JOSÉ DOMINGOS BRITO - MEMORIAL

Antoine Hercule Romuald Florence, nasceu em Nice, França, em 29/2/1804. Desenhista, pintor, tipógrafo, inventor e polígrafo, i.é, dotado em diversas matérias científicas. Aos 20 anos passou a viver no Brasil e ficou conhecido como um dos pioneiros no invento da fotografia e criador da palavra “photographie”. Acredita-se que não ficou reconhecido no mundo como inventor devido ao excesso de modéstia e viver num país fora do circuito europeu.

Desde criança demonstrava talento para o desenho e logo cedo tornou-se aventureiro viajante. Aos 16 anos tomou um navio e foi parar no porto de Antuérpia, onde foi assaltado. Empreendeu uma viajem, praticamente a pé, até Mônaco, após breve passagem pela Holanda. Em seguida renovou o passaporte e, em 1824, embarcou para o Brasil. Sem falar português, trabalhou numa loja de roupas e numa livraria/tipografia. Soube da realização de uma expedição científica em busca de desenhistas que fizessem a documentação ilustrada de uma grande viagem pelo norte do Brasil.

Era a expedição Langsdorff, uma empreitada fruto das relações comerciais entre a Rússia e o Brasil visando a exploração geográfica e de novos produtos. Foi admitido como desenhista e percorreu 13 mil quilômetros no período 1826-1829. Seu trabalho resultou numa grande coleção de imagens de valor inestimável, segundo os cientistas brasileiros e estrangeiros, conforme ficou registrado no livro Etnografia e iconografia nos registros de Hércules Florence durante a expedição Langsdorff, na província do Mato Grosso – 1826-1829, de Sonia Maria Couto Pereira (Ed. da UFGO 2016). Tal edição foi possível graças ao seu diário de bordo, publicado em 1875 pelo Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro, publicado posteriormente em várias edições com o título Viagem fluvial do Tietê ao Amazonas – 1825-1829. As ilustrações de Florence, os documentos e as amostras coletadas pela expedição Langsdorff foram esquecidas por mais de um século na Academia Imperial da Rússia, em São Petersburgo e redescobertos somente em 1930. Foi publicada aqui, em 1988, pela Editora Alumbramento com o título Expedição Langsdorff: iconografia da Academia de Ciências da União Soviética.

Em seguida, passou a viver em São Paulo, onde casou-se com Maria Angélica Vasconcelos, em 1830, tiveram 9 filhos e fixaram residência nas proximidades de Campinas. Pouco depois observou a descoloração sofrida pelo tecido exposto à luz do sol. Informado pelo botânico Joaquim Correia de Melo das propriedades do nitrato de prata, iniciou investigações sobre fotografia. Suas primeiras experiências com a câmera obscura datam de janeiro de 1833 e encontram-se registradas no manuscrito Livre d’Annotations et de Premier Matériaux. Mais de 150 anos depois, o exame detalhado desse manuscrito por Boris Kossoy levou-o a comprovar o emprego pioneiro da palavra “photographie”, 5 anos antes que o vocábulo fosse utilizado pela primeira vez na Europa. (Kossoy, Boris. Hercule Florence, a descoberta isolada da fotografia no Brasil, 3ed., São Paulo: EDUSP, 2006).

Seu êxito foi construir de modo rudimentar uma câmera escura usando uma lente e uma paleta de cores como base, obtendo uma imagem fotográfica e cunhado o termo que se eternizou como “fotografia”. Constatando-se que o cientista inglês William Fox-Talbot realizou tal façanha, porém alguns anos depois, constata-se que Hércules Florence o antecedeu na invenção de uma foto impressa. Ele mesmo lamentou o fato de não ter sido reconhecido com seu invento, conforme publicou no seu livro-diário “L’Ami des arts livré à lui même ou Recherches et découvertes sur différents sujets nouveaux” (O amigo das artes entregue a si mesmo ou pesquisas e descobertas em novos tópicos diferentes)

Seu lamento é um desabafo diante do fato de viver num país onde o conhecimento não é prestigiado: ”Estou certo de que, se estivesse em Paris, um único de meus descobrimentos poderia, talvez suavizar-me a sorte e ser útil a sociedade. Lá, talvez não me faltassem pessoas que me ouviriam, me adivinhariam e me protegeriam. Estou certo de que o público, o verdadeiro protetor dos talentos, me compensaria de meus sacrifícios. Aqui, porém, ninguém vejo a quem possa comunicar minhas idéias. Os em condições de as entenderem, seriam dominados por suas próprias idéias, por suas especulações, pela política, etc.”

