JOSÉ DOMINGOS BRITO - MEMORIAL

Francisco Julião Arruda de Paula nasceu em Bom Jardim, PE, em 16/2/1915. Advogado, escritor e político. Ficou conhecido como líder do movimento “Ligas Camponesas”, no início da década de 1960. Parlamentar e advogado do movimento, batalhou pela reforma agrária e foi protagonista de importantes conquistas sociais para o campesinato brasileiro.

Filho de Maria Lídia Arruda de Paula e Adauto Barbosa de Paulo, aos 13 anos, foi estudar no Recife e concluiu o curso secundário no Instituto Carneiro Leão, em 1933. Em seguida entrou na Faculdade de Direito, diplomando-se em fins de 1939. Na Faculdade, um núcleo de oposição ao governo, envolveu-se na política social junto aos camponeses. Após montar seu escritório de advocacia, verificou a enorme distância que separava “a lei codificada e a que realmente se aplicava no campo” e costumava dizer que a “grande revolução em curso se limitava a tirar o camponês da porta do delegado para a porta do juiz”. Como advogado dos camponeses, escreveu alguns documentos, como a “Carta aos foreiros de Pernambuco”, em 1946, incentivando a presença dos camponeses nas audiências e julgamentos dos processos. Em 1951 publicou seu primeiro livro – Cachaça -, um relato sobre a prática dos latifundiários em pagar os trabalhadores com a bebida, o qual foi elogiado por Gilberto Freyre. Ingressou no PSB-Partido Socialista Brasileiro, em 1954, e foi eleito deputado estadual. No ano seguinte assumiu a defesa dos moradores do engenho Galileia, um engenho desativado, cujo proprietário arrendou as terras em pequenos sítios, num sistema de cooperativa, às 140 famílias lá existentes.

O proprietário do engenho decidiu acabar com a cooperativa e expulsar os camponeses. Julião entrou com um processo na justiça afim de garantir a posse pelos moradores, deflagrando uma luta jurídica, com ganho de causa 4 anos depois pelos camponeses. Foi a partir daí que o movimento ganhou o nome de “Ligas Camponesas”. Em 1955 ocorreu o “Congresso pela Salvação do Nordeste”, organizado pela Prefeitura do Recife, sob a gestão de Pelópidas Silveira. Na ocasião deu-se uma concentração de 3 mil camponeses na Assembleia Legislativa, onde Josué de Castro, autor do livro Geografia da fome, fez uma palestra sobre a reforma agrária. O movimento das “Ligas” foi intensificado até 1958, quando Cid Sampaio foi eleito governador. Uma coligação dos partidos de esquerda foi vencedora pela primeira vez desde o fim do Estado Novo. Com a criação de um departamento de terras e colonização, no governo, foram organizadas algumas cooperativas de agricultores visando diminuir o poder das “Ligas”, que passam a despertar o interesse da imprensa e ganham repercussão nacional.

No início da década de 1960, o jornal The New York Times publicou artigos sobre a gravidade da situação econômica-social e do movimento político no Nordeste. Pernambuco foi visitado por jornalistas e políticos dos EUA, que viam a situação como séria ameaça. Segundo analistas, o impacto causado pela recente revolução cubana foi utilizado pelos norte-americanos para criar uma “mitologia em torno das ligas”, que deu ao movimento “uma dimensão que ele não tinha”. Com a renúncia do presidente Jânio Quadros e a posse de Jango, o programa de reformas de base ganhou impulso. Após o Congresso de Trabalhadores Agrícolas, realizado em 1961, foi decidida a “radical transformação da estrutura agrária do país” e a “aplicação da parte da legislação trabalhista já existente que se estende aos trabalhadores agrícolas”, além da “elaboração de um estatuto que vise uma legislação adequada aos trabalhadores rurais”.

A partir de 1962, deu-se o enquadramento institucional patrocinado pelo governo. A CLT-Consolidação das Leis do Trabalho e o direito de organização sindical foram estendidos ao campo. No mesmo ano, Julião foi eleito deputado federal numa coligação do PSB-Partido Socialista Brasileiro com o PST- Partido Social Trabalhista e foi combatido pelo governo de João Goulart e pela Igreja. Nas eleições para governador, aliou-se a candidatura de Miguel Arraes, que teve apoio de todas as forças nacionalistas e de esquerda. A vitória de Arraes ocorreu no momento em que se dava em todo o país a polarização entre as forças que defendiam reformas sociais e as tendências conservadoras. No ano seguinte, deu-se a primeira greve dos trabalhadores rurais de Pernambuco, que paralisou a economia do estado e tiveram suas reivindicações atendidas.

As tensões políticas foram intensificadas em todo o País e tivemos o Golpe Militar de 31 de março de 1964. Julião encontrava-se na Câmara dos Deputados, que foi cercada pela tropa militar. Saiu dali escondido num carro e foi para Belo Horizonte disfarçado de migrante nordestino. Em 9 de abril, com a edição do Ato Institucional nº 1, ele estava entre os primeiros atingidos e passou a ser procurado. Em 3 de junho foi encontrado e preso por 20 dias em Brasília. Em seguida foi entregue à tutela do IV Exército, no Recife, onde ficou 40 dias numa cela solitária. Depois foi ficou preso num alojamento do Corpo de Bombeiros junto com o governador Miguel Arraes.

