Quando um amigo visitou Irwin Schiff na prisão, notou que ele parecia muito frágil e doente. Notou também que, apesar da idade, ele era o único preso na sala de visitas que estava algemado; os demais conversavam com seus visitantes sem algemas. E não pôde deixar de observar que não havia outros presos que se aproximassem da idade de Schiff, 77 anos. Normalmente, presos nesta idade são colocados em prisão domiciliar ou mesmo libertados por “razões humanitárias”. Isso não aconteceu com Schiff. Aos 80 anos, ele foi transferido da penitenciária federal de Nova York para o Texas, sob o argumento de que as instalações médicas eram mais bem equipadas. Isso dificultou muito as visitas da família e deixou Irwin sozinho. Os supostos cuidados médicos não se mostraram verdadeiros. Durante os próximos sete anos, a catarata o deixou completamente cego e um câncer de pele não tratado se espalhou para o pulmão e posteriormente pelo restante do corpo. Quando ele tinha 87 anos, foi transferido para a UTI de um hospital. Embora cego, com um câncer em estado terminal e completamente incapaz sequer de permanecer em pé, quanto mais de andar, foi mantido algemado à sua cama por um mês, até morrer, sozinho, em um quarto vigiado por um policial armado, no dia 16 de outubro de 2015. Um pedido da família para que a sentença fosse suspensa e ele pudesse ir para casa se arrastou pela burocracia durante meses e não chegou a tempo.
Que crime teria cometido esse Irwin Schiff para ser tratado como alguém tão perigoso? Ele escreveu um livro. Em toda a história dos EUA, apenas dois livros foram proibidos pela justiça, e o livro de Schiff foi um deles. O outro foi “Fanny Hill”, banido por obscenidade em 1821, e é interessante notar que tentativas de proibí-lo novamente nos anos 1960 foram invalidadas pela Suprema Corte. Assim, o livro de Schiff pode ser considerado o único livro proibido nos EUA nos últimos
200 anos.
Que coisas horríveis teria Irwin Schiff escrito para ser tratado dessa forma, não em uma ditadura do terceiro mundo, mas na “terra da democracia”, o país que se orgulha de ter uma Declaração de Direitos onde o primeiro artigo garante justamente a liberdade de expressão?
Bem, o título do livro é “Como o Governo Ilegalmente Impõe e Ilegitimamente Coleta Impostos Sobre a Renda”. Nele Irwin mostra que o imposto de renda é, de um lado, tecnicamente ilegal porque a emenda constitucional que supostamente o justifica (16ª) não foi corretamente ratificada; e, de outro lado, moralmente ilegitima porque nem a constitução dos EUA nem a tal 16ª emenda dá ao governo o direito cobrar imposto sobre o que uma pessoa ganhou. Mais ainda, ele demonstra que Você pode baixar um pdf do livro, em inglês, clicando aqui.
A luta solitária de Irwin Schiff pode parecer quixotesca em uma sociedade como a nossa, que sempre acreditou que o governo sempre pode tudo. Mas serve para desmentir a falácia do “governo democrático” onde o que vale é a “vontade do povo”. Quando o governo vê seus interesses ameaçados, não hesita em passar por cima de expressões bonitas como “direitos individuais” ou “garantias constitucionais” e não sente vergonha de usar a força contra quem ameaça seus privilégios.
Alguns encontram consolo em dizer que o governo deve obedecer à lei, mas se a lei é feita e alterada pelo próprio governo segundo seus interesses, isso realmente significa alguma coisa? No caso do imposto de renda, assunto do livro de Schiff, a constituição dos EUA não previa esse imposto. Os políticos simplesmente redigiram uma emenda, que foi aprovada pelos próprios políticos. Na prática, os políticos podem fazer qualquer coisa, porque eles podem modificar à vontade as leis que dizem o que eles podem ou não podem fazer.
De novo, alguns dizem que a democracia é um remédio para isso, porque permite ao povo expulsar os maus governantes. Mas antes disso o mau governante tem quatro ou cinco ou oito anos no poder para fazer o que quiser, incluindo modificar as regras da próxima eleição a seu favor, ou criar um novo órgão onde se alojar (de preferência em caráter vitalício), ou ainda usar o dinheiro público para favorecer uma daquelas empresas privadas que são muito próximas do governo, e que certamente saberá retribuir o favor. E sempre é bom lembrar que quando o mau político é retirado do poder, o político que entra em seu lugar tem toda a liberdade para fazer a mesma coisa que o anterior, ou pior.
A conclusão é bem óbvia, embora pareça tão distante da nossa realidade quanto Plutão: o governo e os governantes não devem ter o poder de aumentar o estado, não devem ter o poder de aumentar seus próprios rendimentos, e não devem, jamais, ter o poder de aumentar seu próprio poder. Isso não será garantido por discursos ou por papéis, não importa o nome pomposo que tenham. Isso só pode ser garantido se o povo tiver sempre em mente a antiga expressão “o preço da liberdade é a eterna vigilância”. E “eterna”, aqui, deve ser entendida literalmente, porque eles, os governantes, pensam nisso dia e noite, e aproveitarão qualquer oportunidade para tentar.
Caro Marcelo,
Classifico teus artigos como sendo normalmente brilhantes.
Este último extrapola esta categoria, pois está simplesmente GENIAL! Uma verdadeira obra prima.
Tenho pena de todas as pessoas que não possuem o privilégio de poder ter acesso às tuas sábias considerações.
Grande abraço e bom final de semana.
Grato pelos elogios. Abraços para vc também.
Abraços, vizinha.
Aproveite o fim de semana que segunda-feira tem frio de novo.