Rubens Borba Alves de Moraes nasceu em Araraquara, SP, em 23/1/1899. Bibliógrafo, bibliotecário e um dos maiores bibliófilos do mundo. Foi também administrador, pesquisador, historiador, memorialista, ensaísta, professor e um dos destacados organizadores da Semana de Arte Moderna de 1922. Construiu, literalmente, a Biblioteca “Mario de Andrade”, de São Paulo, supervisionando a edificação e conduzindo a organização do acervo. Foi um dos pioneiros da biblioteconomia no País.
De origem tradicional paulista, sua família é descendente do bandeirante Borba Gato. Porém, segundo seu amigo e também bibliófilo José Mindlin, não tinha a empáfia de muitos quatrocentões paulistas. Eu posso confirmar esta característica a partir do contato que tive com ele numa entrevista em 1984. Aos nove anos foi morar e estudar na Europa. Graduou-se em Letras na Universidade de Genebra, onde lançou seu primeiro livro, Le Chevalier au Barizel, uma peça de teatro encenada em fevereiro de 1919. Neste ano retornou ao Brasil já inoculado pelo “vírus” da bibliofilia. Por essa época escrevia melhor em francês e teve vários de seus textos traduzidos para o português pelos amigos, particularmente seu amigo de infância, Mário de Andrade. Em São Paulo e Rio de Janeiro conviveu com um seleto grupo de intelectuais, além de Mário: Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Guilherme de Almeida, Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Luís Aranha e Menotti del Picchia ente outros, que organizaram a Semana de Arte Moderna, de 1922.
O gosto em colecionar livros surgiu aos oito anos, quando pedia aos pais que comprassem os livros dos autores que gostava. Com cerca de 18 anos, passou a comprar e colecionar obras de autores franceses contemporâneos e tiragens especiais. Por volta de 1921, um amigo iniciou uma coleção “Brasiliana”, mostrou-lhe e ele passou a se interessar pelo assunto. Vendeu seus livros franceses e iniciou a mais importante coleção “Brasiliana”. Sua biblioteca se dividia em livros antigos estrangeiros sobre o Brasil; livros de autoria de brasileiros no período colonial. primeiras impressões feitas no Brasil; e obras sobre história e literatura de autores brasileiros do século XIX
Trabalhou na criação de importantes revistas literárias desse período, como a Revista Klaxon e a Revista de Antropofagia e mais tarde colaborou noutras como Anhembi e Terra Roxa. Em 1924 publicou seu primeiro livro de ensaios, “Domingo dos séculos”, uma reflexão sobre as artes no século XX que iniciava. Neste ano passou a trabalhar como contador na Recebedoria de Rendas da Cidade de São Paulo, mas sem vocação alguma para isso. Seu amigo Sergio Milliet brincava dizendo que ele só sabia fazer contas com os dedos da mão. Pouco depois fundou um jornal opositor ao Partido Republicano Paulista, “Diário Nacional” e lutou na Revolução Constitucionalista de 1932. Na gestão do prefeito Fabio Prado (1934-38), junto com escritor Paulo Prado, Mário de Andrade e outros amigos, organizou o Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo (1935), que ficou sob a direção de Mário. Ao contínuo, este o convocou para a construção e organização da Biblioteca Pública, que veio ocorrer em 1942.
Em 1936 fundou o curso de biblioteconomia, que três anos depois, foi incorporado a Escola de Sociologia e Política, que também ajudou a fundar. Dirigiu por oito anos a biblioteca, que mais tarde veio a se chamar “Mario de Andrade” e o segundo maior acervo do País. Em sua administração realizou diversas inovações, incrementou a seção de obras raras e criou os ônibus-biblioteca instalados nas praças dos bairros. Na sua concepção, biblioteca não é apenas um lugar para guardar livros; deve fazê-los circular entre os leitores. Sofreu oposição politica ferrenha do prefeito Prestes Maia, que só pensava em construir grandes avenidas e acabou sendo demitido.
Sua ligação com a biblioteconomia não se restringiu a criar o curso. Em 1938, junto com Sergio Milliet e outros, fundou a Associação Paulista de Bibliotecários, a fim de reunir os profissionais que se iniciavam na profissão. No ano seguinte ganhou uma bolsa da Fundação Rockfeller para uma viagem aos EUA, onde passou três meses visitando algumas bibliotecas e a sede da ALA-American Library Association. Em 1944 trabalhou poucos meses na biblioteca do Ministério do Trabalho e, em seguida, foi nomeado diretor da divisão de preparo da Biblioteca Nacional, em agosto de 1944. No ano seguinte, assumiu a direção geral e implantou novas diretrizes na administração, organização e metodologia da instituição. Aí passou a sofrer outra ferrenha oposição, não política, mas burocrática do corpo de funcionários. Ficou no cargo até 1947, quando foi convidado para assumir o cargo de vice-diretor da Biblioteca da ONU, em Nova Iorque. Entre 1948 e 1949 foi nomeado diretor do Centro de Informações da ONU, levando-o a residir em Paris até 1954. Em seguida foi chamado de volta à Nova Iorque, agora como diretor da Biblioteca da ONU, cargo em ficou até se aposentar em 1959.
Entre suas obras bibliográficas mais relevantes encontra-se o Manual bibliográfico de estudos brasileiros (Rio de Janeiro: Editora Gráfica Souza, 1949; Brasília: Senado Federal, 1998. São dois volumes em coautoria com William Berrien. Em seguida publicou em inglês sua Bibliographia brasiliana, publicada em dois volumes pela editora Colibris, de Amsterdam, em 1958 e pela UCLA Latin American Center Publications (Los Angeles), em 1983. A edição em português só foi possível em 2010, pela Editora da USP com o patrocínio da FAPESP. Trata-se de uma fonte de referência indispensável aos bibliófilos, bibliotecários e estudiosos de livros raros sobre o Brasil de 1504 a 1900. Não menos relevante é também sua Bibliografia da Imprensa Régia no Rio de Janeiro, publicada postumamente pela Editora da USP e Kosmos, em 1993, com assessoria de Ana Maria Camargo e “Livros e bibliotecas no Brasil colonial”, reeditado pela Briquet de Lemos/Livros, em 2006.
Na década de 1960 publicou um livro indispensável à quem se interessa ela bibliofilia, que veio a se tornar raro: O bibliófilo aprendiz. O livro foi reeditado algumas vezes, sendo as duas últimas realizadas pelo seu discípulo e editor Briquet de Lemos em 1998 e 2005. Em seguida foi convidado para lecionar na Universidade de Brasília, onde foi professor no período 1963-1970. De volta à São Paulo, decidiu morar numa chácara em Bragança Paulista. Para conseguir o dinheiro empregado na construção da chácara, planejou a venda de 1/3 da biblioteca à uma universidade norte-americana. No entanto, ao saber da transação, Mindlin interrompe a negociação. adquire o acervo e incorpora a sua biblioteca. Mais tarde os dois passaram a conversar sobre o futuro de suas bibliotecas e decidiram que no momento em que eles não estivessem mais por aqui, o conjunto de seus acervos seriam reunidos para formar uma grande “Brasiliana”, colocada à disposição do público no âmbito da USP.
O acordo foi lavrado por Rubens em testamento, e quando veio a falecer em 2/9/1986, seu acervo foi legado à futura “Biblioteca Brasiliana”, organizado do modo com ele deixou. Em 2005 foi iniciado o projeto de organização da Biblioteca e, logo após o falecimento de Mindlin em 2010, foi inaugurada a BBM-Biblioteca Brasiliana Mindlin, constituindo-se num dos maiores acervos de obras brasilianas e raras do mundo. O bibliófilo vem sendo reconhecido com homenagens como a “Medalha de Honra ao Mérito Bibliotecário”, outorgada pelo Conselho Regional de Biblioteconomia (Brasília) aos profissionais destacados no ano. A Prefeitura de São Paulo reconheceu o trabalho de seu fundador dando seu nome à Biblioteca Pública do bairro Ermelino Matarazzo. O reconhecimento público vem ocorrendo com alguns lançamentos biográficos póstumos: “O Mestre dos Livros – Rubens Borba de Moraes”, de Sulena Pinto Bandeira, lançado em 2007 e “Testemunha ocular (recordações)”, do próprio Rubens, organizado e comentado pelo editor, lançado em 2011, ambos pela Briquet de Lemos/Livros.
