Uma das crenças que fazem parte de nossa cultura diz que o estado é necessário para atender aos interesses da população, e que os empreendedores privados atendem apenas os poucos locais onde o lucro é farto e garantido. Mas será verdade?
Vamos começar pelos monopólios do estado: saneamento, por exemplo, que nunca foi permitido à livre iniciativa. 66% das residências em áreas rurais não recebem água encanada. Em metade dos estados brasileiros, a rede de esgoto cobre menos de 50% da população (no caso mais extremo, o Piauí, apenas 7% das residências tem o esgoto tratado). O ministério da saúde estima que trezentas mil pessoas por ano são internadas por doenças relacionadas a essa deficiência. Também vale citar que, de acordo com o próprio governo, 38% da água tratada é perdida por vazamentos ou ligações clandestinas.
Outro exemplo? Transporte. Não é segredo que nossas estradas estão na sua maioria saturadas, esburacadas, mal sinalizadas. Considerando rodovias federais, estaduais e municipais, apenas 13% têm asfalto. E já estamos acostumados a pensar que “para ter estrada sem buraco, só privatizando”. Só que a privatização não é privatização. É concessão por tempo determinado, com regras impostas pelo estado, valor do pedágio idem, sujeita à negociações e conchavos por baixo dos panos. E não vamos nem falar de transporte ferroviário, fluvial ou marítimo.
Saúde e educação, óbvio. Nestes casos temos dois sistemas paralelos: o estatal e o privado. Alguma dúvida sobre qual o melhor? Qual é aquele que é objeto de desejo por parte de todos, e qual aquele que só é usado por necessidade e falta de opção? Mas não custa lembrar que tanto a educação quanto a saúde privadas são fortemente reguladas pelo governo. Aliás, seria o caso de perguntar porque os serviços que o próprio governo oferece não passam pelas mesmas exigências que o governo cobra dos serviços particulares.
Como exemplo do “privado mas regulado pelo estado”, temos telefone e internet. Não são estatais, mas vivem à sombra do governo, que diz o que pode, o que não pode e quanto custa. Funciona, está disponível para todos, mas é melhor não ter esperanças sobre bom atendimento e qualidade. Afinal, o governo está a postos para impedir novos concorrentes, com suas licenças e burocracias. Sem concorrência, por que as empresas vão se esforçar?
E livre-mercado, existe? Pode-se dizer que sim, ou quase, em setores como alimentação e vestuário, ítens fundamentais na vida de todos, mas que não causam grandes preocupações justamente por estarem disponíveis e livres das amarras do governo. É verdade que restaurantes são importunados pelos fiscais do governo preocupados em conferir fichas e etiquetas, mas o mercado informal supre as deficiências. Da mesma forma, boa parte do comércio de roupas é informal e livre das fiscalizações estatais, e por isso funciona e atende a todo mundo. Se o lugar-comum do “a iniciativa privada só vai onde os lucros são maiores” fosse verdadeiro, nas pequenas cidades as pessoas estariam famintas e nuas. O que ocorre é o contrário: alimentos e roupas estão disponíveis literalmente em qualquer lugar, até mesmo onde o governo não cumpre suas obrigações.
Em resumo: aquilo que é fornecido “de graça” pelo governo é quase sempre ruim, insuficiente, demorado, quando não é simplesmente inexistente. Aquilo que é fornecido pelo livre mercado é farto, se encontra em qualquer lugar, e tem preços para todos os gostos.
Então por que tanta gente continua idolatrando o governo e querendo que ele tome mais e mais dinheiro de todos em troca de coisas que ele promete mas não faz? Isso eu não sei responder.
Parabéns mais uma vez, Marcelo Bertoluci, por mais um elucidativo texto.
Em princípio, alguém poderia imaginar que a motivação dessa “tanta gente” a que você se refere só poderia ser explicada por uma junta de psiquiatras e neurologistas.
Mas eu imagino que o caso é de oportunismo político mesmo, típico de espertalhões que só querem viver a dolce vita, comendo e bebendo do bom e do melhor, curtindo belas dachas de praia e de campo, à custa do dinheiro desviado da arrecadação de impostos, tributos, taxas e por aí vai.
O dia em que for feita uma pesquisa honesta e séria entre a população em geral o resultado deverá ser algo tipo 90% dos ouvidos serem a favor da privatização de pelo menos 80% dos serviços públicos.
É óbvio que os outros 10% serão contra mudanças porque estão se dando bem em seus cargos, não vão querer largar a boca doce com seus altos salários em cargos públicos, geralmente parasitários e dispensáveis. Por isso muitas vezes na história da humanidade as mudanças são provocadas por, digamos, métodos não muito pacíficos.
Eu lembro que o pessoal em São Paulo em junho de 2013 não tinha motivação política nenhuma, projeto nenhum, agenda nenhuma, só aproveitou o estopim aceso por um ato público do “movimento passe livre” para quebrar tudo, derrubar tudo, destruir tudo, e de uma maneira geral é algo que ainda não ficou resolvido e que a qualquer momento poderá ser deflagrado novamente, vai saber com que consequências.