JOSÉ DOMINGOS BRITO - MEMORIAL

Cícero Romão Batista nasceu em 24/3/1844, em Crato, CE. Sacerdote católico e político. Venerado no Nordeste como santo, encontra-se em processo de santificação no Vaticano tramitando há décadas. Porém, já é santo canonizado pela Igreja Católica Apostólica Brasileira desde 1973. Fundou a cidade de Juazeiro do Norte e exerceu grande influência na vida social, política e religiosa do Ceará. Devido a sua fama e supostos milagres, a cidade tornou-se a terceira maior do Estado e referência no Nordeste. Alguns dizem que seu “milagre” foi exatamente este: transformar um pequeno povoado numa cidade com mais de 300 mil habitantes no sertão do Cariri.

Filho de Joaquina Ferreira Gastão e Joaquim Romão Batista, foi influenciado pela leitura da vida de São Francisco de Sales. Aos 16 anos ingressou num colégio de Cajazeiras, PB, mas logo teve que voltar ao Crato, devido a morte do pai. A família passou por uns perrengues financeiros e ele ingressou no Seminário da Prainha, em Fortaleza, com a ajuda de seu padrinho, o coronel Antonio Luís Alves Pequeno. Era considerado um aluno mediano e foi ordenado padre aos 26 anos, em 1870, quando retornou ao Crato. No ano seguinte visitou o povoado de Juazeiro para celebrar a missa do galo. Gostou do lugar e pouco depois fixou residência no local. Exerceu a atividade pastoral com dedicação, pregando, aconselhando e visitando as pessoas da comunidade. Assim conquistou a simpatia de todos num momento em que ocorria a grande seca do Nordeste no período 1877-1879.

Assim, passou a exercer forte liderança na comunidade ao mesmo tempo em que agia com austeridade cuidando da população e coibindo os excessos nos costumes. O trabalho comunitário foi se ampliando e ele decidiu copiar a experiência do Padre Ibiapina, famoso missionário nordestino falecido em 1883, recrutando mulheres solteiras e “homens de boa vontade” para lhe ajudar no trabalho pastoral até que surgiu o primeiro milagre em 1/3/1889. Na missa dominical a hóstia oferecida à Maria de Araújo se transformou em sangue na boca da religiosa. Conta-se que o fenômeno se repetiu várias vezes e espalhou-se a notícia do milagre ocorrido em Juazeiro. A seu pedido, a diocese formou uma comissão de padres e médicos para investigar o suposto milagre. Em 13/10/1891, a Comissão concluiu não havia explicação natural para o ocorrido, confirmando o milagre.

Insatisfeito com o parecer, o bispo Dom Joaquim Alexandrino de Alencar nomeou outra comissão concluindo que houve um embuste. O bispo suspendeu suas ordens sacerdotais, causando o protesto dos fiéis na cidade e resultou num processo que durou até 2015. O papa Bento XVI, quando era cardeal, encomendou um estudo do caso para debater no Vaticano, em 2001, verificando a possibilidade de reabilitação do Pe. Cícero. Em 2006 o bispo Dom Fernando Panico enviou ao Vaticano a documentação técnica visando a reabilitação e, assim, o Padre conseguiu o perdão da Igreja Católica, em 31/12/2015. Seu envolvimento com a política se deu em 1911, quando o povoado passou a ser cidade. Foi o primeiro prefeito de Juazeiro e teve projeção política a partir de 1914, com a Revolta ou Sedição de Juazeiro. Trata-se de um confronto entre as oligarquias cearenses e o Governo Federal, devido à interferência do poder central contra a política do coronelismo. O movimento liderado por Floro Bartolomeu, Antonio Nogueira Acióli, conhecidos líderes políticos, e Padre Cicero marchou até Fortaleza e depôs o governador Franco Rabelo. O Padre sofreu retaliações por parte da igreja, mas permaneceu como “eminência parda” e ampliou sua relevância na cidade.