Aliás, devemos creditar a Briquet de Lemos, seu colega como professor na UnB, o esforço em manter viva sua memória e legado. O lançamento mais recente reúne os comentários registados nos livros de sua própria biblioteca: “Rubens Borba de Moraes: anotações de um bibliófilo”, da curadora da BBM Cristina Antunes, lançado em 2017.
Aos interessados em conhecer um pouco mais a personalidade de Rubens, apresentamos sua última entrevista, realizada por Marco Aurélio Andrade Filgueiras, em 1982. A bem dizer não se trata de uma entrevista padrão; é mais uma longa conversa descontraída entre dois amigos, rememorando a Semana de Arte Moderna e seus participantes.
Para ler a entrevista, clique aqui: Grandes entrevistas – Rubens Borba de Moraes.
Caro Brito,
Você continua a desenvolver o excelente trabalho de tirar do esquecimento grandes figuras brasileiras.
Deus lhe pague!
Carlos Eduardo
Grato Carlão
Você também colabora com esse trabalho, me animando nessa empreitada.
Caríssimo Brito,
Você possui essa missão nobre de resgatar essas figuras históricas, que fizeram tanto pelo País, do ostracismo da historiografia oficial.
Só por isso, apenasmente por isso, merece nosso CARINHO E RESPEITO!
Um homem que passou a vida cuidando das letras, organizando as letras, a identidade da nação, assim feito como o mestre faz nesse espaço nobre do JBF, merece todos os encômios da gente.
Abraçaço e ótimo domingo!
Pois é isso, Cicero
Rubens Borba está no limbo da história, é lembrado apenas pelos bibliotecários, mas foi um dos principais organizadores da Semana de Arte Moderna, fundador da Biblioteca Mario de Andrade (a segunda maior do País), fundador da Escola de Sociologia e Política, de São Paulo, entre outras criações .
Amanhã Rui Castro vai ao programa Roda Viva dizer que a Semana não foi tão moderna assim e que o Rio era mais moderno que São Paulo. Eu não sou paulista, mas vivo aqui desde 1964 e vejo nas declarações do grande cronista Rui Castro apenas uma inveja dos cariocas pelos paulistas.
Grato pelos encômios. Gostei da palavrinha, rsrsrs
Bom domingo e abraços
Brito
Brito,
Por inteligente e gabaritado que o sujeito seja, principalmente na área humana, sempre lhe haverá um pouquinho de invejas no seu proceder em relação à determinado movimento literário. Faz parte da natureza humana.
É o caso de Ruy Castro, que aliás é um extraordinário biógrafo. Talvez o melhor do Brasil.
Dizer que a Semana de Arte Moderna não significou uma ruptura nos alicerces do atavismo literário português, é vendar os olhos à modernidade.
Somentemente o poema Os Sapos do genial Manuel Bandeira já seria o suficiente para se contrapor a RY e sua tese carioquês.
Poema Os sapos
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
– “Meu pai foi à guerra!”
– “Não foi!” – “Foi!” – “Não foi!”.
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: – “Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
Vai por cinquenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas…”
Urra o sapo-boi:
– “Meu pai foi rei!”- “Foi!”
– “Não foi!” – “Foi!” – “Não foi!”.
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
– A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo”.
Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
– “Sei!” – “Não sabe!” – “Sabe!”.
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;
Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio…
É isto, Cicero
Manuel Bandeira, que não era paulista nem carioca, é reconhecido como “São João Batista”, aquele que batizou a Semana de Arte Moderna.
Mais um goal de Jose Domingos. Resgatando nossa história. Viva.
Excelente levantamento feito sobre esse patriarca dos bibliotecários brasileiros, Brito. Tenho os livros de Rubens, inclusive, um de cartas que ele trocou com Mario de Andrade e outro de cratas que ele trocou com um livreiro português que lhe fornecia livros. O Briquet de Lemos tb merece todas as homenagens. Rubens se desentendeu com seu grande amigo, o livreiro Olyntho de Moura. Rubens tb foi amigo do nosso amigo comum, o bibliógrafo Israel Souza Lima. É isso aí, minhas felicitações.
Grande Gabriel,
Grato pelos acréscimos na biografia do nosso patriarca. Na condição de bibliófilo, seu apreço pelo Rubens Borba confirma seu legado.
Muito bom o texto, e grato por citar meu nome