MARCELO BERTOLUCI - DANDO PITACOS

Na empresa em que trabalhei entre 1985 e 1994 eu tinha um colega filho de japoneses, o Tony. Naquela época, a economia do Japão estava à toda, e muitos nisseis estavam viajando para trabalhar no Japão, incluindo muitos parentes do Tony. Um dia ele me contou que estes imigrantes não eram muito bem vistos por lá. Um parente seu havia escutado de um japonês: “quando a situação aqui estava difícil, meus pais ficaram. Os seus foram covardes e fugiram. Agora que aqui está bom, você quer voltar e aproveitar?” Talvez alguns chamem isso de patriotismo.

No Brasil a coisa funciona ao contrário. Brasileiro ser maltratado e humilhado em sua terra pelo seu próprio governo é algo normal e corriqueiro. Mas brasileiro que foge do Brasil merece privilégios. Estou falando, claro, dos brasileiros de Wuhan, que vão ganhar uma viagem de avião às nossas custas.

Não me consta que nenhum deles esteja lá à serviço do país (corrijam-me se estiver errado). Foram para lá por livre e espontânea vontade, buscando uma vida melhor. Nada errado com isso. Mas porquê nós, os contribuintes que optamos por ficar aqui, temos que bancar suas viagens de avião quando algo dá errado? E por que temos que assistir na imprensa os tais sujeitos “exigindo” e “cobrando” do governo brasileiro que atenda com presteza suas vontades (desculpe, “direitos”)? Se eu estiver em São Sebastião da Amoreira, interior do Paraná, e ficar gripado, posso exigir do governo um avião para me levar para casa? A TV vai mostrar vídeos meus reclamando da demora e protestando como se o presidente Bolsonaro fosse meu criado particular?

Como no Brasil a incoerência sempre anda lado a lado com a incompetência e o despreparo, ficamos sabendo que nossa FAB não tem um único avião adequado para uma viagem como essa. Estão mandando dois EMB-190 em uma viagem que fará QUATRO ESCALAS para chegar ao destino. É como encomendar dez milheiros de tijolo e, ao invés de um caminhão, mandar duas Fiorino para buscar.

* * * * * * * * * * *

Segundo o noticiário da TV, o governo está inventando um negócio chamado “selo arte”, que vai substituir a inspeção federal em produtos artesanais. Ou algo parecido, porque os jornalistas de hoje em dia são pouco dotados da habilidade de transmitir informações. Mas me dei ao trabalho de transcrever duas frases da reportagem feita com um produtor de queijo no interior de São Paulo:

“Os produtos fabricados aqui na propriedade do Ricardo já possuem o selo de inspeção municipal, o que dá a ele o direito de vender apenas na cidade de Porto Feliz. Para conseguir o “selo arte”, primeiro ele vai ter que conseguir o selo de inspeção estadual, com outras regras e critérios para a produção de produtos artesanais, o que vai exigir um investimento de pelo menos quinhentos mil reais.”

Alguém saberia me explicar como os critérios para um queijo poder ser vendido são diferentes para o município e para o estado? Será que em outros municípios as tais regras e critérios também mudam? Como temos mais de 5500 municípios, é lícito pensar em 5500 regras diferentes para que um queijo seja vendido?

Falando francamente: não estamos falando de usinas nucleares. Estamos falando de queijo, algo que a humanidade já produz há uns quatro mil anos, pelo menos. Como é possível que um órgão do governo diga que o queijo está bom para ser vendido, mas só em um município, e outro órgão tenha “regras e critérios” diferentes, que vão exigir que o pobre produtor gaste MEIO MILHÃO para que o mesmo queijo possa ser vendido em outros municípios? Se hoje o queijo do coitado do Ricardo não pode ser vendido em Ribeirão Preto ou Piracicaba porque não atende aos critérios estaduais, porque as pessoas de Porto Feliz podem consumir este queijo?

Naturalmente, o que temos aqui é apenas o governo fazendo o que mais sabe e gosta de fazer: complicar a vida das pessoas em busca de mais dinheiro e mais poder.

* * * * * * * * * * *

Em países civilizados como Suíça, Estados Unidos ou Paraguai, o direito de defender a si próprio e à sua familia é considerado natural. Portanto, o direito de ter uma arma é tão natural como o direito de ter uma casa para morar ou o direito de trabalhar para ganhar a vida.

Aqui é diferente. Nosso governo está sempre buscando novas maneiras de enfatizar que o brasileiro não tem nenhum direito intrínseco: ele pode apenas usufruir daquilo que o estado, bondosamente, lhe concede, sempre sujeito às normas, exigências e especialmente pagamentos. Sendo assim, um senador chamado Styvenson apresentou um projeto para que a licença para posse ou porte de arma dependa de um exame toxicológico periódico, a ser realizado, claro, por “instituição credenciada pelo poder público”. Provavelmente terá amplo apoio dos brasileiros, que adoram ser submissos.