Em 1926 a Coluna Prestes, um grupo de rebelados do Exército comandado por Luís Carlos Prestes, estendeu suas ações até o Ceará. O então presidente Arthur Bernardes afim de derrotar os revoltosos, convocou seu amigo, o deputado Floro Bartolomeu, para organizar a resistência e derrotar a Coluna. Floro era amigo do Pe. Cícero e contou com sua ajuda para organizar os “Batalhões Patrióticos”. Eram mais de mil homens uniformizados e armados com fuzis do Exército. Saíram no encalço da Coluna, mas se deram mal. O pessoal da Coluna era mais experiente e conseguiu driblar os membros dos Batalhões. Desesperado, Floro consegue mais dinheiro do Governo e amplia sua luta com uma ideia extravagante.

Sabendo que Lampião era devoto do Pe. Cícero, idealizou uma “Guerra Santa” e convenceu o Padre a escrever uma carta à Lampião convocando-o para ajudar os “Batalhões Patrióticos” no combate a Coluna Prestes. Lampião e seu bando vai ao encontro com o Pe. e mais tarde o historiador Lira Neto escreveu que “Deus e o diabo iriam se encontrar na terra do sol”. Lampião chegou a Juazeiro em 4/3/1926; o Padre mandou chamar o funcionário graduado do Ministério da Agricultura, Pedro de Albuquerque Uchoa e fez a apresentação: “Aqui está o capitão Virgulino Ferreira. Ele não é mais bandido. Veio com 52 homens para combater os revoltosos e vai ser promovido a capitão. Olhe, o senhor vai fazer a patente de capitão do Sr. Virgulino Ferreira e a de tenente do seu irmão”. Uchoa ficou pasmo, perplexo e tentou argumentar que não podia, mas o irmão de Lampião foi decisivo: “Não! Se meu padim está mandando o senhor pode”.

Quem primeiro trouxe a história da patente de capitão e a figura de Uchoa ao conhecimento geral foi Leonardo Mota (1891-1947), em seu livro No tempo de Lampião”, lançado em 1930. Parte dos termos do documento referente a patente de Lampião foram: “Pelo Governo Federal é concedido a Virgulino Ferreira a patente de capitão do Exército, por serviços prestados a República”. Lampião não botou fé naquele documento, mas como recebeu 100 contos de réis, armas e muita munição, partiu para o confronto com a Coluna Prestes, que não se deu. Em dado momento, decidiu testar sua autoridade, e mandou um recado aos seus desafetos em Pernambuco (Vila de Nazaré), querendo saber como seria recebido na condição de oficial do Exército Patriótico. A resposta foi concisa: “a bala”.

Lampião tentou falar de novo com o Padre, mas não foi recebido e continuou sua vida de cangaceiro, agora mais rico, mais armado e ostentando o título de “Capitão”. Quem não se deu bem foi o Pe. Cicero. Em 10/8/1926 o jornal do Recife A Noite estampava: “E ainda agora, para coroar toda esta obra de misérias que o Padre Cícero vem desenvolvendo ao longo de anos, Lampião passeia a sua impunidade nas ruas de Juazeiro, garantido e hospedado pelo padre satânico”. Sua força política acabou depois da Revolução de 1930, mas o prestígio como santo milagreiro aumentaria cada vez mais após seu falecimento em 20/7/1934. Em março de 2001, foi escolhido “O Cearense do Século”, em votação promovida pela TV Verdes Mares, em parceria com a Rede Globo; em julho de 2012, foi eleito um dos “100 maiores brasileiros de todos os tempos” em concurso realizado pelo SBT, em conjunto com a BBC; foi declarado “servo de Deus” em junho de 2022 pela Santa Sé, quando foi autorizada a abertura do processo de beatificação; em outubro de 2023, seu nome foi inscrito no “Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria”. Uma robusta biografia – Padre Cícero: poder, fé e guerra no sertão – foi escrita por Lira Neto e publicada, em 2009, pela Companhia das Letras.

3 pensou em “OS BRASILEIROS: Padre Cícero

    • Sabe, Dom José Paulo,
      seu comentário me faz pensar em mudar o nome do memorial para “Monumento do Povo Brasileiro”. E não se trata de megalomania, é que a ideia, além de manter a memória, é criar um espaço na Internet para registrar os nomes junto com uma síntese biográfica de todos os brasileiros e brasileiras que, de algum modo, deixaram seus nomes marcados na História do País.

      Grato pela sugestão involuntária
      Brito

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