MARCELO BERTOLUCI - DANDO PITACOS

Uma das crenças que fazem parte de nossa cultura diz que o estado é necessário para atender aos interesses da população, e que os empreendedores privados atendem apenas os poucos locais onde o lucro é farto e garantido. Mas será verdade?

Vamos começar pelos monopólios do estado: saneamento, por exemplo, que nunca foi permitido à livre iniciativa. 66% das residências em áreas rurais não recebem água encanada. Em metade dos estados brasileiros, a rede de esgoto cobre menos de 50% da população (no caso mais extremo, o Piauí, apenas 7% das residências tem o esgoto tratado). O ministério da saúde estima que trezentas mil pessoas por ano são internadas por doenças relacionadas a essa deficiência. Também vale citar que, de acordo com o próprio governo, 38% da água tratada é perdida por vazamentos ou ligações clandestinas.

Outro exemplo? Transporte. Não é segredo que nossas estradas estão na sua maioria saturadas, esburacadas, mal sinalizadas. Considerando rodovias federais, estaduais e municipais, apenas 13% têm asfalto. E já estamos acostumados a pensar que “para ter estrada sem buraco, só privatizando”. Só que a privatização não é privatização. É concessão por tempo determinado, com regras impostas pelo estado, valor do pedágio idem, sujeita à negociações e conchavos por baixo dos panos. E não vamos nem falar de transporte ferroviário, fluvial ou marítimo.

Saúde e educação, óbvio. Nestes casos temos dois sistemas paralelos: o estatal e o privado. Alguma dúvida sobre qual o melhor? Qual é aquele que é objeto de desejo por parte de todos, e qual aquele que só é usado por necessidade e falta de opção? Mas não custa lembrar que tanto a educação quanto a saúde privadas são fortemente reguladas pelo governo. Aliás, seria o caso de perguntar porque os serviços que o próprio governo oferece não passam pelas mesmas exigências que o governo cobra dos serviços particulares.

Como exemplo do “privado mas regulado pelo estado”, temos telefone e internet. Não são estatais, mas vivem à sombra do governo, que diz o que pode, o que não pode e quanto custa. Funciona, está disponível para todos, mas é melhor não ter esperanças sobre bom atendimento e qualidade. Afinal, o governo está a postos para impedir novos concorrentes, com suas licenças e burocracias. Sem concorrência, por que as empresas vão se esforçar?

E livre-mercado, existe? Pode-se dizer que sim, ou quase, em setores como alimentação e vestuário, ítens fundamentais na vida de todos, mas que não causam grandes preocupações justamente por estarem disponíveis e livres das amarras do governo. É verdade que restaurantes são importunados pelos fiscais do governo preocupados em conferir fichas e etiquetas, mas o mercado informal supre as deficiências. Da mesma forma, boa parte do comércio de roupas é informal e livre das fiscalizações estatais, e por isso funciona e atende a todo mundo. Se o lugar-comum do “a iniciativa privada só vai onde os lucros são maiores” fosse verdadeiro, nas pequenas cidades as pessoas estariam famintas e nuas. O que ocorre é o contrário: alimentos e roupas estão disponíveis literalmente em qualquer lugar, até mesmo onde o governo não cumpre suas obrigações.

Em resumo: aquilo que é fornecido “de graça” pelo governo é quase sempre ruim, insuficiente, demorado, quando não é simplesmente inexistente. Aquilo que é fornecido pelo livre mercado é farto, se encontra em qualquer lugar, e tem preços para todos os gostos.

Então por que tanta gente continua idolatrando o governo e querendo que ele tome mais e mais dinheiro de todos em troca de coisas que ele promete mas não faz? Isso eu não sei responder.

Um comentário em “O PÚBLICO E O PRIVADO

  1. Parabéns mais uma vez, Marcelo Bertoluci, por mais um elucidativo texto.

    Em princípio, alguém poderia imaginar que a motivação dessa “tanta gente” a que você se refere só poderia ser explicada por uma junta de psiquiatras e neurologistas.

    Mas eu imagino que o caso é de oportunismo político mesmo, típico de espertalhões que só querem viver a dolce vita, comendo e bebendo do bom e do melhor, curtindo belas dachas de praia e de campo, à custa do dinheiro desviado da arrecadação de impostos, tributos, taxas e por aí vai.

    O dia em que for feita uma pesquisa honesta e séria entre a população em geral o resultado deverá ser algo tipo 90% dos ouvidos serem a favor da privatização de pelo menos 80% dos serviços públicos.

    É óbvio que os outros 10% serão contra mudanças porque estão se dando bem em seus cargos, não vão querer largar a boca doce com seus altos salários em cargos públicos, geralmente parasitários e dispensáveis. Por isso muitas vezes na história da humanidade as mudanças são provocadas por, digamos, métodos não muito pacíficos.

    Eu lembro que o pessoal em São Paulo em junho de 2013 não tinha motivação política nenhuma, projeto nenhum, agenda nenhuma, só aproveitou o estopim aceso por um ato público do “movimento passe livre” para quebrar tudo, derrubar tudo, destruir tudo, e de uma maneira geral é algo que ainda não ficou resolvido e que a qualquer momento poderá ser deflagrado novamente, vai saber com que consequências.

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