JOSÉ DOMINGOS BRITO - MEMORIAL

Rubens Beirodt Paiva nasceu em 26/12/1929, em Santos, SP. Engenheiro, empresário, jornalista e político. Deputado federal pelo PTB em 1962, foi cassado em 1964 pela ditadura militar. Após o autoexilo, retornou ao Brasil em princípios de 1970 e manteve contatos com os exilados. Em 1971 foi preso, torturado e assassinado num quartel militar do Rio de Janeiro, sob a suspeita de envolvimento com o guerrilheiro Carlos Lamarca.

Filho de Jaime de Almeida Paiva, um dos maiores fazendeiros do Vale do Ribeira e prefeito da cidade de Eldorado Paulista. Teve os primeiros estudos em São Paulo, no Colégio Arquidiocesano e Colégio São Bento e formou-se engenheiro civil pela Universidade Mackenzie numa época de grande efervescência política. Com presença ativa no movimento estudantil, alcançou a vice-presidência da UEE-União Estadual dos Estudantes. Em 1962 foi eleito deputado federal por São Paulo, no Partido Trabalhista Brasileiro-PTB. No ano seguinte participou da CPI- Comissão Parlamentar de Inquérito, criada para examinar as atividades do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais – Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IPES-IBAD), que financiava escritores com artigos sobre a chamada “ameaça vermelha” no Brasil. Sua participação nesta CPI foi uma das causas que resultou em sua prisão em 1971.

No dia do Golpe Militar, em 1° de abril de 1964, fez um breve discurso, na Rádio Nacional, criticando o governador paulista, Ademar de Barros, apoiador do golpe, e conclamando trabalhadores e estudantes a defenderam a legalidade. Foi um dos primeiros políticos cassados após o Golpe, em 10 de abril. Pouco depois, se exilou na Iugoslávia e França, onde permaneceu por um ano e retornou ao Brasil, sem comunicar as autoridades. Mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, onde voltou a exercer a engenharia e retomou seus negócios. Como atividade política em segundo plano fundou, junto com Fernando Gasparian, o Jornal de Debates; dirigiu o jornal Última Hora e manteve contatos com seus amigos exiliados e ajudou alguns deles ainda no Brasil, em risco de serem presos, a saírem do País. Em 1969 esteve em Santiago, Chile, para ajudar a exilada Helena Bocayuva Cunha, filha de seu amigo Bocayuva Cunha, também cassado em 1964.

Pouco depois, uma pessoa, que trazia uma carta de Helena endereçada a ele, foi presa pelos órgãos da repressão política. Os agentes suspeitaram que ele fosse o contato de “Adriano”, membro do MR-8 e contato de Carlos Lamarca, na época o militante mais procurado do País. Em 20/1/1971, seis homens armados invadiram sua casa e levaram-no para o quartel do comando da III Zona Aérea, junto com a esposa e filha de 15 anos. A filha foi solta no dia seguinte, deixada na Praça Saens Peña e a esposa ficou presa por 12 dias. Em seguida foi transferido para o DOI-CODI, no quartel da Polícia do Exército, onde foi interrogado, torturado e veio a falecer devido aos ferimentos sofridos. Em nota oficial, os órgãos de segurança alegaram que o carro que o levava à prisão, foi abalroado e atacado por desconhecidos, que o sequestraram. Assim, ele foi dado oficialmente como desaparecido.

A partir daí inicia a via sacra de sua esposa – Eunice Paiva – para que o Governo investigasse o desaparecimento do marido. Esteve no STM-Supremo Tribunal Militar e no Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, sempre barrada pela farsa do desaparecimento. A falsa versão foi desmascarada apenas em 2014. Em depoimento à CNV-Comissão Nacional da Verdade, o major Raimundo Ronaldo Campos, admitiu ter montado a versão, incendiando e atirando no suposto fusca no qual Paiva teria sido resgatado por subversivos, para que ele assim fosse encontrado, confirmando a versão oficial de resgate.

Em carta, ainda em 1971, ao Conselho de Defesa dos Direitos Humanos, Eunice Paiva contou que provavelmente seu marido começara a ser torturado no mesmo dia de sua prisão, durante o interrogatório na sede da III Zona Aérea, sob o comando do brigadeiro João Paulo Burnier. Em 1996, com a Lei dos Desaparecidos Políticos, promulgada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, foi emitido o atestado de óbito do deputado, ficando assim reconhecida oficialmente a sua morte. O corpo, entretanto, nunca foi encontrado.

Em fevereiro de 2014, a CNV confirmou o assassinato de Rubens. Seu relatório final concluiu que ele “foi morto e desaparecido quando (…) se encontrava sob a guarda do Estado brasileiro, em contexto de sistemáticas violações de direitos humanos promovidas pela ditadura militar, implantada no país a partir de abril de 1964, restando desconstruída a versão oficial divulgada à época dos fatos.” Em março do mesmo ano, sob condição de anonimato, o jornal O Globo publicou o depoimento de militares envolvidos no caso, esclarecendo o que foi feito com o corpo. Foi enterrado na zona oeste da cidade e 2 anos depois seus restos mortais foram jogados em alto mar.

