JOSÉ RAMOS - ENXUGANDOGELO

“Maria Fumaça” na curva carregando oito vagões

A velha Estação estava repleta. Lembro bem que era um dia de sábado e a manhã ainda estava pela metade.

Era, também, o segundo dia das férias escolares, e aqueles familiares ávidos pelos abraços fraternos dos filhos e netos que estudavam na capital deixavam perceber o nervosismo pelas conversas em alto tom e os elogios que faziam ao sucessos dos rebentos. Emoções descontroladas.

Empregados das casas de fazendas conduziam animais prontos para levar os estudantes aos seus aposentos. Outros conduziam apenas animais preparados para transportar as malas de bagagem.

De forma repentina, parecendo milagre, a máquina “Maria Fumaça” apontou na última curva antes da parada na Estação Marechal Rondon – nome dado em homenagem ao bravo brasileiro que tentou implantar o serviço ferroviário no interior do Brasil.

A máquina “Maria Fumaça” nunca apitava ao surgir naquela última curva. Era uma característica, embora não fosse proibido apitar – mas, aquelas nuvens de fumaça, algumas vezes, até que conseguiam substituir os apitos de aviso da chegada do comboio ferroviário.

A máquina encostava na Estação. De praxe, soltava aquela nuvem de fumaça e aquele vapor importante na propulsão do trem e os seis vagões arrefeciam. O trem parava. Algumas poucas portas que eram travadas durante o percurso (para evitar possíveis acidentes provocados pelas peraltices infantis) se abriam e alguns pais atônitos e movidos pela saudade se apressavam em ajudar os filhos no desembarque.

Avós e pais esperam filhos passageiros do trem

A partir daquele momento de desembarque, o sábado se tornava diferente, alegre, infantil.

Na casa grande sem senzala do povoado, Joaquim Albano tomara todas as providências antes de partir para a Estação acompanhado de dona Clarice para esperar os netos Carlos Augusto e Rafael – os dois estudavam no Colégio Militar com sede na capital.

Os meeiros e compadres Duda e Nonoca foram convidados, com ares de intimação, para ajudar nos preparativos da festa da chegada dos netos.

Cedinho ainda, tão logo chegara à casa grande, Duda recebeu ordens para abater aqueles dois porcos que, de tão grandes, sequer conseguiam se levantar para comer. Um bezerro que vivia entristecido pelos currais, também fora abatido. Nonoca foi encarregada de abater dez galinhas – cinco para preparar ao molho pardo (preferência de Carlos Augusto) e as outras cinco sem o molho (preferência de Rafael).

Malas desfeitas em meio aos muitos abraços e bênçãos. Conversas, afagos, elogios e as perguntas pela saúde e pelo crescimento no Colégio.

O banho e, em seguida, uma rápida espiada no horizonte da fazenda da Casa Grande que os olhos alcançavam. O chamado para o almoço – o lugar de Joaquim, continuava vazio. Clarice levanta, vai à procura dele, pois os netos e alguns poucos privilegiados com o convite estão famintos.

Clarice encontrou Joaquim deitado na cama. Não deitara por acaso. Necessidade. Desfalecimento. A morte chegara de repente, trazendo o infarto provocado pela demasiada alegria da reunião familiar.

– “Acudam”! Gritou Clarice, em desespero!

Os poucos empregados da casa acorreram, mas, infelizmente, não puderam mais fazer nada que não fosse cair em lamentações.

Todos deduziram que a alegria também pode matar.

O tempo passou. As férias que se prenunciavam boas, repentinamente se transformaram nos dias mais tristes para aqueles que viviam na Casa Grande – que jamais foi uma senzala.

A vida continuava para os que ficaram. Carlos Augusto e Rafael precisavam retornar ao Colégio. O movimento que envolvia a viagem de retorno para a Estação e da viagem até a capital foi diferente.

De hábito, além das lágrimas da partida, o apito choroso e demorado da “Maria Fumaça”, que nunca apitava na chegada, mas mostrava o quanto era triste a partida. Da máquina ou do homem.

6 pensou em “O TREM QUE NÃO APITAVA NA CURVA

  1. Caro Zé Ramos,

    Mais uma das suas belíssimas crônicas.

    O poeta alemão Schiller dizia que “Quanto mais verdadeiro, mais é poesia!”

    Tuas crônicas, de tão verdadeiras, nos faz parecer que estamos vendo de corpo presente as cenas narradas. É POESIA PURA!

  2. Meu caro José: que conto lindo e emocionante.
    Muito bem escrito. Meus parabéns, meu jovem!
    Tenha um bom início de semana.
    Abraços,
    Magnovaldo

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