JOSÉ DOMINGOS BRITO - MEMORIAL

Noel de Medeiros Rosa nasceu em 11/12/1910, no Rio de Janeiro, RJ. Compositor, cantor, violonista e um dos nomes mais destacados não apenas no samba, mas na história da música popular brasileira. Sua contribuição foi fundamental na legitimação do samba como ritmo genuinamente brasileiro. Em seu curto período de vida deixou mais de 250 músicas, muitas delas clássicas do cancioneiro popular.

Nascido de um parto complicado, que incluiu o uso de fórceps para salvar a vida da mãe e da criança. Além disso, tinha uma hipoplasia, com uma diminuição da mandíbula, que marcou sua feição dotando-o de uma fisionomia particular. Cresceu no bairro carioca de Vila Isabel, reduto de boêmios e sambistas tradicionais do Rio de Janeiro, oriundo de uma família de classe média. Estudou no tradicional Colégio de São Bento e dizem que, não obstante a inteligência, não era um aluno aplicado nos estudos.

Aprendeu a tocar bandolim de ouvido ainda adolescente e gostou da atenção que despertou nos ouvintes. Pouco depois passou ao violão e logo fazia parta das rodas de samba. Aos 21 anos entrou na Faculdade de Medicina, mas cedo se deu conta da inviabilidade do projeto de ser médico diante da vida de artista que se apresentava entre as noitadas regadas a cerveja. Aos 19 anos já era integrante do “Bando dos Tangarás”, ao lado de Braguinha, Almirante e Henrique Brito. Em 1929 compôs Minha viola e Festa no céu e no ano seguinte, aos 20 anos, surge o primeiro grande sucesso Com que roupa?, uma de suas clássicas composições,

No folclore musical surgiu uma história em que ele, em certa noite, queria sair com os amigos, mas sua mãe não deixou, escondendo suas roupas. Foi aí que perguntou: “Com que roupa eu vou?” Mas esta história foi desmentida por Almirante, seu parceiro e primeiro biógrafo. Ele atesta que os primeiros acordes da música eram muito parecidos aos do Hino Nacional. O problema foi detectado pelo maestro Homero Dornelas e Noel prontamente fez a modificação. O fato é que ele era um grande cronista e suas músicas eram um retrato da vida simples e cotidiana, que primam pelo humor e pela veia crítica. Orestes Barbosa chamava-o de “o Rei das letras”.

O cotidiano e o humor sempre estiveram nas letras de suas músicas, incluindo as “brigas”. Numa polêmica com seu rival Wilson Batista, os dois pelejaram em sambas. Os dois andaram enamorados de uma morena do “Dancing Apollo. Noel compôs o samba Rapaz folgado, detonando a empáfia de Lenço no pescoço, de Wilson. Este, quando ouviu o samba, deu o troco com Mocinho da Vila, aconselhando Noel a cuidar de seu microfone e deixar quem era malandro em paz e ao final orgulhava-se “modéstia à parte, eu sou rapaz (folgado?)”. Noel continuou a polêmica com Feitiço da Vila: “modéstia à parte, eu sou da Vila (Isabel)”. Em seguida, Wilson compõe Conversa fiada, questionando a superioridade do bairro. Noel retruca com o samba Palpite infeliz. Ao final da “briga”, os dois tornaram-se parceiros e amigos.

A vida boêmia nos bares da lapa era intensa e parece que começava cedo no café da manhã: Seu garçom, faça o favor de me trazer depressa / Uma boa média que não seja requentada / Um pão bem quente com manteiga à beça… Essa Conversa de botequim é um dos seus maiores sucessos. Até agora já foi executada mais de 546 mil vezes na Spotfy e 1.3 milhão de vezes no Youtube. Ao longo da breve vida teve muitas namoradas e foi amante de outras já casadas. Aos 24 anos casou-se com Lindaura Martins, por quem tinha certo afeto, mas era apaixonado mesmo por Ceci, prostituta de um cabaré na Lapa. Essa paixão resultou no samba Dama do Cabaré, outro sucesso. Ele quis tirá-la da “vida fácil”, dar-lhe uma casa e uma vida tranquila como amante. Mas ela recusou a oferta; não queria ser uma “manteúda”; queria alguém que assumisse o casamento. Era uma mulher bonita, elegante e educada. Mas ele não pode encarar o escândalo social e na família, que não aceitaria o casamento com uma meretriz.