Em seguida o MPF-Ministério Público Federal decidiu instaurar a denúncia formal de 5 militares reformados envolvidos no caso. A denúncia foi aceita e os militares tornaram-se réus pelos crimes de homicídio triplamente qualificado, ocultação de cadáver e associação criminosa, além fraude processual. O MPF pedia, também, cassação das aposentadorias e a anulação de medalhas e condecorações obtidas por eles. O entendimento foi que os crimes não estavam prescritos, pois constituíam crimes de lesa-humanidade. No entanto, na última instância, o ministro Teori Zavascki, do STF, concedeu liminar aplicando a jurisprudência da corte, reconheceu a constitucionalidade da lei de anistia, e assim suspendeu o processo.

Por outra via institucional, em 2/4/2024, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos anunciou a reabertura da investigação sobre o assassinato de Rubens Paiva. Embora tenha sido considerada constitucional pelo STF, a Lei da Anistia não abrange crimes comuns, como ocultação de cadáver. Assim, o TRF-Tribunal Regional Federal-2 negou o trancamento do processo. O relator, Messod Azulay, também entendeu que se trata de crime permanente, ou seja, crime que, em tese, ainda continua sendo perpetrado porque o corpo não foi localizado. A procuradora Silvana Batini, considerou “histórica” a decisão. Segundo ela, foi a primeira vez que a Justiça brasileira reconheceu que determinados crimes cometidos durante a ditadura militar configuram crimes contra a humanidade.

Os interessados em conhecer o caso Rubens Paiva em detalhe, podem consultar a dissertação de mestrado A construção da busca por Rubens Paiva: um estudo de caso nas investigações sobre o desaparecimento do parlamentar (2016) de Julian Schwatz Dal Piva, no CPDOC-Centro de Pesquisa e Documentação da FGV-Fundação Getúlio Vargas, (clique aqui para acessar)

Rubens Paiva vem sendo homenageado desde 1992, quando seu nome foi dado ao Terminal de Integração de Passageiros, em Santos; em 1998 nomeou a estação do Metrô do Rio, no bairro da Pavuna; em 2014, seu busto foi inaugurado na Praça Lamartine Babo, na Tijuca em frente e de costas ao 1º Batalhão de Polícia de Exército, a sede do DOI-CODI, local onde foi torturado e morto. Em 2015, seu filho, Marcelo Rubens Paiva, publicou o livro Ainda Estou Aqui, pela Editora Alfaguara, contando a história de seu desaparecimento.

O livro entrou na lista dos melhores livros do ano; foi indicado aos prêmios “Oceano” e “Governador do Estado” e obteve o 3º lugar no Prêmio Jabuti. Em 2024 foi adaptado para o cinema por Walter Salles e obteve um dos maiores recordes de bilheteria. O filme estrelado por Fernanda Torres e Selton Mello recebeu o prêmio de melhor roteiro no Festival de Veneza entre outros prêmios; Fernanda Torres foi premiada como melhor atriz no “Globo de Ouro” e foi escolhido para representar o Brasil no Oscar de 2025, na categoria de melhor filme internacional.

Obs: “Li, conferi e atesto a correção de todas estas informações”.
José Paulo Cavalcanti Filho- Membro da Comissão Nacional da Verdade.

5 pensou em “OS BRASILEIROS: Rubens Paiva

  1. Caro Sr. Brito, se me permite uma sugestão, gostaria de ver um memorial do Patriota Clezão, que também morreu em virtude de perseguição do estado; visto que foi preso sem direito à defesa, julgamento ou teve atendido (como muitos outros presos políticos atualmente) o seu pedido de relaxamento da prisão pelo PGR.

    Sinto que no futuro teremos outra Comissão da Verdade, porém esta, diferentemente da outra terá compromisso de ouvir os diversos lados da história.

    Ah, não minimizo os exageros que houve na luta do pós 64, dos dois lados.

    A anistia foi para os dois lados, o que possibilitou a mudança do regime militar sem cair uma gota de sangue.

    Hoje o lado que foi anistiado por promover atentados, roubos, mortes e torturas, não quer permitir a anistia a senhorinhas que tiveram a ousadia de rezar em frente a um quartel do exército.

    • Grato Francisco
      por sua contribuição ao nosso Memorial. Sua sugestão está sendo levada ao Conselho Consultivo do Memorial.

  2. Caro colunista: Seu timming continua perfeito, ainda mais agora com o prêmio de melhor filme internacional para Ainda Estou Aqui no Festival de Palm Springs, no último fim de semana!

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