Em 27/9/1965, foi libertado através de um habeas-corpus impetrado por seu advogado Sobral Pinto. Deram-lhe 24 horas para deixar o País e recebeu convite de Fidel Castro para viver em Cuba. Preferiu viver com a família em Cuernavaca, México. A partir daí, passou a proferir palestras, ministrar cursos e redigir artigos regulares para os jornais Siempre e El Dia, além de publicar o livro Cambão: a cara oculta do Brasil. Mais tarde participou do Encontro dos Trabalhistas do Brasil com os Trabalhistas no Exílio, em Lisboa sob a liderança de Leonel Brizola, em 1979. No mesmo ano, com a anistia, retornou ao Brasil e passou a reorganizar o PTB junto com Brizola. No entanto, perderam a sigla numa disputa com a ex-deputada Ivete Vargas e criaram o PDT-Partido Democrático Trabalhista.

Em 1985 participou da campanha eleitoral do candidato a prefeito de São Paulo, Ademar de Barros Filho. Foi criticado por isto, mas alegou que ele representava o capital nacional e que era preciso unir forças com diversas correntes políticas. Em 1986 concorreu a uma vaga de deputado constituinte por Pernambuco, pelo PDT, com apoio do PT-Partido dos Trabalhadores e PSB-Partido Socialista Brasileiro. No arco das coligações partidárias, participou de comícios do PFL-Partido da Frente Liberal ao lado de usineiros e apoiou a candidatura do pefelista Roberto Magalhães ao Senado. Tal aproximação com seus adversários na década de 1960, provocou um estranhamento entre seus eleitores e correligionários, incluindo seus dois filhos Anatólio e Anatilde, dirigentes regionais do PDT, que se desligaram do Partido e ingressaram no PMDB-Partido do Movimento Democrático Brasileiro, em protesto contra a atitude do pai.

Pouco depois, derrotado eleitoralmente, declarou ter dado “um golpe de misericórdia no próprio mito”. Em fins de 1986 recebeu convite de uma editora mexicana para escrever o livro Os últimos soldados de Zapata e voltou a viver no México, onde faleceu em 10/7/1999. Além dos livros citados, publicou Irmão Juazeiro (1961), O que são as Ligas Camponesas (1962), Até quarta, Isabela (1965) e Escuta camponês (s.d). No Exílio, traduziu do francês, junto com Miguel Arraes, o livro A mistificação das massas pela propaganda política (1967), de Sergei Tchakhotine. Em termos biográficos, temos um alentado trabalho de 10 anos de pesquisa, realizado por Cláudio Aguiar, que resultou no livro Francisco Julião: uma biografia, publicado pela Ed. José Olympio em 2015.

14 pensou em “OS BRASILEIROS: Francisco Julião

  1. Caro Brito, tenho alguns complementos:

    Francisco Julião era de família de decadentes donos de engenho. Como era de tradicional família teve a chance de estudar em Recife, nas melhores escolas.

    Como conhecia bem de perto os engenhos de cana do NE e vinha de família decadente, foi influenciado na academia com as ideias de esquerda. Quando deixou a faculdade já possuía ideias marxistas e considerava fundamental a participação dos camponeses na transformação da sociedade brasileira.

    Durante os anos 60 incentivava uma luta armada para implantar no BR o regime comunista com a revolução das ligas camponesas. Foi preso e defendido por um advogado católico conservador franzino, de nome Heráclito Fontoura Sobral Pinto (sua história de vida ainda será reconhecida). Deveu, assim como Prestes e vários outros comunistas, sua vida àquele advogado.

      • Caro Brito, Julião se disse marxista socialista, mas não era comunista. pois considerava este regime uma “bela utopia”.

        Acho que não é preciso dizer mais nada de seu pensamento político.

        Apesar de nunca ter sido um campesino (longe disso), Julião gostava de se disfarçar como um.

  2. Caro Brito:
    Pessoas que defedem a ditadura do proletariado como Julião, atrelada a governo comunista da antiga URSS nao merecem serem colocadas no rol dos brasileiros. Coloque o Sobral Pinto que terei mais consideração
    Abs

    • Caro Gonzaga, não é de hoje que sugiro o nome do Ilustre advogado Heráclito Fontoura Sobral Pinto para ser retratado na coluna, mas acho que o colunista aparentemente não vê relevância na figura. Reitero que Brito tem total liberdade para retratar quem quiser na sua coluna, assim como n´[os temos de sugerir nomes.

      Julião, já na década de 60 teve a oportunidade de se refugiar em Cuba, país que admirava, escolheu o México. Cuba naquela época ainda não era o desastre humanitário que é hoje.

      Abraço

      • Caro Brito, ao resumir todo o trabalho do Dr. Heráclito Fontoura sobral Pinto à “defesa dos Direitos Humanos”, (o que não foi pouco na sua época) v. não dá a sua real importância.

        Eu acredito que quando fores pesquisar sobre sua vida e a retratar na sua coluna, irá ter ciência da verdadeira dimensão de seu legado.

        Abraço

  3. Se não me falha a memoria, li um livro da socióloga Leda Barreto de nome: Nordeste, Revolução e Julião. Ela traça o verdadeiro perfil sobre chico julião..

  4. Até Quarta, Isabela (1965), é um libelo de esperança de um homem que está preso para sua Isabela, que está livre da cadeia, respirando o vento do orvalho da liberdade.

    Abraçaço, mestre Brito.

  5. Na década de 80 fiz uma entrevista com Francisco Julião, para o livro VALE DO SIRIJI.

    O tema foi apenas assuntos exclusivos dos engenhos de açúcar da Região.

    Gostei dele como pessoa e você fez um grande trabalho biográfico, com a síntese da vida dele.

    No livro de Paulo Cavalcanti, pernambucano do Recife, O CASO EU CONTO COMO O CASO FOI, há bons comentários sobre os momentos dos dois presos no QG da 7a. RN, no Recife.

    Bom domingo, amigão.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *