RODRIGO CONSTANTINO

Don Corleone acordou irritado. Lera no jornal que aquele mesmo jornalista o criticava novamente. O sujeito tinha até criado um apelido depreciativo para Corleone! O capo chamou em seu gabinete um dos capangas e ordenou: “Pega logo esse jornalista!”.

Sem saber como fazê-lo, o capanga conversou com seu comparsa: “Quando o chefe cisma… e agora? Não encontrei absolutamente nada contra o jornalista”. Seu colega, que conhecia bem os métodos do chefe, principalmente quando cismado, disse: “Ora, use a criatividade! E capricha no trabalho, para montar uma narrativa comprometedora desse jornalista”.

Mas não adiantou. O jornalista tinha coragem e “costas quentes”. Ele conseguiu asilo num país sério, e se Corleone mandasse seus jagunços para pegá-lo na marra, poderia gerar um incidente diplomático internacional e afetar seus negócios.

Não que Corleone ligasse tanto para isso. Certa vez, ele peitou até o rei da Espanha! E sobre o presidente americano, ele disse, com soberba: “Que mande um porta-aviões me buscar se for homem!”. Acostumado a se cercar de súditos bajuladores, que disputavam para ver quem dava mais beijos em sua mão, o capo não tinha qualquer paciência com desafetos.

Coisa rara na máfia, em especial na organização comandada por Corleone, um capanga resolveu se rebelar ao ser preso por outro crime que cometera, sem ligação ao grupo, de caráter passional. Essa prisão, por si só, já irritara bastante Don Corleone: “Que tipo de imbecil não consegue se controlar e tenta dar um tiro na própria mulher, em vez de planejar com calma e frieza seu assassinato sem deixar rastros?”.

Mas a raiva de Corleone chegaria ao ápice quando o capanga, ao que tudo indica, entregou seu telefone com seis gigabites de conversas entre os capangas. A vontade de Corleone era eliminar o traidor ali mesmo, mas era preciso ser cuidadoso, não se expor. Havia muito em jogo, o império construído pelo capo. 

O capanga, porém, sabia que tinha mexido com a turma errada, conhecia bem o modus operandi do chefe. “Se eu falar algo, ele me mata”, desabafou numa mensagem com sua nova esposa. “Minha vontade é chutar o pau da barraca, jogar tudo para o alto”, confessou. Mas o capanga sabia o que isso significava: buscar um programa de proteção a testemunhas e viver eternamente com medo, olhando para trás, desconfiando inclusive da polícia. E tinha ainda que pensar nas meninas, nas filhas. “Parece que a vida é boa para quem é ruim”, concluiu soturno.

Quando leu essa troca de mensagens pela imprensa, Corleone não foi capaz de controlar um sorriso mefistofélico. Ele ainda estava com raiva do ex-capanga, claro, e no dia certo ajustaria as contas com ele. Mas o reconhecimento de que a vida é boa para quem é ruim deu satisfação ao capo. Ele pensou em tudo que tinha, nos esquemas que montava incluindo a própria esposa, no controle que exercia sobre boa parte da mídia, os policiais que tinha na coleira, o medo que despertava em muitos, e essa sensação de poder era melhor do que qualquer droga ou riqueza. Corleone se olhou no espelho, lustrou sua careca brilhante, e partiu para mais um dia de trabalho. Havia uma fila de covardes interesseiros prontos para iniciar o processo de beija-mão já tão tradicional…

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