A vida boêmia segue o curso, às vezes interrompida com tratamentos contra a tuberculose que o consumia. Viajou diversas vezes para cidades montanhosas em função do clima e passou uma temporada em Belo Horizonte. De lá, escreveu ao seu médico, Dr. Graça Melo: “Já apresento melhoras/Pois levanto muito cedo/E deitar às nove horas/Para mim é um brinquedo/A injeção me tortura/E muito medo me mete/Mas minha temperatura/Não passa de trinta e sete/Creio que fiz muito mal/Em desprezar o cigarro/Pois não há material/Para o exame de escarro”.

De volta ao Rio, sentiu alguma melhora e parou com as medicações. Achou que estava curado, mas pouco depois adoeceu fortemente, não conseguindo mais se alimentar e nem levantar da cama. Faleceu repentinamente em 4/5/1937 aos 26 anos. Sua vida foi filmada e biografada diversas vezes. São filmes de curta, média e longa duração, com destaque para “Noel – Poeta da Vila” (2007), baseado na essencial biografia Noel Rosa: uma biografia (1990), de João Máximo e Carlos Didier. No teatro também foi retratado na peça O poeta da Vila e seus amores (1977), de Plínio Marcos e cenário de Flávio Império, inaugurando o Teatro do SESI, em São Paulo. Em 2010, centenário de seu nascimento, a Escola de Samba Unidos da Vila Isabel desfilou em sua homenagem com o samba Noel: a presença do “Poeta da Vila”, de Martinho da Vila. Em 2016 foi agraciado in memoriam com a “Ordem do Mérito Cultural do Brasil”, na classe de grão-mestre.

10 pensou em “OS BRASILEIROS: Noel Rosa

  1. Sua crônicas memorialísticas, meu caro colunista Brito, são sempre magníficas. Só fazem acrescentar mais informações sobre o biografado.

    Noel Rosa foi um gênio e como gênio recebeu tratamento respeitoso a altura de sua genialidade.

    Parabéns, mestre Brito mais essa pérola.

    • Parabéns pela perfeição do texto, prezado colunista Brito!

      Sou fã incondicional de Noel Rosa, um gênio predestinado, que só viveu 26 anos, mas deixou uma obra memorável, de mais de 250 composições. Obras que ele mesmo gravou ou que foram gravadas por inúmeros intérpretes, que eternizaram sua arte.
      Aracy de Almeida e Marília Baptista são apontadas como as melhores intérpretes da obra de Noel Rosa.

      No início da década de 1950, anos depois da morte de Noel Rosa (4.5.1937), Aracy de Almeida o tirou do ostracismo, e passou a ser sua maior divulgadora.

      “Último Desejo” e “Três Apitos” são as minhas preferidas.

      Grande abraço, e uma excelente semana!

        • Prezado Brito:
          A resposta está neste “achado” da Internet:

          “A Biblioteca Nacional homenageia Aracy de Almeida, “Araca”, a “Dama do Encantado”, que nos deixou em 20 de junho de 1988. A memória mais recente da cantora é do seu final de carreira como a jurada de TV mordaz, rabugenta e rigorosa no programa Show de Calouros de Silvio Santos.
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          “Conheceu Noel Rosa através do cantor e compositor Custódio Mesquita, na Rádio Educadora do Brasil. No mesmo dia Noel fez para ela a canção “Seu riso de criança”, que iniciou uma parceria por toda vida do compositor.
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          Morou com Vinícius de Morais e Antônio Maria nos anos de 1950. Foi por esta época que, num espetáculo da Boate Vogue, no Rio de Janeiro, Aracy apresentou um espetáculo cujo repertório era basicamente de obras de Noel Rosa, na época esquecido do público. Foi um sucesso e a redescoberta da obra de Noel Rosa.

          O disco de estreia desta redescoberta foi o álbum “Noel Rosa”, um dos primeiros chamados de “conceituais” da fonografia nacional, na forma e no conteúdo, totalmente autoral. Era um luxo na época! Capa de Di Cavalcanti, textos de Lúcio Rangel e Fernando Lobo e direção musical de Radamés Gnatalli. A Divisão de Música da Biblioteca Nacional possui um exemplar deste álbum.”

          Grande abraço!

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