Foi pioneiro também na imprensa. Em 1836 fundou em Campinas O Paulista, primeiro jornal do interior do Estado. Em 1843 inventou um novo método de impressão para evitar falsificações e publicou num folheto apresentado na Academia de Ciências e Artes de Turim, que constatou ser ele um merecedor da proteção do Governo da Sardenha. Em 1847 descreveu o emprego dos “typo-silabas”, ideia precursora da taquigrafia. Como se vê, seus inventos giravam em torno da impressão e documentação. Em 1850 ficou viúvo e pouco depois casou-se com Carolina Krug, educadora e fundadora do Colégio Florence, em Campinas. Seus desenhos do litoral, do interior e da capital paulista serviram de base para diversas pinturas de autores como Benedito Calixto, José Wasth Rodrigues e Alfredo Norfini entre outros, O diretor do Museu Paulista, Afonso d’Escragnolle de Taunay, no período 1917-1945, denominou-o como “patriarca da iconografia regional”. Faleceu em 27/3/1879.

Foi um prodigioso inventor de registros documentais, bem como um documentalista diligente ao deixar publicado diversas publicações contendo valiosas informações sobre suas descobertas, além das citadas no seu livro-diário: (1) Ensaio sobre a impressão das notas de banco por um processo totalmente inimitável, precedido por algumas observações sobre a gravura das mesmas notas, e o modo de se conhecer as que são falsas. Campinas: Tipografia de Costa Silveira, 1841; (2) Zoophonia. Revista do Instituto Histórico Geográfico e Etnográfico do Brasil. Vol. XXXIX, 1876 e Viagem fluvial do Tietê ao Amazonas de 1825 a 1829. São Paulo: Melhoramentos, duas edições – 1941 e 1948; 3ª ed. em 1977, pela Editora Cultrix e 4ª ed. em 2002, pela Editora do Senado Federal.

Segundo seu biógrafo Leão Estevão Bouroul – Hércules Florence. São Paulo: Tipografia Andrade Mello & Cia., 1900- “a vida de Florence é a narração singela e comovente das peripécias, das descobertas, das viagens, que constituem uma das páginas mais interessantes dos anais do século XIX brasileiro”. Consta mais uma biografia escrita por Dayz Peixoto Fonseca e publicada em Campinas pela Editora Pontes, em 2008: O Viajante Hércules Florence: águas, guanás e guaranás. O Instituto Hercule Florence conta com grande acervo de informações à disposição do público.

3 pensou em “OS BRASILEIROS: Hércules Florence

  1. Semana passada esta coluna publicou a biografia de Landell de Moura, o inventor do rádio. Agora publica Hércules Florence, o inventor da fotografia, dois ilustres desconhecidos dos brasileiros.

  2. Muito bom, Brito!
    Iniciei a leitura do livro “Viagem fluvial do Tietê ao Amazonas de 1825 a 1829”, que baixei da Biblioteca do Senado Federal (www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/188906).
    Tenho certeza de que será muito interessante e instrutivo espreitar os pensamentos desse francês educado, recebido em Santos pelo cônsul inglês como membro de uma expedição financiada pelo governo russo, ao percorrer as cidades, povoados, rios e matas do Brasil do início do século XIX
    Logo em seu primeiro parágrafo Hércules Florence nos informa que “não estávamos, contudo, a cômodo nesse acanhado barco, tanto mais quanto, além das cargas e da bagagem nossa que levava, transportava 65 escravos, negros e negras, recentemente introduzidos d’África e todos cobertos duma sarna, adquirida na viagem, que, exalando grande fétido, poderia nos ter sido nociva, caso durasse mais o contato a que ficamos obrigados e fora a atmosfera calma e parada”.
    Notável a crença, milenar, na transmissão das doenças pelo miasma. Notável também a total falta de empatia pelos africanos.

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