Estamos vivendo em São Luís a febre do “açaí”, um fruto saudável, com alto teor alimentício e, ao que parece (não tenho certeza), originário da Amazônia. Via de regra, nasce onde existem igarapés, pequenos lagos ou nascentes. É um dos principais elementos da economia amazônica, principalmente depois de estudos e pesquisas desenvolvidas pela Embrapa.
Saliente-se que, no Maranhão, estado situado na pré-amazônia, o açaí abunda, tanto quanto o babaçu. Neste estado, o açaí recebe o nome de “jussara”, e é largamente consumido da forma mais natural possível: polpa grossa, quase papa, sem açúcar, com farinha d´água (conhecida como “farinha de puba”), com camarão seco salgado, ou carne bovina feita carne-de-sol.
As descobertas da Embrapa ainda não chegaram ao Maranhão: 1 – Café feito da semente torrada; 2 – Ração para peixes produzidos em cativeiro.
Situação parecida com o açaí, é a da fruta-do-conde, que em alguns lugares é conhecida por “ata”. Não é diferente da graviola, no Maranhão conhecida por “jacama”.
Dei essa volta toda nos quatro parágrafos anteriores, de forma proposital, para dizer que, no Ceará, “bila” é bila e alguém jamais vai chamar de bola-de-gude, ou “peteca” como é chamada no Maranhão. No Ceará, a meninada jogava bila. Antes, claro, do advento as inúteis brincadeiras dos celulares, da robótica, ou dos playgrounds.
Bila “olho de gato”
Em Fortaleza, por morar de aluguel, moramos em vários bairros. Um deles, onde moramos em seis endereços, foi a Bela Vista, onde vivi quase toda a adolescência.
Durante muitos anos aquele bairro clamou por pavimentação. A primeira a chegar foi a de paralelepípedos. Antes, era areia, o que possibilitava jogar bola de borracha e, gol a gol com bola de meia. Os amigos, quase irmãos. As arengas naturais da faixa etária.
Edilson Beleleu, ou simplesmente “Beleleu”, era um menino negro descendente de índios – cabelos escorridos como de todos indígenas, mas que era cortado tipo recruta. Raramente Beleleu usava camisa – provavelmente por hábito indígena.
Habilidoso ao extremo, com alto poder de concentração, Beleleu era considerado o maior campeão da Bela Vista. Era imbatível na rua onde morávamos.
Mas, como não existe bem que nunca acabe, nem mau que dure para sempre, o fim do reinado de Beleleu ficou ameaçado e, aos poucos, foi acabando. Antes, Beleleu ganhava tanto de todos, que passou a exigir que, a cada cinco partidas que ele ganhasse, o perdedor tinha que pagar com a famosa e valiosa “bila olho-de-gato”. Fora disso, só aceitava receber bila de aço.
Mas, num certo dia de sábado, com a claridade do dia indo embora, a casa de número 22 da rua onde morávamos recebia uma nova família. Na família viera Nonato, de aproximadamente 11 anos. Negro, logo que começou a se familiarizar com a meninada da rua, recebeu o apelido de Tiziu. Canelinhas finas, brilhosas e sem pelos, Tiziu tinha outra particularidade que chamava a atenção de todos. Era vesgo. No Ceará é chamado de cara-olho. É aquele mesmo que a gente nunca sabe para onde está olhando, nem o que está vendo.
E, menino que é menino mesmo e se preza, além de carregar uma baladeira dependurada no pescoço, carrega também, todas as bilas que tem, num dos bolsos ou num saquinho de pano com a boca amarrada.
O dia de Beleleu havia de chegar. E chegou. Foi feito o desafio. Certo que ganharia a parada, Beleleu pediu para olhar a bila olho-de-gato de Tiziu. Era uma só. Mas, provavelmente, era a mais bonita entre todas que ali estavam. Aposta feita.
Vamos “beber” (uma espécie de sorteio, para ver que começa o jogo).
Hora de “beber”
Muito distante do advento do VAR – uma nova tecnologia que, por imagens, pretende dirimir dúvidas no futebol – aquele jogo de bilas é de alta importância e quem decide as dúvidas é o conhecido par ou ímpar.
Uma partida, duas, três, quatro, cinco…… oito, nove, dez, e Tiziu resolveu perder uma para não espantar o já freguês Belelelu – esse, além de chateado, muito irritado e nervoso. Aos poucos o frasco onde Beleleu guardava as preciosidades foi esvaziando.
Frasco com as bilas de Beleleu
Eis que Beleleu começara a perder, não apenas bilas olho-de-gato mas, também, a coroa e a fama de Rei, e imbatível no jogo de bilas.
E quem um dia aproveitou aquela infância, certamente conheceu a hora do banho do fim do dia: quando a mãe aparece no portão da casa e grita: tá na hora de entrar, pois o teu pai tá quase chegando!
E, claro, Beleleu foi salvo pelo gongo e pela hora de entrar para banhar.
Imitando o pássaro silvestre, Tiziu quase pulava como tal, contando que havia ganho 22 bilas – o número da casa do novo morador daquela rua na Bela Vista.
Mono Zé Ramos,
Tuas recordações de tempos idos e vividos, me fascinam!
Parabéns pelo VAR de hoje!
Cícero, obrigado. Gaiato! Tu tens cara de quem gosta de dar chulipa nas orelhas dos outros. Outra coisa que, com certeza tu gostavas, era de “tirar o selo”, quando alguém cortava o cabelo à moda “busca-ré”!
Kkkkkkkkkkkkkkkkkklllllkkkkkkkkkkkkkk!
Exatamente! Kkkkkkkkk
Parabéns, querido escritor José Ramos, pelo texto bonito e saudosista, “O Pote de Bilas de Beleleu”! Adorei!
A ilustração está linda, com o pote de Bilas coloridas!
Em Nova-Cruz, minha terra natal, essas bolinhas de vidro eram chamadas “bolinhas de gude” ou “bilocas.”
Na minha infância, eu e minhas colegas brincávamos de peteca, usando 5 bolinhas dessas. Era a brincadeira que mais gostávamos.
Beleleu, é uma palavra muito conhecida no vocabulário caipira do Rio Grande do Norte.
Quando alguma coisa não dá certo, como um namoro ou casamento, se diz que foi para o beleleu. Significa fracasso.
Gostei de conhecer a história de Edilson Beleleu, campeão do jogo de bilas. que andava com seu pote com bilas coloridas e, com certeza, uma baladeira pendurada no pescoço.
Mas, de uma hora para outra, entrou em cena Tziu, o novo morador da rua, que tinha o diferencial de ser vesgo, e mesmo assim superou o campeão Beleleu, passando a ser o novo craque das bilas. .
O lirismo do último parágrafo da sua narrativa me encantou:
“Imitando o pássaro silvestre, Tiziu quase pulava como tal, contando que havia ganho 22 bilas – o número da casa do novo morador daquela rua na Bela Vista.”
Grande abraço e uma ótima semana!