Seu amigo, o jornalista Paulo Markun, chegou a informá-lo que seria preso, mas ele não se sentiu intimidado. Em 24/10/1975, foi convocado pelo Exército para depor sobre suas ligações com o PCB. Negou qualquer ligação com o Partido, mas ficou preso com mais dois jornalistas: Duque Estrada e Rodolfo Konder. Estes jornalistas foram encaminhados para um corredor, de onde ouviram a ordem para trazer a máquina de choques elétricos. Em seguida Konder foi obrigado a assinar um documento, onde afirmava ter aliciado Vladimir para se afiliar ao PCB. Pouco depois, Konder também foi levado à tortura e a partir daí Vladimir não foi mais visto com vida. No dia seguinte, o SNI-Serviço Nacional de Informações, em Brasília, recebeu uma mensagem constando que naquele dia “cerca de 15h, o jornalista Vladimir Herzog suicidou-se no DOI/CODI do II Exército”. Segundo o jornalista Elio Gaspari, “no porão da ditadura os ‘suicídios’ tornaram-se comuns”.

Era um jornalista conhecido do público e sua morte causou certa comoção social. Em 31/10/1975 foi realizado um ato ecumênico na Catedral da Sé, conduzido por Dom Evaristo Arns, reunindo milhares de pessoas, em sua homenagem e protesto pelo assassinato. A catedral não comportou tanta gente lotando a Praça da Sé. Entre as pessoas, figuravam políticos, artistas e intelectuais, como o filósofo francês Michel Foucault, cujas aulas na FFCCH da USP tiveram que ser interrompidas. Depois do AI-5, em 1968, foi a primeira grande manifestação de protesto da sociedade civil contra a ditadura militar. A Praça da Sé foi tomada por policiais, seus cavalos e cachorros até as escadarias da Catedral.

Apesar desse aparato repreensivo a missa ocorreu tranquila até o final com cerca de 8 mil pessoas em seu interior e milhares nas escadarias e na Praça. Ao final, carros sem placa atiraram bombas de gás lacrimogênio contra os participantes. A indignação geral contra a ditadura ficou marcada também no seu túmulo e grafado na lápide: “Quando perdemos a capacidade de nos indignarmos com as atrocidades praticadas contra outros, perdemos também o direito de nos considerarmos seres humanos civilizados”. A indignação mobilizou muitos artistas a manterem o protesto e registrá-lo, tal como Gianfrancesco Guarnieri, em 1976, quando escreveu e encenou o espetáculo teatral Ponto de Partida, com o objetivo de mostrar a indignação da sociedade brasileira diante do ocorrido. Para sua esposa Clarice, não foi um consolo saber que sua morte desencadeou a primeira reação popular contra a brutalidade da repressão política do regime: “Vlado contribuiria muito mais para a sociedade se estivesse vivo”, declarou.

Recebeu diversos tributos póstumos, garantindo a permanência de sua memória. Em 2009, foi inaugurado o Instituto Vladimir Herzog com 3 objetivos: (1) organizar todo o material jornalístico sobre sua história, como meio de auxílio a estudantes e pesquisadores; (2) promover debates sobre o papel do jornalista e também discutir sobre as novas mídias e (3) tornar-se a curadoria do Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, outorgado anualmente. Em 20/5/2016, após mais de 40 anos do ocorrido e três tentativas anteriores, o Caso Herzog chegou à CIDH-Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA- Organização dos Estados Americanos, onde foi julgado em 2018 e o Brasil foi condenado por crime de lesa-humanidade por não investigar, julgar ou punir os responsáveis pela morte do jornalista Vladimir Herzog.

Ainda em 2016, a Câmara Municipal de São Paulo prestou-lhe homenagem com uma estátua estilizada em bronze, com os braços abertos, com mais de 2 metros de altura, localizada na Praça Vladimir Herzog (inaugurada em 2013) no centro de São Paulo. Dois centros acadêmicos batizaram seu nome: O CAVH-Centro Acadêmico Vladimir Herzog da Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo, e o Centro Acadêmico de Jornalismo da UFPB-Universidade Federal da Paraíba. Em 2023 foi oficializado o dia 25 de outubro como “Dia Nacional da Democracia”, marcando a data do assassinato do jornalista. Em 25/10/2025 foi celebrada uma missa na Catedral da Sé lembrando os 50 anos de sua morte.

Alguns livros contam sua história, legado e sua importância para o reestabelecimento da democracia no País: Vlado, retrato da morte de um homem e de uma época, de Clarice Herzog e Paulo Markun, publicado em 1985 pela Editora Brasiliense; A sangue quente: a morte do jornalista Vladimir Herzog, de Hamilton Almeida Fº, publicado em 1986 pela Editora Alfa-Ômega; Meu querido Vlado: a história de Vladimir Herzog e do sonho de uma geração, de Paulo Markun, publicado em 1997 pela Editora Objetiva; Dossiê Herzog: prisão, tortura e morte no Brasil, de Fernando Pacheco Jordão, publicado em 7ª edição em 2021 pela Editora Autêntica e As duas guerras de Vlado Herzog: da perseguição nazista na Europa à morte sob tortura no Brasil, de Audálio Dantas, publicado em 2012 pela Editora Civilização Brasileira e ganhador do Prêmio Jabuti naquele ano.

Encontra-se em fase de produção um filme sobre seus últimos dias e a trajetória percorrida por sua esposa, Clarice Herzog, para desmascarar o argumento defendido pela ditadura que foi um suicídio. Em 26/6/2025 foi assinado um acordo pela AGU-Advocacia Geral da União prevendo a indenização de 3 milhões à família de Vlado e o pagamento mensal de R$ 34,5 mil à viúva Clarice Herzog, 50 anos após o assassinato. Na ocasião, o Ministro da AGU pediu desculpas à família pelo fato ocorrido durante da ditadura.

4 pensou em “OS BRASILEIROS: Vladimir Herzog

  1. O assassinato de Herzog é significativo em tantas camadas que seriam necessárias muitas publicações para falar de todas com alguma profundidade. Desde a missa ecumênica da catedral da Sé; o inicio do fim do regime militar, até a sentença corajosa do Juiz Marcio José de Moraes.

    Entre os muitos livros que de alguma forma tratam de sua morte, recomendo a leitura de ‘Código da Vida”, do jurista Saulo Ramos.

    Não se trata de obra voltada exclusivamente ao caso, mas ele é abordado de um ponto de vista, digamos jurídico, narrado por alguém que participou indiretamente de um dos casos judiciais mais importantes daqueles tempos: a ação movida por D. Clarice para reconhecer a culpa do Estado pela morte de seu marido.

    Jornalistas, Advogados e, sobretudo juízes brilhantes e corajosos, enfrentaram a ditadura em uma época que isso poderia resultar em prisão, perseguição e até execução. Vale a pena ler.

  2. Grand escolha, mestre José Domingos. Na Comissão Nacional da Verdade conferimos seu caso, e vimos que na Tutoia, naquele mês, fora, “ suicidados “ não apenas Herzog mas também outros 28 presos políticos. É muito. Viva a Democracia.

    • Pois é Mestre
      Na época eu mora na rua Tomás Carvalhal, que acaba na Tutoia, onde se acabaram com muitos presos políticos.
      Viva a democracia!!!!

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