Sergio Moro
O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, no lançamento do Plano Pena Justa
O Plano Pena Justa, apesar de suas declaradas boas intenções, segue a linha de que o criminoso é uma vítima da sociedade e identifica a “cultura do encarceramento” como o grande problema do combate ao crime. São 260 páginas e páginas sobre racismo estrutural e sobre o direito penal opressor de minorias vulneráveis.
O plano escorrega no início ao citar 851 mil presos para ilustrar o problema da superlotação carcerária, mas deixando de ressalvar que, destes, cerca de 220 mil estão em prisão domiciliar, mesmo considerando a própria fonte de informação utilizada pelo plano.
Algumas propostas constantes no texto são ilegais e injustificáveis. Atualmente, o preso que trabalha ou estuda consegue abater parte de sua pena. Um dia de pena por três de trabalho, por exemplo. É a remição de pena. O plano propõe remição de pena mesmo para quem não trabalhar ou estudar quando não houver essa oportunidade no presídio. Ora, oportunizar trabalho e estudo ao preso é uma política pública que custa dinheiro e esforços, e tem de ser implementada na medida do possível. O preso, mesmo sem estudar ou trabalhar, não pode ser premiado com abatimento automático da pena só porque o Estado ainda não conseguiu providenciar essa oportunidade.
Também propõe compensação penal com redução da pena por dias de prisão em más condições do cárcere. Essa medida também não tem qualquer previsão legal e não passaria no Congresso. Se vier por criatividade interpretativa, será mais um caso de ativismo judicial contra a lei.
Essas propostas extravagantes para abater penas sem causa legal ignoram os direitos das vítimas à justiça, bem como os mecanismos de prevenção específica e geral. Resolver o problema penal abrindo as portas da cadeia reforçará a impunidade e fragilizará ainda mais o combate ao crime no Brasil.
Há até algumas propostas boas, como a capacitação de profissionais em engenharia prisional e ações de reabilitação, mas o foco em reduzir as prisões para solucionar o problema criminal representa uma opção política que não cabe ao Judiciário.
Algo que chamou a minha atenção foi a falta de referência no plano ao contrabando de celulares e drogas para dentro de presídios, a falta de previsão de medidas necessárias para isolar líderes de facções, a falta de referência à necessidade de restabelecer a disciplina nos ambientes prisionais. Não são eles problemas a serem enfrentados em um plano destinado à reforma das prisões brasileiras? Essas omissões reforçam a percepção de que o objetivo central do plano consiste em evitar mais prisões e soltar os presos condenados o mais rapidamente possível.
No fundo, o Plano Pena Justa se assemelha muito ao movimento “Defund the Police” nos Estados Unidos. Diante do assassinato por abuso policial de George Floyd, a resposta irracional defendida por certos grupos foi a de retirar recursos e financiamento dos órgãos policiais, como se a segurança pública estivesse toda contaminada pelo abuso ou como se não fosse ela necessária para proteger a comunidade. Já aqui no Brasil, os presídios precisam ser reformados, a disciplina precisa imperar para que não sejam escolas para o crime, mas a resposta irracional do Plano Pena Justa é abrir as portas das celas e das cadeias. Alguém imagina que essa medida diminuirá a criminalidade?
O Plano Pena Justa veio ainda em momento infeliz, de escalada de violência. Nas últimas semanas, o país assistiu ao vídeo de um ciclista sendo morto em São Paulo por causa de um celular, tiroteios à luz do dia no Rio de Janeiro e, também na mesma cidade, o ataque do crime organizado a uma delegacia para resgate de um preso.
O Executivo e o Judiciário deveriam dialogar com o Congresso para buscar soluções e não optar simplesmente pelo desencarceramento em massa na errada ilusão de que isso reduzirá a criminalidade no Brasil. Falo com experiência de 22 anos de magistratura e de ex-ministro da Justiça e Segurança Pública no período de maior redução do número de crimes no Brasil, quando também adotamos políticas eficientes contra o crime organizado, como o confisco alargado e o isolamento das lideranças em presídios federais.
Rigorosamente, devem o Judiciário e o Executivo aplicar a lei determinada pelo Congresso. Não podem anular ou impedir prisões e penas previstas na lei porque concluíram, erroneamente, que o problema da criminalidade reside no excesso de encarceramento.
No Senado, especificamente na Comissão de Segurança, estaremos abertos ao diálogo, mas igualmente vigilantes contra medidas ilegais que enfraqueçam o combate ao crime, deneguem justiça às vítimas e deixem a sociedade desprotegida.
Eles pregam para o pessoal do 08 de janeiro eles a pena injusta.