Nosso direito de propriedade é apenas um favor do estado, porque para vender um imóvel que é seu é preciso antes provar, mediante certidões (algumas delas, pagas), que você não deve nada ao estado e está em dia com suas obrigações. (Presunção de inocência? Ora, não seja ridículo!) Para trabalhar, você tem que pagar para um negócio chamado “conselho de classe”, depois, claro, de comprovar que você passou o número de horas exigidas sentado em uma cadeira dentro de um lugar chamado “faculdade”, que segundo o governo é o único lugar onde o conhecimento pode ser transmitido. Nada mais natural que algo tão radical quanto ser o dono de um Taurus 38 esteja sujeito a todas as restrições e obrigações possíveis, e se for possível criar um cartel de empresas amigas que terão clientela cativa, melhor ainda.

Eu, que não apenas trabalhei mas cometi a estupidez de ser empreendedor, tinha em minha microempresa uma parede cheia de licenças, autorizações e alvarás emitidos por inúmeros órgãos do governo. Um deles dizia assim “O Excelentíssimo sr. Delegado de Polícia do 43º Distrito Policial desta capital, no uso de suas atribuições, resolve conceder alvará de funcionamento a…” O linguajar é importante. O sujeito (excelentíssimo, por alguma razão) “resolve conceder”. Não é como se ele, como funcionário público, estivesse fazendo seu trabalho e constatado que eu tenho o direito de trabalhar. Não, eu posso trabalhar por um favor do estado, que “resolve conceder” uma autorização (paga) pela qual eu devo sempre mostrar gratidão e subserviência.

Ô povinho bunda.

Observação: a frase que serve de título a este pitaco é de autoria do falecido humorista Cláudio Besserman Viana, também conhecido como Bussunda. Não posso discordar.

6 pensou em “Ô POVINHO BUNDA!

  1. Caro Marcelo,

    Se pudesse, te daria um conselho : emigre, com eu fiz. Hoje, mal ou bem, ainda tenho direito de escolher alguma coisa. O Bussunda estava certo… Ô povinho bunda !

  2. Enfim alguem desancando os pobres brazucas de Whuran. Cuidem-se e não encham o saco. Lembraram-se que são brasileiros…..né! HAJA SACO.

  3. Marcelo, com todo respeito quero discordar da primeira parte do texto. Entendo sua indignação, mas uma coisa é está gripado no interior do Paraná e outra sob o risco de contaminação de um vírus no país distante ou mesmo que fosse no Paraguai. Resgate de pessoas em situação de riscos sempre foi algo feito pelos diversos países. Os EUA tiraram o pessoal da embaixada do Irã quando Khomeinni expulsou Reza Parleva.
    Você diz corretamente que cada escolhe, mas esqueceu que o trabalho, remunerado, de brasileiros faz parte do produto nacional bruto e que as contas externas, estas que tiveram rombo de US$ 50 bilhões 2019, computa tanto a renda gerada por brasileiro lá fora como de estrangeiro aqui.
    Então, como muito respeito, discordo dessa parte. No mais, familiares dessas pessoas trabalham aqui e pagam imposto. Então, acredito que eles devem cobrar apoio de quem pode dar. No caso dos japoneses, tudo isso é puro preconceito.

    • Nenhum brasileiro comum em situação de perigo dentro do Brasil pode contar com um atendimento deste tipo. Não vejo porque um brasileiro que mora no exterior tem direitos que os brasileiros que moram aqui não tem.

      Digamos que eu não esteja gripado. Digamos que eu sofri um acidente sério, com grande risco de morrer. Eu e minha família pagamos impostos aqui. Tenho direito a avião da FAB? Não, vou para o SUS torcendo para ter médico.

      Digamos que choveu uma barbaridade e foi constatado que a minha rua corre risco de deslizamento. Tenho direito a avião da FAB? Tenho direito a um caminhão da prefeitura que seja para me ajudar a salvar minhas coisas? Não. Depois do desabamento, aí pode ser que apareça na TV e o prefeito prometa alguma coisa (que geralmente não cumpre).

      Nos tempos do Lula, o governo pagou traslado de corpo (que é uma baba) e passagem para a família para um brasileiro que estava ilegal em Portugal e morreu em uma briga numa boite as quatro da manhã. Se eu morrer em Guaratuba, a 100 km de Curitiba, minha família vai ter que pagar uma funerária para me trazer pro cemitério. Por que a diferença?

  4. Estou pasmo com a história do queijo do coitado do Ricardo. Eu nunca tinha ouvido neste tal selo arte, mas para mim ele só confirma que governos são, em geral, desnecessários e vivem inventando coisas para justificar sua existência.

    Não sou tão anti-governo quanto o senhor, mas concordo que por aqui as coisas passaram muito dos limites.

    Eu também cometi a tolice de me tornar empresário, me lasquei, como a maioria dos idiotas igual eu: passivos trabalhistas imensos, tributários, etc.

    Povo bunda do c…

Deixe um comentário para Regi Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *